quinta-feira, março 30, 2017
Debate: A Crise que não sai nos Jornais. No Barão de Itararé
Pessoal, nesta sexta-feira ( 31 de Março ), teremos aqui no Barão de Itararé, Rua Rego Freitas, 454 - 8 andar - sala 83 - às 19h, debate : A Crise que não sai nos Jornais. Contamos com a sua presença e nos ajude a divulgar. Informamos que teremos transmissão ao vivo pela fpabramo.org.br e retransmitido pelo baraodeitarare.org.br.
http://www.baraodeitarare.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1490:com-requiao-barao-debate-a-crise-que-nao-sai-nos-jornais&catid=12&Itemid=185
quarta-feira, março 29, 2017
Samuel Pinheiro Guimarães:* EUA usam legislação e Departamento de Justiça para enfraquecer quem disputa mercado com Washington
27/3/2017 às 13h47, Entrevista para a Carta Capital, por Samuel Pinheiro Guimarães, enviado por e-mail (tb no Blog Viomundo)
PARA ESTUDAR E FAZER CIRCULAR
_______________________________________________
Como o Senhor definiria a passagem de José Serra pelo Itamaraty e avaliaria seu pedido de demissão?
SPG: A passagem de José Serra poderia ser definida como desastrosa.
Revelou um notável despreparo para o exercício da missão de Chanceler. Seus pronunciamentos, seu desconhecimento de temas triviais, suas tentativas de rever princípios da política externa, tais como a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, em especial na América do Sul; a prioridade da política brasileira para América do Sul e a necessidade de diversificar as relações do Brasil com todos os Estados; a necessidade de articular a ação brasileira com a de países de circunstâncias semelhantes, demonstraram seu despreparo.
Finalmente, a tentativa de alinhar o Brasil com a política externa americana em todos os temas, sem colocar acima de tudo os interesses brasileiros, aliás de acordo com a política geral praticada pelo Governo Temer, revelou seu descompasso com o Brasil.
Pelo seu comportamento, revelou desprezo pelos quadros do Itamaraty e pela sua experiência, isolando-se, quando em Brasília, em seu Gabinete, dedicando especial atenção às questões de imprensa, e passando grande parte de seu tempo em São Paulo.
Seu pedido de demissão pode estar ligado a quatro fatores: a decepção com sua pequena influência no Governo, em especial nas questões econômicas; sua relativa incompatibilização com os Estados Unidos, apesar de suas posições tradicionais de grande proximidade com esse país, devido a sua inoportuna e depreciativa declaração sobre Donald Trump durante a campanha eleitoral americana; a necessidade de organizar sua candidatura a presidente ou mesmo a Governador nas eleições de 2018; a precariedade de sua saúde, inclusive física.
De que forma o Brasil conseguirá recuperar o protagonismo internacional perdido recentemente?
SPG: Em primeiro lugar, pela execução de uma política externa que se fundamente no respeito aos princípios que garantem a ordem internacional, que protegem os Estados mais fracos e que estão consagrados na Constituição Federal e na Carta das Nações Unidas, quais sejam os princípios da não intervenção; da autodeterminação; da igualdade soberana e da reciprocidade.
Em segundo lugar, por uma política externa que priorize o desenvolvimento do Brasil, em todas as suas dimensões, e a ampliação da participação do Brasil nos organismos internacionais, inclusive no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em terceiro lugar, pela denúncia firme e serena de toda e qualquer ação arbitrária e violenta, em especial de Grandes Potências, contra os Estados periféricos e frágeis.
Em quarto lugar, pelo reconhecimento de que a realidade da localização geográfica do Brasil, suas fronteiras e número de vizinhos, a dimensão do território e de sua população, a riqueza de recursos naturais, o elevado grau de urbanização e de industrialização impõem uma estratégia de política externa de afirmação nacional.
A ação serena e prudente dos executores da política externa, seu conhecimento dos temas e sua determinação na defesa dos interesses do Brasil diante de qualquer Estado são fatores indispensáveis para recuperar o respeito e o protagonismo internacional.
Só é respeitado quem se respeita e quem defende seus interesses.
O Senhor acredita que os EUA, na presidência de Donald Trump, irá formalmente apoiar a ideia de um Estado único Israel-Palestina como querem os israelenses?
SPG: Acredito que muitas das manifestações iniciais sobre política externa emitidas pelo Presidente Trump, tais como as que se referiam à OTAN, ao México, à Austrália, à Europa, à China, à Rússia e, inclusive, a Israel, virão a ser modificadas.
A questão de Israel é vital para os povos árabes e muçulmanos e os interesses americanos nestes países, em especial devido ao petróleo, são tão grandes e estratégicos que as pressões internas nos
EUA serão muito intensas para que o Governo Trump volte à sua posição tradicional:
• financiar Israel em montante superior a 3 bilhões de dólares por ano, o que sustenta a economia e o poder militar israelense;
• apoiar militarmente e em atividades de inteligência o Governo de Israel;
• aceitar a expansão, desde que discreta, de assentamentos israelenses na Cisjordânia e condená-los retoricamente;
• apoiar a solução de dois Estados;
• apoiar a resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a retirada israelense dos territórios ocupados em 1968 mas nada fazer, na prática, para implementá-la.
Como explicar essa onda reacionária no planeta?
SPG: A onda reacionária começa em 1979 com a ascensão de Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Helmut Kohl que promoveram, de um lado, o combate às políticas e aos programas keynesianos e a desregulamentação do setor financeiro e das megaempresas (fim das leis anti-trust) e adotaram políticas neoliberais e que, de outro lado, enfrentaram agressivamente o que Reagan chamou de Império do Mal e todos os regimes de economia mista e de políticas externas menos submissas.
A desintegração da União Soviética em 1991, a gradual adesão, a partir de 1979, da China ao capitalismo e a esmagadora vitória americana na Guerra do Golfo permitiram ao primeiro Bush proclamar uma Nova Ordem Mundial, com a hegemonia americana, a única Grande Potência mundial, em um mundo unipolar.
A partir desta vitória do capitalismo neoliberal sobre o socialismo estatal, os governos da periferia e do centro aderiram ao capitalismo selvagem e às políticas neoliberais, sintetizadas no Consenso de Washington, com a redução dos direitos dos trabalhadores e dos direitos civis, estes em especial a partir de 2001 com a legislação americana e internacional de combate ao terrorismo, o novo inimigo, o aumento dos gastos militares e de restrição aos direitos civis.
A recessão, que se inicia em 2007, que se prolongou e se transformou em estagnação, trouxe um novo elemento e impulso à onda reacionária, qual seja o colapso da economia globalizada, devido à falência do sistema financeiro, a necessidade de sua recuperação com enormes recursos do Estado, e a culpa jogada nos gastos sociais e, portanto, nos trabalhadores.
As políticas recessivas, implementadas para recuperar a “confiança” dos investidores (isto é, do capital), que levaram ao desemprego e às reduções de salários, de direitos trabalhistas e previdenciários, estimularam a xenofobia e os movimentos de direita, enquanto as agressões militares a países como a Líbia e a Síria, onde já morreram mais de 400 mil pessoas, geraram as ondas de refugiados, deslocados e imigrantes, e as políticas anti-imigrantes nos países centrais.
Por que tem sido tão fácil derrubar as políticas progressistas na América do Sul, principalmente na Argentina e no Brasil?
SPG: Há quatro fatores principais que levaram à possibilidade de derrubar as políticas progressistas a partir da derrubada dos Governos que as promoveram:
• As operações de regime change, isto é, de golpe de Estado “suaves” desencadeadas pelos Estados Unidos após as vitórias democráticas de Chávez; Lula; Kirchner; Tabaré, Evo, Lugo e Correa, devido aos programas progressistas e de afirmação nacional que passaram a executar e que afetariam, em maior ou menor medida, os interesses políticos e econômicos americanos;
• Em segundo lugar, a forte e articulada reação das classes hegemônicas, beneficiárias de séculos de mecanismos de concentração de riqueza, renda e poder, contra os programas progressistas, a favor dos trabalhadores e dos miseráveis, implementados por esses Governos, inclusive através da articulação sistemática e permanente da mídia e dos poderes Legislativo e Judiciário contra esses Governos;
• Em terceiro lugar, a não mobilização, em maior ou menor escala, das massas beneficiárias daqueles programas pelos Governos progressistas em defesa de seus programas e de esclarecimento sobre os mecanismos de dominação das classes hegemônicas;
• Em quarto lugar, no caso de alguns países, a incapacidade política e de visão estratégica dos Governantes.
O senhor acredita que o processo de globalização está sob risco, por conta da ascensão do populismo de direita?
SPG: O processo de globalização, isto é, de criação de uma economia global, foi impulsionado pelas megaempresas multinacionais (e por seus Governos de origem) com o objetivo de eliminar os obstáculos à sua ação em todos os mercados em busca de maiores lucros, sob a orientação e a propaganda ideológica do neoliberalismo.
A globalização levou a uma maior concentração de riqueza e renda dentro dos países, desenvolvidos e subdesenvolvidos, e entre os países.
O processo de globalização levou à crise financeira, econômica e social de 2007 e à consagração, ideológica inclusive, sob “o novo conceito” de cadeias globais de valor, da divisão internacional do trabalho entre, de um lado, as economias altamente desenvolvidas e tecnológicas e, de outro lado, as economias periféricas, produtoras e exportadoras de matérias primas e de manufaturados simples.
Este processo de globalização certamente não beneficiou o Brasil pois acentuou sua característica de economia primária-exportadora e concentrou a renda no campo e no setor financeiro.
O populismo de direita é uma consequência do processo de globalização inclusive na medida em que muitos partidos e Governos de esquerda aderiram às visões e às políticas neoliberais e permitiram que, em nome de uma pseudo-utopia capitalista globalizante, os trabalhadores de seus países ficassem desempregados e fossem vítimas de políticas sociais anti-trabalho.
De qualquer forma, os grandes tratados internacionais devem passar por uma fase de congelamento, não?
SPG: Acredito que sim. O Relatório anual sobre política comercial enviado pelo Presidente Donald Trump ao Congresso americano indica esta orientação de política comercial de dar preferência a acordos bilaterais para reduzir seus déficits, ao unilateralismo, à ressurreição das práticas de retaliação previstas pela Seção 301 da Lei de Comércio americana contra politicas julgadas “injustas” e de desprezo pela Organização Mundial do Comércio-OMC e seu sistema de solução de controvérsias.
Diz o Relatório (e, portanto, o Presidente Trump):
“Desde que os Estados Unidos ganharam sua independência, tem sido um claro princípio de nosso país que os cidadãos americanos estão sujeitos apenas às leis e aos regulamentos feitos pelo Governo dos Estados Unidos — não a decisões adotadas por Governos estrangeiros ou organizações internacionais”.
Para o Brasil, é sempre preferível o sistema multilateral de negociação e de solução de controvérsias da OMC, onde temos maior capacidade de articular, com outros países, a defesa de nossos interesses econômicos
Por outro lado, aqueles grandes acordos internacionais, que vinham sendo tão louvados pela imprensa e pela academia, de um lado não atenderiam aos nossos interesses e, de outro, nem deles poderíamos participar por não sermos, no caso do TransPacific Partnership-TPP, um país do Pacífico, e no caso do TransAtlantic Trade and Investment Partnership-TTIP, por não sermos um país europeu.
O Senhor enxerga interesses geopolíticos por trás da Operação Lava Jato?
SPG: O fato de haver interesses geopolíticos atrás da Operação Lava-Jato é importante, porém mais relevante é procurar identificar as consequências geopolíticas para o Brasil e para seu projeto nacional.
O projeto nacional brasileiro tem as seguintes características:
• Construir uma economia moderna industrial capitalista;
• Construir um sistema de defesa, de natureza dissuasória, através do programa do submarino nuclear e da expansão da indústria aeronáutica e espacial;
• Construir gradualmente, através da ação do Estado, um sistema econômico e social menos desigual em termos regionais, de renda, de etnia, de gênero etc.;
• Desenvolver uma política externa soberana com os seguintes instrumentos e objetivos:
• articular um bloco político sul americano, a UNASUL;
• articular um bloco latino-americano, a CELAC;
• fortalecer um bloco regional na América meridional, o Mercosul;
• desenvolver relações políticas e econômicas com todos os países, sem prejulgar seus regimes políticos, econômicos e sociais;
• reformar os organismos internacionais, em especial o Conselho de Segurança da ONU e os organismos financeiros como o FMI, para conquistar para o Brasil a possibilidade de maior participação e defesa de seus interesses;
• articular alianças com os grandes Estados da periferia, como o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Estes objetivos confrontam profundamente os interesses dos Estados Unidos e das potências a eles aliadas, ou mesmo não aliadas como é o caso da China e da Rússia.
A nenhuma Grande Potência, isto é aos membros permanentes do CSNU, às potências nucleares e missilísticas e às grandes potências econômicas como o Japão e a Alemanha, interessa o surgimento de uma nova potência, isto é de um Estado de fato autônomo e soberano pois isto prejudica seus interesses de obter acesso a todos os mercados produtivos e financeiros e às vias de acesso a mercados na disputa permanente por uma parcela maior da riqueza e do poder político e militar mundial.
A ação geopolítica externa se desenvolveu da seguinte forma:
• como se tornou público e reconhecido pelo Governo americano, a NSA (National Security Agency) há décadas monitora e grava todas as comunicações eletrônicas entre todas as pessoas no mundo, em especial as lideranças, como foram monitorados e gravados os aparelhos celulares de Angela Merkel e Dilma Rousseff, e as principais autoridades de todos os Governos e tais informações podem ser repassadas a suas megaempresas e servem para sua política externa;
• o Juiz Sergio Moro, como muitos dos procuradores da Operação Lava Jato, foi treinado em programas especiais, patrocinados pelo Governo americano, e mantem permanente contato com as autoridades americanas;
• o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) é um poderoso instrumento contra as empresas estrangeiras que competem com as megaempresas americanas no mercado mundial, isto é no mercado de cada país;
• o Governo americano, através do Departamento de Justiça e do FBI, através de acordos, fornece informações à Polícia Federal e aos Procuradores do Ministério Público para auxiliar suas investigações.
Neste contexto, a Operação Lava Jato tem importantes consequências geopolíticas, e colabora para os objetivos das Grandes Potências, em especial dos Estados Unidos, pelas seguintes razões:
• abala a autoestima da sociedade brasileira, convencida pela mídia de sua corrupção intrínseca e excepcional;
• contribui para afetar o prestígio político dos partidos de esquerda e progressistas em geral;
• afeta o prestígio e a capacidade de articulação do Brasil na América Latina e, em especial, na América do Sul;
• contribui para desarticular a aliança política entre os Estados da América do Sul (UNASUL) e da América Latina (CELAC);
• corrói o prestigio político e econômico brasileiro na África ocidental;
• corrói a posição do Brasil nos BRICS e nas Nações Unidas
• desarticula e destroça as grandes empresas brasileiras do setor de construção e de engenharia pesada que eram altamente competitivas;
• abre o mercado brasileiro, onde deixa de haver concorrência de empresas locais, para as megaempresas internacionais de construção de grandes obras de infraestrutura, mercado que é estimado em mais de um trilhão de reais.
• contribui para desacreditar o BNDES como agência de financiamento da política comercial brasileira;
• ao desmoralizar o Estado, contribui para o projeto de redução ao mínimo do Estado brasileiro, principal instrumento capaz de vencer os desafios do desenvolvimento, da soberania e das desigualdades.
Há alguma semelhança entre este momento histórico e os anos 30 do século passado?
SPG: A partir da Revolução de 30, se inicia no Brasil o projeto de construção de uma economia moderna capitalista industrial, de organização de seu mercado de trabalho, de consolidação da unidade nacional, de construção de um Estado capaz de enfrentar os desafios de construção da infraestrutura de energia e transportes e de financiamento de seu setor privado.
A tentativa de construção de uma economia moderna industrial e capitalista no Brasil enfrentou forte oposição das classes hegemônicas tradicionais situadas no setor agropecuário, defensoras do neoliberalismo e da tradicional divisão internacional do trabalho que reserva ao Brasil o papel de produtor e exportador de produtos primários, e mais recentemente de território para a exploração das megaempresas multinacionais, sem capacidade de desenvolvimento tecnológico, importador de produtos industriais sofisticados e de capitais predadores e especulativos.
O contraste entre os anos 30 e o período que se inicia com Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso é que neste último as classes hegemônicas brasileiras, em aliança com as classes hegemônicas do Império norte-americano, retomaram seu projeto permanente de congelar o Brasil como produtor primário, sem indústria de capital nacional, com a redução do Estado ao mínimo, sem capacidade de regulamentar e empreender, com a redução dos direitos dos trabalhadores e do custo do trabalho.
Vivemos, no momento atual, a desconstrução do projeto que se inicia em 1930 de construção de uma economia moderna capitalista industrial, soberana, e menos desigual.
Procuram as classes hegemônicas tradicionais finalizar a tarefa que iniciaram em 1990, e que se interrompeu em 2003, com a vitória do Presidente Lula nas eleições.
Como declarou o principal ideólogo e líder das classes hegemônicas, Fernando Henrique Cardoso, em um momento revelador de rara sinceridade:
“Nosso objetivo é acabar com a Era Vargas!”
e agora procuram consagrar na Constituição, através de uma maioria corrupta no Congresso, e de uma circunstância fortuita, seus desígnios antinacionais, antissociais, anti-trabalhador, anti-povo e sua política de subserviência diante do mega-capital internacional das grandes corporações produtivas e, em especial, financeiras.
O povo brasileiro não permitirá que os objetivos das classes hegemônicas e de seus representantes políticos, cuja natureza e instrumentos são antidemocráticos, concentradores de renda e de riqueza, contrários ao capital e ao trabalho nacionais, se consolide.
O povo vencerá as eleições presidenciais de 2018 e o processo de construção de uma sociedade desenvolvida, dinâmica, democrática, mais igual, mais justa e soberana, que se iniciou em 1930, será retomado.
* Embaixador, Secretário-Geral do Itamaraty, 2003-2009, Ministro para Assuntos Estratégicos, 2009-2010.
Dia 31 de Março Dia Nacional de Mobilização rumo à Greve Geral do dia 28 de abril !
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MST
Secretaria Geral 28/3/2017, 22h11
Secretaria Geral 28/3/2017, 22h11
Dia 31 de Março Dia Nacional de Mobilização rumo à Greve Geral do dia 28 de abril !
Fora Temer, Diretas já,
E contra a reforma da previdência, trabalhista e o projeto de tercerização.
A Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo fazem um chamado à sociedade brasileira para ir às ruas, na próxima sexta-feira, 31 de Março, promover e participar de mobilizações em todo o país em defesa das conquistas históricas dos trabalhadores que estão sendo atacadas pelo presidente ilegítimo Michel Temer e seus comparsas.
No dia de hoje as centrais sindicais definiram a convocação de uma Greve Geral para o dia 28 de Abril, contra as Reformas da Previdência, Trabalhista e o projeto de Terceirização aprovado pela Câmara. Sabemos que a nossa vitória depende da capacidade de efetivarmos uma Greve Geral que pare a produção e a circulação no país, e imponha uma derrota política aos golpistas.
Contudo, para que a Greve Geral seja bem-sucedida, a sua construção começa desde já. As mobilizações do dia 31 de Março deverão acumular para a construção da paralisação do Brasil, no dia 28 de Abril, sendo mais um momento de diálogo com a sociedade, denúncia das medidas antipopulares e convocação da Greve Geral.
O povo brasileiro demonstrou nos dias 08 e 15 de março que haverá muita luta e mobilização contra as medidas do Governo Golpista.
Continuaremos nas ruas até a Vitória
Rumo à Greve Geral
Fora Temer e Diretas, Já!
Secretaria Operativa Frente Brasil Popular
Rumo à Greve Geral
Fora Temer e Diretas, Já!
Secretaria Operativa Frente Brasil Popular
Lúcio Centeno
Secretaria Frente Brasil Popular
11 21310840
11 953989412
Secretaria Frente Brasil Popular
11 21310840
11 953989412
_____________________________________________
DIA 28 DE ABRIL VAMOS PARAR O BRASIL!
Nota à imprensa
Reunidos na tarde desta segunda-feira (27), na sede nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT), em São Paulo, os presidentes das centrais sindicais, dirigentes sindicais analisaram a grave situação política, social e econômica que o país atravessa e decidiram que:
Dia 28 de abril vamos parar o Brasil
As centrais sindicais conclamam seus sindicatos filiados para, no dia 28, convocar os trabalhadores a paralisarem suas atividades, como alerta ao governo de que a sociedade e a classe trabalhadora não aceitarão as propostas de reformas da Previdência, Trabalhista e o projeto de Terceirização aprovado pela Câmara, que o governo Temer quer impor ao País.
Em nossa opinião, trata-se do desmonte da Previdência Pública e da retirada dos direitos trabalhistas garantidos pela CLT.
Por isso, conclamamos todos, neste dia, a demonstrarem o seu descontentamento, ajudando a paralisar o Brasil.
São Paulo, 27 de março de 2017.
Adilson Araújo
Presidente da CTB
Antonio Neto
Presidente da CSB
José Calixto Ramos
Presidente da Nova Central
Paulo Pereira da Silva(Paulinho)
Presidente da Força Sindical
Ricardo Patah
Presidente da UGT |
Vagner Freitas
Presidente da CUT
Edson Carneiro (Índio)
Secretário Geral Intersindical
Luiz Carlos PratesMancha)
Presidente da CSP-Conlutas
Ubiraci Dantas de Oliveira (Bira)
Presidente da CGTB |
José Dirceu aponta, um por um, os desmandos do juiz Sérgio Moro
Algumas observações sobre o método Moro
27/3/2017, 16h53, José Dirceu, no Blog Nocaute
27/3/2017, 16h53, José Dirceu, no Blog Nocaute
Em correspondência exclusiva para o Nocaute, da prisão de Curitiba José Dirceu aponta, um por um, os desmandos do juiz Sérgio Moro, que acaba de condenar o ex-ministro a onze anos e três meses de prisão.
"Para me manter preso, Moro alega ameaça à ordem pública, de forma genérica, e que o produto do crime não foi recuperado, expondo mais uma de suas razões sem base nos fatos", afirma Dirceu. E completa: "Estou sem renda há três anos. Todos os meus bens estão sequestrados, arrestados e — com exceção de dois — confiscados."
_____________________________________
Na sentença da minha recente condenação — processo Apolo-Petrobras, na qual me sentenciou, por corrupção e lavagem, a onze anos e três meses de reclusão —, Moro afirma "permanece preso".
Estou preso há vinte meses, embora condenado em Primeira Instância. Logo, com direito a responder em liberdade, até pela decisão do STF de trânsito em julgado em Segunda Instância para execução da pena.
Moro não cita, mas ele renova minha prisão de 27/7/15, executada em 3/8/15, quando da minha condenação em 19/5/16, pelas mesmas razões e motivos, no processo Engevix-Petrobras, em que me condenou a vinte anos e dez meses. Diz que a referida prisão cautelar é instrumental para aquela ação penal!
Apresenta seus argumentos, relata que o pedido de Habeas Corpus foi rejeitado e mantida a prisão na 4ª Região do TRF e no STJ. No STJ, diz que o ministro Teori indeferiu o pedido de liminar, mas, como sabemos, não entrou no mérito. Nós agravamos, e o ministro Fachin, substituto de Teori, negou o HC considerando ter havido supressão de instâncias, o que nos levou a agravar na Segunda Turma. Assim, meu pedido de liberdade, no HC, ainda será votado.
Como os ministros Fachin e Toffoli têm rejeitado as razões para as prisões preventivas de réus — como exemplo, os casos de Alexandrino Alencar, Fernando Moura e Paulo Bernardo —, e os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes também têm se manifestado na mesma direção, Moro se antecipa e, na sentença, apresenta seus argumentos: os mesmos da prisão em 3/8/15 e da condenação em 19/5/16.
É importante frisar — porque essa é a base do meu argumento —, que se trata da mesma prisão. Portanto, meu pedido de HC não suprime instância e não tenho que recomeçar a cada "nova prisão" decretada por Moro. No TRF, porque seria uma "chicana" de autoridade coatora para me manter 20 meses preso sem culpa formada em última instância, uma negação da presunção da inocência.
Para manter minha prisão em 19/5/16, ele alegou: riscos à ordem pública, gravidade dos crimes, prevenir reiteração deletiva. Apresenta como fato, e prova, que durante julgamento da AP 470, que durou de agosto de 2006 a julho de 2014, "persistiu recebendo propina de esquema criminoso da Petrobras". E finaliza afirmando que nem minha condenação na AP 470 serviu para me impedir de continuar … "recebendo propinas!".
Ora, minha condenação no processo Engevix-Petrobras não transitou em julgado, logo tenho a presunção da inocência, não a culpabilidade. Ou Moro já a revogou? Mas Moro vai mais longe. Diz que "o produto do crime não foi recuperado, há outras investigações em andamento e ainda não foi determinada a extensão de minhas atividades"!!!
Então Moro já me condena sem sequer ter me investigado? Ousa ainda mais. Diz que tenho papel central nos contratos da Petrobras e era considerado responsável pela nomeação do ex-diretor Renato Duque. Moro não tem uma prova sequer de que eu tinha "papel central" na Petrobras. Não existe nenhum empresário ou diretor da Petrobras à época que o afirme; não há um fato, uma licitação, um gerente, um funcionário, que justifique ou comprove tal disparate.
Mesmo assim, eu não obstruí a instrução penal e estou cumprindo a pena. Logo, não ameaço a execução penal. Estou preso há três anos. Isso mesmo, três anos. Fui preso por Moro estando preso na AP 470, na qual já fui indultado pelo STF.
Para me manter preso, Moro alega ameaça à ordem pública, de forma genérica, e que o produto do crime não foi recuperado, expondo mais uma de suas razões sem base nos fatos. Estou sem renda há três anos e todos os meus bens estão sequestrados e arrestados e — com exceção de dois — confiscados.
A questão central é que não há base legal para a manutenção da minha prisão preventiva, a não ser para comprovar o ditado de que "os fins justificam os meios", mesmo violando a Constituição. Por saber da fragilidade de suas razões — a única "prova" que Moro tem contra mim é a palavra dos delatores Milton Pascovich e Julio Delgado —, o juiz apela para pré-julgamentos e acusações genéricas de olho na opinião pública, como instrumento de pressão sobre o STF.
Vários ministros da Corte têm decidido que a prisão preventiva é uma exceção, só adotada em último caso, e têm destacado a alternativa do artigo 319 do Código do Processo Penal, a prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Esses ministros não têm aceito razões genéricas sobre ameaça à ordem pública e econômica para a instrução e execução penal, sem fatos concretos, como argumento para manter as prisões preventivas. E muito menos o próprio crime e sua gravidade de que é acusado o investigado e/ou réu, razão para a pena e seus agravantes e não para a prisão preventiva. No meu caso, insisto, estou preso há vinte meses!
Todos os votos dos ministros são públicos e sinalizam como o "método Moro" traz um entendimento próprio e casuístico sobre a prisão preventiva. Para não falar inconstitucional. Daí o apelo do juiz "`a opinião pública", seus artigos nos jornais, onde, na prática, ele confessa que as prisões visam às delações e são fundadas em razões, supostamente éticas, acima e fora da lei!
_________________________
segunda-feira, março 27, 2017
Neoliberalismo, ordem contestada
POR PERRY ANDERSON
– ON 25/03/2017
Sistema sofre pressão inédita – da esquerda e da direita – mas resiste, apoiando-se no medo. Por que o populismo retrógrado ainda é mais forte. Como mudar o jogo
Por Perry Anderson, no Le Monde Diplomatique | Tradução: Antonio Martins
distribuída "PARA ESTUDAR", pela Secretária-geral do MST, aqui redistribuída
OBS. Essa análise é como a parte 'europeia' da mesma análise para a qual Rui Pimenta, do PCO, desenvolveu uma 'parte 'brasileira', na "Análise Política Semanal" que foi ao ar ontem (está em https://www.youtube.com/watch?v=Uya1BxtwaJE ) [VV]
________________________________________________________
distribuída "PARA ESTUDAR", pela Secretária-geral do MST, aqui redistribuída
OBS. Essa análise é como a parte 'europeia' da mesma análise para a qual Rui Pimenta, do PCO, desenvolveu uma 'parte 'brasileira', na "Análise Política Semanal" que foi ao ar ontem (está em https://www.youtube.com/watch?v=Uya1BxtwaJE ) [VV]
________________________________________________________
O termo “movimentos anti-sistêmicos” era comumente usado, há 25 anos1, para caracterizar forças de esquerda, em revolta contra o capitalismo. Hoje, ele não perdeu relevãncia no Ocidente, mas seu sentido mudou. Os movimentos de revolta que se multiplicaram na última década não se rebelam mais contra o capitalismo, mas contra o neoliberalismo – os fluxos financeiros desregulados, os serviços privatizados e a desigualdade social crescente, uma variante específica do domínio do capital adotada na Europa e América desde aos anos 1980. A ordem econômica e política resultante foi aceita indistintamente por governos de centro-direita e centro-esquerda, de acordo com o princípio central do pensamento único e do dito de Margareth Thatcher, segundo o qual “não há alternativa”. Dois tipos de movimento agora se mobilizam contra este sistema; e a ordem estabelecida estigmatiza-os – sejam de direita ou de esquerda – como a “ameaça populista”.
Não por acaso, ests movimentos emergiram antes na Europa que nos Estados Unidos. Sessenta anos após o Tratado de Roma, a razão é clara. O mercado comum europeu de 1957, um desdobramento da comunidade de carvão e aço do Plano Schuman – concebido tanto para prevenir o retrocesso a um século de hostilidades franco-alemãs quanto para consolidar o crescimento econômico pós-guerra na Europa Ocidental – foi produto de um período de pleno emprego e aumento dos rendimentos populares, a consolidação da democracia representativa e dos sistemas de Bem-estar Social. Seus arranjos comerciais pesavam muito pouco na soberania dos Estados-Nações que o compunham – e à época, foram fortalecidos, não enfraquecidos. Os orçamentos e as taxas de câmbio eram determinadas internamente, por parlamentos que prestavam contas a seu eleitorado nacional, e nos quais políticas contrastantes eram debatidas com vigor. Tentativas da Comissão de Bruxelas para tornar-se mais poderosa foram notoriamente rechaçadas em Paris. Não apenas a França de Charles de Gaulle mas também a Alemanha Ocidental de Konrad Adenauer, ainda que de forma mais discreta, perseguia políticas externas independente dos Estados Unidos e capazes de desafiá-los.
O fim dos trinta anos gloriosos impôs uma grande mudança a esta construção. A partir de meados dos 1970, o mundo capitalista avançado mergulhou num longo declínio, analisado pelo historiador norte-americano Robert Brenner2: taxas de crescimento mais baixas e aumentos de produtividade menores a cada década, menos emprego e maior desigualdade, pontuados por recessões agudas. A partir dos 1980, as orientações políticas foram revertidas, num processo que começou no Reino Unido e nos Estados Unidos mas espalhou-se rapidamente para a Europa. O sistemas de Bem-estar foram cortados, as indústrias e serviços públicos foram privatizados e os mercados financeiros, desregulamentados. O neoliberalismo havia chegado. Na Europa, ele adiquiriu com o tempo uma forma institucional particularmente rígida: o número de Estados-membros do que se tornou a União Europeia (UE) multiplicou-se mais de quatro vezes, incorporando uma vasta zona de baixos salários a leste.
Austeridade draconiana
Da união monetária (1990) ao Pacto de Estabilidade (1997) e à Lei do Mercado Único (2011), os poderes dos parlamentos nacionais foram esvaziados por uma estrutura supranacional de autoridade burocrática blindada da vontade popular, extamente como o economista ultraliberal Friedrich Hayek havia profetizado. Com esta máquinária instalada, a “austeridade” draconiana pode ser imposta sobre eleitorados desprotegidos, sob a direção conjunta da Comissão Europeia e de uma Alemanha reunificada – agora o Estado mais poderoso da União, onde pensadores influentes anunciaram de modo cândido sua vocação parahegemon continental. Externamente, no mesmo período, a União Europeia e seus membros deixaram de jogar qualquer papel relevante no mundo, tornando-se a guarda avançada de novas políticas de guerra fria contra a Rússia – articuladas pelos Estados Unidos e pagas pela Europa.
Por isso, não é surpresa que a casta cada vez mais oligárquica da União Europeia, desafiando a vontade popular em sucessivos referendos e forçando diktats orçamentários nas leis constitucionais, tenha gerado tantos movimentos de protesto contra si. Qual o panorama destas forças?
No coração da UE pré-expansão, da era da guerra fria (a topografia da Europa Oriental é tão diferente que pode ser posta à parte, para os propósitos deste texto), movimentos de direita dominam a oposição ao sistema na França (Frente Nacional), Holanda (Partido da Liberdade, PVV), Áustria (Partido da Liberdade da Áustria), Suécia (Democratas Suecos), Dinamarca (Partido do Povo Dinamarquês), Finlândia (Finlandeses Verdadeiros), Alemanha (Alternativa para a Alemanha, AfD) e Grã-Bretanha (Partido pela Independência do Reino Unido, UKIP).
Na Espanha, Grécia e Irlanda, movimentos de esquerda predominaram: Podemos, Syriza e Sinn Fein. Em caso único, a Itália tem tanto um forte movimento anti-sistêmico de direita (a Lega) quanto um ainda maior, que atravessa a fronteira esquerda/direita: o Movimento Cinco Estrelas (M5S). Sua retórica extra-parlamentar sobre impostos e imigração coloca-o na direita, mas ele está à esquerda por seu histórico parlamentar de oposição consistente às medidas neoliberais do governo Matteo Renzi (particularmente sobre Educação e mercado de Trabalho) e seu papel central ao derrotar os esforços de Renzi para enfraquecer a Constituição democrática da Itália3. A todos estes pode ser acrescentado o Momentum, movimento que emergiu na Grã-Bretanha por trás da inesperada eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista. Todos os movimentos de direita, exceto a AfD, precedem o crash de 2008; alguns têm histórias que remontam aos 1970 ou antes. O Syriza decolou, e o M5S, Podemos e Momentum nasceram como resultados diretos da crise financeira global.
O fato central é o peso maior do conjunto de movimentos de direita em relação aos de esquerda, tanto em número de países em que são maios fortes quanto em força eleitoral. Ambos são reações à estrutura do sistema neoliberal, que tem sua expressão mais aguda e concentrada na EU atual, com sua ordem fundada na redução e privatização de serviços públicos, no abandono do controle democrático e representação; e na desregulação dos fatores de produção. As três tendências estão presentes em plano nacional na Europa e em outras partes, mas são mais intensas no espaço europeu – como atestam a tortura da Grécia, o atropelamento dos referendos e o tráfego humano. Na arena política, eles suscitam temas de preocupação popular, convocando protestos contra o sistema relacionados à “austeridade”, soberania e imigração. Os movimentos anti-sistêmicos diferenciam-se pelo peso que dão a cada tema – ou com a cor da paleta neoliberal que mais hostilizam.
Os movimentos de direita predominam sobre os de esquerda porque desde o início apoderaram-se do tema da imigração, estimulando reações xenofóbicas e racistas para obter apoio amplo entre os setores mais vulneráveis da população. Com exceção dos movimentos na Holanda e Alemanha, que acreditam em liberalismo econômico, esta reação está (na França, Dinamarca, Suécia e Finlândia) tipicamente ligada à defesa – e não à denúncia – do Estado de Bem-estar social. Afirma-se que a chegada de imigrandes sabota-o. Mas seria errado atribuir a vantagem da direita a esta carta. Em casos importantes – a Frente Nacional (FN) francesa é o mais significativo –, ela apoia-se também em outros temas.
A união monetária é o exemplo mais óbvio. A moeda e o banco central únicos, concebidos no acordo de Maastricht, produziram, num único sistema, a imposição da “austeridade” e a negação da soberania popular. Os movimentos de esquerda atacam-no tão veementemente como os de direita, ou até mais. Mas as soluções que propõem são menos radicais. Na direita, a FN e a Lega têm remédios claros para a moeda única e a imigração: sair do euro e proibir a entrada de estrangeiros. Na esquerda, com exceções isoladas, há respostas ambíguas. No máximo, propõem-se ajustes técnicos à moeda única, complicados demais para ter audiência popular; e alusões vagas, envergonhadas, a quotas para imigrantes. Nenhuma destas propostas é tão facilmente inteligível para os eleitores como as proposições diretas da direita.
O desafio da migração crescente
A imigração e a união monetária criam, por razões históricas, dificuldades especiais para a esquerda. O Tratado de Roma foi estabelecido sob a premissa do livre movimento de capital, mercadorias e trabalho no interior do Mercado Comum Europeu. Enquanto a Comunidade Europeia esteve restrita aos países da Europa Ocidental, os fatores de produção para os quais a mobilidade importava eram o capital e as mercadorias: a migração entre fronteiras dentro da comunidade era bem modesta. Mas no final dos 1960, o trabalho imigrante das antigas colônias africanas, asiáticas e caribenhas, e das regiões semi-coloniais do antigo Império Otomano, já era numericamente significativo. A expansão da UE para a Europa Oriental ampliou de modo agudo a migração intra-União. Finalmente, aventuras neo-imperiais nas antigas colônias do Mediterrâneo – a blitz militar na Líbia e o incentivo por procuração à guerra civil na Síria – projetaram grandes ondas de refugiados na Europa, além de terror retaliatório por militantes de uma região onde o Ocidente permanece instalado como senhor, com suas bases, bombardeiros e forças especiais.
Tudo isso alimentou a xenofobia. Os movimentos anti-sistêmicos de direita alimentaram-se dela e os movimentos de esquerda combateram-na, leais à causa do internacionalismo humanitário. As mesmas ligações históricas levaram a maior parte da esquerda a rejeitar qualquer pensamento de fim da união moetária, vista como uma regressão a um nacionalismo responsável pelas catástrofes europeias do passado. O ideal de União Europeia ainda é, para estas forças, um valor central. Mas a Europa concreta, de integração neoliberal, é mais coerente que qualquer das alternativas até agora propostas. “Austeridade”, oligarquia e mobilidade de fatores de produção formam um sistema interconectado. A mobilidade dos fatores não pode ser separada da oligarquia. Historicamente, nenhum eleitorado europeu foi consultado jamais sobre a chegada em grande escala de trabalho estrangeiro; ela ocorreu pela porta dos fundos. A negação da democracia, que incorporou-se à estrutura da UE, excluiu de início qualquer voz na composição de suas populações. A rejeição desta Europa por movimentos de direita é politicamente mais consistente que a rejeição pela esquerda, outra razão para a vantagem da direita.
Niveis inéditos de descontentamento dos eleitores
A chegada do M5S, Syriza, Podemos e AfD marcou um salto no descontentamento popular na Europa. As pesquisas mostram agora rejeição nunca antes vista à UE. Mas, sejam de direita ou esquerda, o peso eleitoral dos movimentos anti-sistêmicos permanece limitado. Nas últimas eleições europeias, os três melhores resultados da direita – UKIP, FN e o Partido do Povo da Dinamarca – tiveram em torno de 25% do voto nacional. Em eleições nacionais, o número médio na Europa Ocidental, para todas estas forças de esquerda e direita, é cerca de 15%. Esta percentagem do eleitorado representa pouco perigo ao sistema; 25% podem representar uma dor de cabeça, mas o “perigo populista” que a mída alardeia permanece muito modesto ainda. Os únicos casos em que movimentos anti=sistêmicoos chegaram ao poder, ou pareceram próximos de fazê-lo, são aqueles onde uma desproporção proposital das cadeiras do Parlamento, construída como um prêmio para fortalecer o establishment, saiu pela culutra ou ameaça fazê-lo, como na Grécia e Itália.
Na verdade, há uma larga distância entre o graude desilusão popular com a UE neoliberal – no verão passado, maioras expressaram, na França e Espanha, sua aversão a ela, e mesmo na Alemanha apenas metade dos entrevistados têm uma opinião positiva – e a extensão do apoio a forças que se declaram ontra ela. Indignação ou repulsa diante da UE tornara-mse comuns, mas há algum tempo o determinante fundamental dos padrões de voto na Europa tem sido, e é, o medo. Ostatus quo sócio-econômico é amplamente detestado. Mas é regularmente ratificado nas pesquisas, com a reeleição dos partidos responsáveis por ele, devido ao medo de que sacudir a ordem e alarmar os mercados torne a miséria pior. A moeda única não acelerou o cresciento na Europa, e infligiu aridez aguda nos países do sul mais afetados. Mas a perspectiva de uma saída aterroriza mesmo aqueles que sabem o quanto já sofreram. O medo deerrota a raiva. Por isso, a aquiescência do eleitorado grego diante da capitulação do Syriza a Bruxelas, as decepções do Podemos na Espalha e as trapalhadas do Partido de Esquerda na França. O sentido geral é o mesmo, em todos os lugares. O sistema é ruim. Confrontá-lo é arriscar-se à vingança.
O que explica, então, o Brexit? A imigração em massa é outro medo que atravessa a UE, e foi agitada no Reino Unido pela campanha pela Retirada, em que que Nigel Farage foi um orador e organizador notável, junto a consevadores destacados. Mas a xenofobia sozinha não é suficiente para superar o medo do colapso econômico. Na Inglaterra, e em outros países, ela cresceu à medida em que um governo depois do outro mentiu sobre a escala da imigração. Mas se o referendo sobre a UE tivesse sido apenas uma disputa entre estes dois medos, como oestablishment político desjava, a opção por Permanecer teria certamente vencido por uma boa margem, como ocorreu em 2014, no referendo sobre a independência da Escócia.
Houve outros fatores. Depois de Maastricht, a classe política britânica rejeitou a camisa de força do euro, apenas para buscar um neoliberalismo local mais drástico que qualquer outro no continente. Primeiro, a arrogância financeirizada do Novo Trabalhismo, que afundou a Grã-Bretanha numa crise bancária antes de todos os outros países europeus. Em seguida, um governo Conservador-Liberal de “austeridade” mais drástica que qualquer politica gerada por constrangimento europeu. Do ponto de vista econômico, os resultados desta combinação são únicos. Nenhum outro país europeu foi tão polarizado regionalmente, entre uma metrópole na bolha, de alta renda (Londres e Sudeste) e um Norte e Nordeste empobrecidos, desindustrializados. Onde os eleitores sentiram que tinham pouco a perder se votassem pela Retirada (uma perspectiva mais abstrata do que deixar o euro), não importou o que poderia acontecer à City e aos invetimentos estrangeiros. Nesse caso, o Medo importou menos que o Desespero.
Também do ponto de vista político, nenhum outro país tem um sistema eleitoral tão escancaradamente blindado. Em 2014, sob um regime de representação proporcional, o UKIP tornou-se o maior partido inglês no Parlamento Europeu. Mas um ano depois, com 13% dos votos, ele obteve um único assento em Londres, enquanto o Partido Nacional Escocês, com menos de 5%, conquistou 55 cadeiras. Sob os regimes intercambiáveis de Trabalhistas e Conservadores, produzidos por este sistema, os eleitores da base da pirâmide de renda abandonaram as eleições. Mas ao adquiriem subitamente, por uma vez, uma chance real de decidiu um referendo nacional, eles voltaram para tomar a decisão que desolou Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron.
Por fim, e de modo decisivo, há a diferença histórica que separa a Grã-Bretanha do continente. Além de ter sido, por séculos, um império que apequenou culturalmente todos os rivais europeus, o país não sofreu qualquer derrota, invasão ou ocupação nas duas guerras mundiais – ao contrário da França, Alemanha, Itália e a maior parte do continente. Por isso, a expropriação dos poderes locais por uma burocracia na Bélgica causou mais atrito que em outros lugares. Por que um Estado que derrotou duas vezes o poder de Berlim deveria se curvar à intromissão insolente de Bruxelas ou de Luxemburgo. Temas relacionados a identidade podem desencadear reações mais diretas que no resto da UE. Por isso, a fórmula normal – o medo de vingança econômica supera o medo da imigração desconhecida – não funcionou, curvado por uma combinação de desespero econômico e auto-estima nacional.
O salto no escuro dos EUA
Estas foram também as condições em que, nos EUA, um candidato presidentcial republicano de história e temperamento sem precedentes – detestável para a opinião tradicional dos dois partidos, sem nenhum esforço para conformar-se aos códigos aceitos de conduta civil ou política e mal visto por muitos de seus eleitores – pode atrair um número suficiente de trabalhadores industriais desprezados e ganhar a eleição. Como na Grã-Bretanha, o desespero superou a apreensão, nas regiões proletárias desindustrializadas. Também lá, de forma muito mais crua e aberta, num país com uma hisória mais profunda de racismo, os imigrantes foram denunciados e exigiram-se barreiras físicas e burocráticas. Acima de tudo, o império não era uma memória distante do passado, mas um atributo vívido do presente e uma exigência natural do futuro. No entanto, tinha sido posto de lado pelos poderosos em nome de uma globalização que significou ruína das pessoas comuns e humilhação de seu país. O slogan de Trump foiFazer os EUA grandes de novo – prósperos e dispostos a descartar os fetiches do livre movimento de bens e trabalho, vitoriosos em ignorar as barreiras e piedades do multilateralismo. Ele não errou ao proclamar que seu triunfo foi um Brexit em grande escala. Foi uma revolta muito mais espetacular, porque não se restringiu a um único item – simbólico, para a maioria – e não contava com nenhum respeito doestablishment ou bênção editorial.
A vitória de Trump deixou a classe política europeia – o centro-direita e o centro-esquerda unidos – em desencanto ultrajado. Romper as convenções estabelecidas sobre migração é ruim demais. A UE pode ter tipo poucos escrúpulos para encurralar os refugiados na Turquia de Recep Tayyip Erdogan, com suas dezenas de milhares de presos políticos, tortura policial e suspensão do império da lei; ou para fazer vistas grossas às barricadas de arame farpado na fronteira norte da Grécia, para mantê-los bloqueados nas ilhas do Mar Egeu. Mas a UE, em respeito à decência diplomática, nunca glorificou abertamente suas exclusões. A desinibição de Trump nesta matéria não afeta diretamente a União. O que afeta, e causa preocupações muito mais sérias, é sua rejeição à ideologia do livre movimento dos fatores de produção e, ainda mais, seu desdém sem cerimônia pela OTAN e seus comentários sobre uma atitude menos beligerante diante da Rússia. Se alguma destas atitudes é mais de um gesto a ser em breve esquecido, como muitas de suas promessas domésticas, ainda falta saber. Mas sua eleição cristlizou uma diferença significativa entre diversos movimentos anti-sistêmicos da direita ou de um centro ambíguo e partidos da esuerda estabelecida – rosados ou verdes. Na França e Itália, movimentos de direita opuseram-se de modo consistente a políticas de nova guerra fria e a aventuras militares aplaudidas por partidos da esquerda – incluindo a blitz sobre a Líbia e as sanções contra a Rússia.
O referendo britânico e a eleição norte-americana foram convulsões anti-sistêmicas da direita, porém acompanhadas por levantes anti-sistêmicos de esquerda (o movimento de Bernie Sanders nos EUA e o fenômeno Corbyn, no Reino Unido) menores em escala, embora mais surpreendentes. Ainda não se sabe quais serão as consequências dos dois fenômenos, embora certamente mais limitadas que as previsões atuais. A ordem estabelecida não foi nem de longe derrotada nos dois países e, como demonstrou a Grécia, ela é capaz de absorver e neutraliazar revoltas de qualquer sentido, com rapidez impressionante. Entre os anticorpos que ela já gerou, estão simulacros yuppies das rupturas populistas (Albert Rivera na Espanha, Emmanuel Macron na França), que investem contra os impasses e corrupções do presente e prometem uma política mais limpa e dinâmica no futuro, além dos partidos decadentes.
Para os movimentos anti-sistêmicos de esquerda, a lição dos anos recentes é clara. Se não desejam ser superados pelos movimentos de direita, não podem ser menos radicais em atacar o sistema – e precisam ser mais coerentes em sua oposição a ele. Isso significa, na Europa, admitir a possibilidade de que a UE pode ter se tornado tão atrelada à construção neoliberal que reformá-la já não é seriamente concebível. Ela precisaria ser desfeita, antes que algo melhor possa ser construído – ou por meio de rupturas em face da UE real, ou reconstruindo a Europa em outras bases, jogando Maastricht às chamas. Estas possibilidades provavelmente só serão reais em caso de uma crise econômica nova, e mais profunda.
—
—
1Por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e outros
2 Robert Brenner, The Economics of Global Turbulence: the Advanced Capitalist Economies from Long Boom to Long Downturn 1945-2005, Verso, Nova York, 2006.
3 Raffaele Laudani, ‘Renzi’s fall and Di Battista’s rise’, Le Monde diplomatique, edição em inglês, Janeiro de 2017
Estado Islâmico (Daech): cria do Ocidente
24/3/2017, Pepe Escobar, SputnikNews
James Shea, Vice-secretário Assistente da OTAN para Ameaças Emergentes – mas... que título adorável! – fez recentemente uma palestra num clube privado em Londres sobre o Estado Islâmico (Daech). Shea, como muitos recordarão, fez fama como porta-voz da OTAN durante da guerra da OTAN contra a Iugoslávia em 1999.
Depois da palestra, Shea meteu-se numa discussão com fonte que prezo muitíssimo. E a fonte, adiante, bateu cá para mim a verdade nua e crua.
Segundo a inteligência saudita, o Daech foi inventado pelo governo dos EUA – em Camp Bucca, perto da fronteira com o Kuwait – como muitos recordarão –, essencialmente para pôr fim ao governo de maioria xiita de Nouri al-Maliki em Bagdá.
Claro que não aconteceu desse modo. Então, dez anos depois, no verão de 2014, Daech atacou o Exército Iraquiano, que estava a caminho para conquistar Mosul. O Exército Iraquiano fugiu. Agentes do Daech anexaram o armamento ultramoderno que instrutores norte-americanos haviam consumido de seis a 12 meses para ensinar os iraquianos a usar e... surpresa! Em 24 horas o Daech já incorporara aquelas armas ao próprio arsenal.
No final, Shea admitiu com franqueza à minha fonte que o general David Petraeus, comandante da sempre louvada 'avançada' (surge) de 2007, deu treinamento a esses sunitas hoje parte do Daech na província Anbar no Iraque.
A inteligência saudita ainda mantém que esses sunitas iraquianos não teriam sido treinados pelos EUA – como Shea confirmou –, porque os xiitas no poder em Bagdá não permitem. Não é verdade. Fato é que o núcleo mais duro do Daech core – a maior parte do qual é constituído de ex-comandantes e soldados do exército de Saddam Hussein – é realmente uma milícia treinada pelos EUA.
Claro que, para não fugir ao script, ao final da discussão Shea pôs-se a culpar a Rússia por absolutamente tudo que acontece hoje – incluído do terror do Daech.
Mr. Sykes e Monsieur Picot, os senhores estão mortos
Voltemos agora à proclamação do Califato do Daech, dia 29/6/2014. Foi coreografada como uma abolição simbólica da fronteira Sykes-Picot que dividiu o Oriente Médio há um século. Ao mesmo tempo, abandonando a opção de um avanço militar para tomar Bagdá, o Daech optou por regionalizar e internacionalizar a luta, criando seu próprio estado transnacional e denunciando como "impostores" os estados regionais. Tudo isso combinado ao 'aprofundamento' de todas e quaisquer estratégias de caos capazes de horrorizar a opinião pública ocidental.
Para largas fatias do público árabe sunita, foi evento poderosíssimo. Daech se autoproclamava, de modo distorcido, o único e real herdeiro das diferentes "Primaveras Árabes"; o único movimento regional totalmente autônomo, dependendo exclusivamente de sua própria base local, formada de numerosas tribos beduínas.
Como chegamos a isso?
Voltemos mais uma vez – agora ao Iraque nos anos 1990s, durante a era Clinton. A lógica estratégica naquele momento evidenciava uma instrumentalização de resoluções da ONU – com Washington controlando de facto o petróleo iraquiano, manipulando p preço como meio de pressionar concorrentes comerciais muito mais dependentes do petróleo do Iraque, como China, Japão e seletas nações europeias.
9/11 virou esse estado de coisas, de pernas para o ar – levando à estupidez ideológica dos neoconservadores de 2003, e subsequente gestão amadorística de uma ocupação, mergulhados na total ignorância da história e da dinâmica ultracomplexa entre o estado e a sociedade no Iraque. Saddam Hussein foi o último avatar de facto de um arranjo político inventado pela Grã-Bretanha imperial em 1920. Com a invasão e ocupação, o estado do Iraque colapsou. E o regime Cheney não tinha nem ideia de o que fazer com ele.
Não havia alternativa sunita. Assim sendo, o Plano B, sob forte pressão de xiitas e curdos, era dar voz à maioria. Problema aí é que os partidos políticos acabaram por ser partidos religiosos e étnicos. A partição do poder ao estilo libanês – xiitas, sunitas e curdos – revelou-se pesadelo disfuncional, no Iraque.
Entre 2005 e 2008, essa tentativa dos norte-americanos para reconstruir o estado iraquiano gerou uma terrível guerra civil entre grupos de religiosos sunitas de um lado; xiitas de outro. Os sunitas foram derrotados. O que explica muito do subsequente sucesso do Daech na criação de uma "Sunitlândia" [ing. “Sunniland”].
O caso de amor entre EUA-ocupantes e Primavera Árabe
Consideremos agora a versão síria de Primavera Árabe em fevereiro-março de 2011. Os protestos iniciais contra o governo de Assad foram pacíficos – sem divisões religiosas ou sectárias. Mas rapidamente o rancor anti-alawitas começou a radicalizar parte significativa da maioria sunita.
Como nos lembra o historiador Pierre-Jean Luizard, especialista em Iraque, Síria e Líbano no CNRS francês, a Síria foi a terra preferida do hanbalismo – ramo muito conservador do Islã Sunita que influenciou muito a emergência do wahhabismo na Península Arábica. Implica antixiismo furioso. Daí o surgimento dentro da oposição síria armada de vários grupos jihadistas salafistas, sobretudo da [Frente] al-Nusra – também chamada al-Qaeda na Síria.
Enquanto isso, Assad afinou uma mensagem para o ocidente e para a própria burguesia sunita local oscilante entre adesão e dissidência; ou eu ou o caos. De um modo ou de outro, sobreveio o caos; violência estrutural horrenda, falência generalizada das instituições, fragmentação territorial.
É justo portanto argumentar que ambas – a ocupação norte-americana e a Primavera Árabe Síria – acabaram por levar ao mesmo resultado. Com algumas diferenças: no Iraque, o Daech tem o apoio (silencioso) da maioria dos árabes sunitas. Na Síria, os sunitas estão divididos: o Daech pode mandar no deserto – cultura beduína; – mas foi a Frente al-Nusra que concentrou para ela significativo apoio sunita em grandes centros urbanos como Aleppo. No Iraque, as fronteiras entre as três grandes comunidades – sunitas, xiitas e curdos – são mais ou menos congeladas. Na Síria é serra de vai e vem, sem fim à vista.
O que acontecerá na sequência é total mistério. A independência de facto do Curdistão Iraquiano pode vir a se firmar. O governo de Bagdá pode cada vez mais passar a representar só os xiitas. Ainda assim é difícil pensar que o Daech venha a consolidar seu controle sobre o Iraque sunita – não com a Batalha de Mosul hoje em andamento.
Na selva de espelhos reinam os tiros de vingança e revide
É fácil desqualificar completamente o Daech como o ápice insuperável de idiossincrasias culturaisbárbaras. Mas apesar de chafurdar na mais lúgubre e sinistra desolação, o Daech conseguiu projetar uma dimensão universalista de si mesmo, que extrapolou sua base árabe sunita no Oriente Médio. É como um choque de civilização, que acontece numa selva de espelhos.
O Daech amplifica o choque, não entre oriente ou ocidente, ou entre mundo árabe e hegemonia atlanticista, mas, principalmente, entre uma determinada concepção distorcida de Islã e infiéis os mais variados. Todos 'cabem' no Daech – até católicos europeus, desde que venham para perseguir infiéis árabes e maus muçulmanos.
Não surpreende que o Califato – utopia que se concretiza em campo – encontre eco entre jovens lobos solitários ocidentais. Porque o Daech faz ecoar a história colonialista franco-britânica, depois norte-americana colonialista, de muçulmanos desgraçados por um ocidente infiel dominador; na sequência, o Daech consegue canalizar a favor dele um sentimento difuso de injustiça que prospera entre os jovens.
Todos – EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia, Irã – estão agora em guerra contra o Daech (a Turquia empenhada só pela metade, como a Casa de Saud e a gangue do petrodólar do Conselho de Cooperação do Golfo: para eles, essa guerra não é prioridade).
Mas é guerra sem qualquer perspectiva política séria de longo prazo. Ninguém está discutindo o lugar dos árabes sunitas num Iraque dominado pela maioria xiita. Como recompor a unidade do estado sírio? Ou todos esperam que os doadores-mantenedores privados do Daech, do Kuwait, Qatar, Arábia Saudita e Emirados simplesmente desapareçam no ar?
O cerco de Raqqa e a reconquista de Mosul significarão absolutamente zero, se não se cuidar das causas iniciais do sucesso do Daech. O processo que levou ao Daech começa com a mission civilisatrice ["missão de civilizar"; fr. no orig.; é expressão de François Georges-Picot, a metade francesa do Acordo Sykes-Picot de 16/5/1916 (NTs)] que caberia ao Ocidente, e serviu como cobertura para a mais ilimitada dominação; e prossegue como a destruição do Iraque, metódica, inexorável, em câmera lenta, que os norte-americanos continuam a promover. A vingança e o revide continuarão a reinar naquela selva de espelhos: um ataque próximo do Parlamento Britânico, por um lobo solitário armado de faca, lobo solitário e "soldado que respondeu" ao "chamamento" para matar quatro pessoas, repetido infindavelmente de espelho em espelho, também nos jatos bombardeiros dos EUA que atacam uma escola perto de Raqqa e matam 33 civis.
Petraeus pode até os ter treinado nos desertos de al-Anbar. Mas, sobretudo, essas bestas brutais arrastadas para Camp Bucca[1] para engordar e reproduzir-se, carregam nelas mesmas a marca mortífera do pensamento ocidental.*****
[1] Camp Bucca foi campo de detenção de prisioneiros mantido por militares dos EUA perto de Umm Qasr, Iraque. Em abril de 2003, o local, usado pelas forças britânicas como prisão de iraquianos, foi tomado pela 800ª Brigada da Polícia Militar dos EUA e recebeu o nome Ronald Bucca, bombeiro de NY, que morreu nos ataques de 9/11 [NTs, com informações (a parte que se aproveita, daquela propaganda toda) de Wikipedia ].
Assinar:
Postagens (Atom)