sábado, janeiro 28, 2017

Assim caminham os negociadores, o business

23/12/2016, Alaistair Crooke,* Comment, Conflicts Forum (publicado 19/1/2017)

No que parece ser há eras (em 2000), quando Mr Trump pela primeira vez brincou com a ideia de concorrer à presidência, o então candidato putativo foi coautor de um panfleto de campanha há muito esquecido, que Uri Friedman acaba de desenterrar. Nele, Trump escreveu:

"Durante a Guerra Fria, a política exterior era um grande jogo de xadrez" entre a União Soviética e os EUA e seus aliados, e todos os demais países eram "espectadores". Mas a queda da União Soviética mudou o jogo, dizia ele:

"Agora lidamos com todas as demais nações do mundo, caso a caso. E muitos daqueles espectadores não têm ares lá muito inocentes." Do modo como Trump via as coisas "acabaram-se os tempos de jogar xadrez (...) A política externa dos EUA tem de ser entregue a um negociador [orig. dealmaker]." Houve precedentes, dizia ele [falou de Roosevelt e Nixon]."

"Só um verdadeiro negociador", Trump escreveu, "é capaz de manter várias bolas no ar, sopesar os interesses concorrentes de outras nações e, sobretudo, pôr constantemente em primeiro lugar os interesses dos EUA [orig. constantly put America’s best interests first]. O verdadeiro negociador sabe quando endurecer e quando ceder. Sabe blefar e sabe quanto ameaçar, compreendendo que só se ameaça quando se está preparado para fazer o que se ameaça fazer. O verdadeiro negociador é esperto, cobre-se de sigilo, é focado e nunca fecha o negócio por menos do que quer. Faz muito tempo que os EUA tiveram presidente desse tipo."

Há uma veia de consistência que vem de 2000 até 2016 em termos da 'visão de época' de Trump [orig.Trump’s zeitgeist] – e os seus temas nos são familiares, da recente campanha eleitoral. Trump é claríssimo nesse panfleto, quanto a suas intenções terem sido (e continuarem a ser) realmente radicais: o país está à procura de um outsider, vindo de fora da política, e até alerta os norte-americanos sobre o que esperar:

"Sou definitivamente homem diferente. Não sou moldável. Não sigo scripts. E não sou 'manipulado'. Digo a vocês o que penso. É coisa diferente do pessoal de sempre, à procura de lugar nos gabinetes em Washington [orig. the usual office-seeking ‘pols’]. Talvez os eleitores gostem da novidade. Uma coisa garanto a vocês: eles vão achar interessante."

Assim sendo, cá estamos, nesses 'tempos interessantes'. Até aqui, ninguém absolutamente sabe o de dizer da equipe de Trump em termos da política, ou em termos de um possível equilíbrio entre negociação temerária e negociação verdadeiramente 'esperta, protegida por sigilos, focada'. Trump nos disse que a primeira qualidade que procura na própria equipe é lealdade, mas também se orgulha de ter reunido elementos disparatados, contrários uns aos outros, os quais, depois de a química estar criada, ele deixa que se raspem uns contra os outros: "E quando sinto que tenho a equipe certa, deixo que me mostrem o que podem fazer".

A vinda da falange de 'negociadores' podem, sim, ser uma brisa refrescante: uma quebra em relação a décadas anteriores – quando uma férrea ideologia neoliberal foi imposta – praticamente sem olhar a quem. O Oriente Médio hoje destroçado, caótico, é exemplar do que efetivamente foi feito, sem qualquer proveito para ninguém, daquela era tão altamente ideologizada. Tempos de dano gigante. Trump pelo menos já quebrou aquele feitiço maléfico.

Mais uma vez, como na recente campanha, dois temas daquele antigo panfleto de Trump aí estão e resistiram bravamente ao tempo – imponentemente intitulados "Os tempos de tempestade pesada que se aproximam" [ing. The Coming Heavy Weather]: o primeiro – o desastre econômico – é o 'crash' que viria ("pior que o de 1929"), e a necessidade de gerenciar a deslocalização que adviria do crash; o segundo é a ameaça do terrorismo –, e reflete a frustração de Trump pela prevalente ambiguidade em todo o ocidente quando a ameaça o islamismo radical viria a ser. Não pode haver dúvida de que esses dois temas têm papel crucialmente importante hoje em sua presidência.

Sem deixar de constatar todos os consistentes alertas (novamente repetidos esse ano) de que o presidente dos EUA que sucedesse Obama, fosse quem fosse, enfrentaria a possibilidade real, inexorável, de crise econômica sistêmica ("a bolha feia, grande"), o humor nos mercados de ações ante o que agora se chama ‘Trumponomics’ – depois de alguns momentos iniciais de hesitação, tem sido, paradoxalmente, da mais pura euforia.

Ray Dalio, que dirige o maior Hedge Fund do mundo, Bridgewater, resume o humor do mercado, e festeja avidamente a possibilidade de dramática mudança econômica: uma mudança ainda mais dramática, até, que a que aconteceu "dos socialistas para os capitalistas" no Reino Unido, EUA e Alemanha, de 1979 a 1982. Dalio prevê que:

"estamos perto de passar por uma profunda mudança ideológica liderada pela presidência dos EUA, que terá grande impacto nos EUA e em todo o mundo."

"A mudança do governo anterior para esse governo será provavelmente ainda mais significativa que a que se viu de 1979-82, dos socialistas para os capitalistas no Reino Unido, EUA e Alemanha, quando Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Helmut Kohl chegaram ao poder. Para compreender essa mudança ideológica é preciso ler Os Anos de Downing Street de Thatcher. Ou você pode também pensar na mudança política/econômica da China, quando mudou, da proteção que garantia à "tigela de ferro com arroz" [orig. "protecting the iron rice bowl", para a noção de que "enriquecer é glorioso".

[A] "mudança que o governo Trump fará pode ter impacto ainda maior sobre a economia dos EUA do que se pode avaliar a partir exclusivamente de mudanças nas políticas de impostos e de gastos, porque pode despertar instintos animais nos empresários e atrair capital produtivo. Quanto a despertar instintos animais, se o governo Trump conseguir disparar um ciclo virtuoso, no qual as pessoas possam fazer dinheiro, o movimento para longe do dinheiro nu (que praticamente lhes rende coisa alguma) e na direção de investimentos com riscos pode ser gigante."

[Quanto à política externa com Trump na presidência], "devemos esperar que o governo Trump seja comparavelmente agressivo. Deve-se observar que mesmo antes de assumir a presidência, Trump está questionando a política de "one-China" [algo como "China Contínua": a questão aqui é o acesso ao Mar do Sul da China (NTs)], que é movimento chocante. Políticas para Irã, México e muitos outros países serão provavelmente também agressivas."

"De modo geral, gente do business, negociadores, estarão dirigindo o governo" – disse Dalio, da maior firma de hedge fund do mundo. – "São gente dura, e a dureza deles com certeza tornará os próximos quatro anos incrivelmente interessantes, com todos nós dançando miudinho."

Dalio não se serve de meias palavras e diz aos quatro ventos o que pensa. Sua euforia com certeza contribui para o 'humor' animado do mercado, partilhada por outros, apesar de os humores do mercado ainda oscilarem muito, sem qualquer âncora que os mantenha conectados aos fundamentos. A animação de Dalio, porém, contrasta com os repetidos alertas de "tempestades pesadas", que o próprio Trump tem distribuído: o mais provável é que o pêndulo balance novamente.

E a noção de 'negociação' de empresários negociadores, na diplomacia global? Ah, sim, pode ter méritos. O establishment de política exterior tende a virar o nariz, mas a busca empenhada de acordos e negócios como princípio de política externa pode produzir soluções novas para problemas intratáveis por outras vias. Mas tem seus percalços: um deles é que moedas de barganha antes impensáveis aparecem sobre a mesa. A questão de o que é negociável e o que não é converte-se em fonte de incerteza persistente. Já se pode ver a China arrepiada contra a política de "China Contínua", e a questão já convertida em moeda no balcão das relações econômicas EUA-China. Irã e Rússia também estão começando a procurar moedas de barganha "antes impensáveis", como escudo contra a premeditada imprevisibilidade de Trump.

Assim também, 'negociadores do business' tendem a ver seus contrapartes como semelhantes a eles próprios – como altos dirigentes executivos movidos primariamente por possibilidades econômicas. Mas é erro: os contrapartes com os quais cruzarão no governo, na maioria, não são CEOs com autonomia para decidir. Emergiram como líderes de específicos ambientes nacionais, políticos, culturais e morais. Refletem essas práticas e costumes nacionais, tanto quanto são produtos delas e deles. Podem pôr e põem esses costumes e práticas acima do interesse material – mesmo com algum custo direto para eles próprios.

Trump – embora seja homem de correr riscos, como já confessou – parece ter perfil mais contido e de autopreservação, que Dalio. E figuras como Steve Bannon, a eminência parda ideológica de Trump, também tende a reações menos sanguíneas. Bannon atribui a Grande Crise Financeira de 2008 precisamente aos excessos dos 'negociadores' do business de Wall Street.

Sim, Bannon é crente fiel do espírito empreendedor dos EUA dos primeiros anos, mas também ele já disse bem claramente que:

"A crise de 2008, acho que a crise financeira – a qual, vale lembrar, ainda não superamos – já foi comandada e continua a ser comandada, me parece, pela ganância, grande parte dela é puxada pela ganância dos bancos de investimento. [Como a minha] antiga firma, onde trabalhei, Goldman Sachs... E, digo francamente, entendo que a crise de 2008 está aí, que os EUA ainda não se recuperaram da crise de 2008. É uma das razões pelas quais no último trimestre viu-se crescimento negativo de 2,9%. A economia dos EUA está em má forma, está em estado lastimável".

"E uma das razões disso é que nunca cuidamos de realmente compreender e atacar os problemas de 2008. Particularmente o fato – pensem nisso – nenhuma acusação foi feita contra qualquer dos bancos associados à crise de 2008. Mas é ainda pior. Não se confiscaram bônus nem nenhuma das ações que pertencem a eles … e acho que essa é uma das causas que serve como combustível para essa revolta demagógica de direita [orig. populist] que estamos vendo com o Tea Party. Por isso acho que há muito que fazer, sobretudo na direção de perturbar o 'equilíbrio' dos bancos, tratar de obrigá-los a mexer no patrimônio líquido que lá está parado. Acho que precisamos fazer uma verdadeira faxina nos balanços dos bancos."

Quer dizer, Bannon parece estar dizendo que 'negociadores' empresários deixados soltos, ladeira abaixo 'na banguela' são uma das pernas do problema dos EUA – não exclusivamente a solução do problema. A ideia de o que foi bom para o business foi bom para os EUA pode até ter tido alguma validade até 1929 (pelo menos, os lucros eram reinvestidos nos EUA); e nos anos 50s, 60s e 70s os produtos norte-americanos ainda eram mais baratos que os que vinham do exterior. Mas a partir dos 1970s, o processo reverteu. A globalização enriqueceu os capitalistas e empobreceu todos os demais norte-americanos.

Não esqueçamos qual foi o insight político fundamental que Trump trouxe: ele reconheceu e compreendeu o longo declínio econômico da maior parte dos norte-americanos nascidos nos EUA; reconhecer a dor e a desilusão desses norte-americanos levaram Trump à presidência. A porcentagem dos salários na formação do PIB dos EUA despencou, de 51% em 1970, para 42% hoje. Como Vladimir Brovkin escreveu

"As décadas depois da 2ª Guerra Mundial assistiram à lenta e implacável erosão da superioridade norte-americana em tecnologia e produtividade, e ao voo ininterrupto do capital, para longe dos EUA. A globalização está minando os EUA. Do ponto de vista da prosperidade global, se é mais barato comprar da China, a produção tem, sim, de se mudar para a China. Do ponto de vista do trabalhador norte-americano, é traição, uma política que destrói os EUA como potência industrial, e como comunidade de cidadãos. Donald Trump é o primeiro a ver esse fato simples, dentre todos os políticos do estrato superior do poder nos EUA."

E esse é grave problema estrutural. A economia pelo lado da oferta, Ray Dalio, de cortes de impostos e gasto fiscal fez absolutamente nada, ao longo dos últimos 45 anos, para pôr fim a esse problema sistêmico da globalização – além de agravar sempre o déficit comercial dos EUA. (E o "Alívio Quantitativo" [ing. Quantitative Easing, QE], simplesmente piorou tudo, porque diluiu o valor real do poder de compra da renda remanescente). De posse da única moeda de reserva global, o Alívio Quantitativo e a reciclagem do que então eram petrodólares como crédito ao consumidor doméstico, garantiu a sobrevivência nos EUA de uma ilusão de prosperidade. Mas tudo isso é passado. Reacender "instintos animais", como quer Dalio não é má ideia, mas não dá contra desses problemas estruturais, que nos deixou com demanda deficiente e deflação de dívida. O que Trump escreve sugere que, sim, ele vê que há um profundo problema sistêmico.

E algum tipo de retorno ao 'instinto animal' (quer dizer, à ganância) que levou à crise de 2008 não é o que Steve Bannon parece, pelo menos, ter em mente.

A globalização no sentido mais amplo é também a crise da Europa. Mas a rigidez estrutural introduzida pelo câmbio fixo do euro, sem qualquer mecanismo de reciclagem entre os euro-estados (diferente da América do déficit, com seu mecanismo de reciclagem do petrodólar sempre a devolver todos os dólares do déficit a Wall Street), representa o mesmo tipo de crise – embora no micronível europeu. A Itália, que não para de perder produtividade, indústrias e empregos para a Alemanha (que se beneficia de uma moeda subvalorizada), está numa relação análoga à que se vê hoje entre EUA e China. A solução particular da Europa a essa rigidez sistêmica tem sido uma austeridade que força mais um custo da desvalorização sobre os países do déficit. Que ideia desastrosa – mas naquele momento o euro bloqueava a ação de virtualmente qualquer outro remédio.

A resposta de Mr Trump ao problema estrutural da globalização é descartar, ou renegociar, o NAFTA e outros acordos comerciais, construir um muro na fronteira com o México e 'negociar' duramente com a China. De fato, já está construindo essa sua 'posição de força', quanto a isso, com aquele telefonema para Taiwan, como sua jogada de abertura.

Funcionará? Bem... Uma das razões pelas quais parece que provavelmente não funcionará é que a própria China – paradoxalmente – está sentindo alguns dos mesmos efeitos adversos da globalização da qual Mr Trump reclamava tão eloquentemente [já em 2000].

Essa história de Shenzen, no Wall Street Journal, ilustra bem o porque de a China, em luta com sua "revolta à Tea Party' potencial local, de trabalhadores braçais e de classe média insatisfeitos, pouco ter a oferecer que acalme os norte-americanos insatisfeitos com a própria globalização dos EUA:

"Antes um vilarejo sonolento, Shenzhen é hoje o epicentro em expansão da indústria chinesa de componentes eletrônicos, principal item de exportação do país. Nas duas fábricas de Foxconn Technology aqui, cerca de 230 mil trabalhadores produzem para Apple e rivais globais, incluindo a gigante chinesas da comunicação Huawei Technologies Co., com sede em Shenzhen.

Mesmo assim, muitos executivos dizem que Mr. Trump não os preocupa. As forças econômicas que transformaram essa área alagada nos fundões da província de Guangdong num oceano de arranha-céus são massivas demais para serem contidas e empurradas para trás, argumentam eles. Mesmo que Mr. Trump imponha tarifas sobre produtos fabricados na China, como ameaçou fazer, hoje a produção e o embarque, dessa região da China, de componentes eletrônicos, são tão eficientes, que ainda que tarifados, os produtos conseguiriam vencer a concorrência dos EUA, dizem eles...

Mais do que a presidência de Mr. Trump, o que preocupa muitos empresários aqui é simplesmente se a competição darwiniana do comércio global conseguirá sobreviver. Por mais que Shenzhen seja principalmente vencedora na globalização, ela é afetada pelas mesmas forças concorrenciais que Mr. Trump está tentando reverter nos EUA, as mesmas que o presidente eleito [então] culpou de terem sugado a indústria e os empregos norte-americanos (itálicos acrescentados).

Com os salários subindo desde 2010, muitas das fábricas de roupas e brinquedos de Shenzhen, antes prósperas e em expansão mudaram-se para regiões de mão de obra mais barata dentro da China ou em países como o Vietnã. Agora, alguns fabricantes de componentes eletrônicos também já começaram a mudar-se. Outros estão cortando custos, usando robôs, em vez de pessoas...

Mr. Trump está pressionando e servindo-se de coerção para conseguir que as empresas voltem a fabricar nos EUA (...) Mas ainda se vê com clareza que operações ou quantos empregos esse movimento geraria. A outra tendência em curso na Foxconn é aumentar a automação, adotando robôs (...). "E se esses empregos voltarem para os EUA, serão empregos para pessoal qualificado para gerenciar 1.000 robôs em fábricas automatizadas" – disse Christopher Balding, professor de Finanças na Universidade Pequim em Shenzhen. "Serão empregos para nerds de computação, não para gente que votou em Trump."

A taxa de crescimento da produção fabril em Shenzhen já caiu, e setores de software e pesquisa começam a crescer. Algumas pequenas fábricas estão-se convertendo ao design & branding. Em dois anos, Qiwo Smartlink Technology Ltd. passou, de fabricante de câmeras e parafernália eletrônica barata para outros, a agência de design e projetos com $100 milhões de vendas anuais. "Toda a cadeia de suprimento e empresas relacionadas estão aqui. Não acho que seja possível levar tudo isso para os EUA" – disse James Guo, diretor de exportações de Qiwo.

Tarifas mais altas nos EUA podem, se tanto, acelerar tendências econômicas já em andamento – dizem os empresários de Shenzhen. As fábricas de Shenzhen podem ir, sim, para províncias de salários mais baixos, não para os EUA. Entrementes a cidade criará empregos em design, projetos e engenharia e marketing. Esse processo já está em andamento. Recentemente, numa noite de 5ª-feira na oficina Hax de inventores em Shenzhen, Junyi Song, 26 anos, trabalhava num braço robô que ele espera vender por não mais de $7,000 aproximadamente. Por esse preço, até pequenas fábricas poderão substituir mão de obra humana por autômatos.

"É o futuro", disse Mr. Song

A mensagem da icônica Shenzhen é clara: diz-nos que até lá, no âmago da economia tecnológica, estão desaparecendo os empregos na produção – despachados para outras partes globalizadas mais baratas. E que Mr Trump tem não só um problema econômico sistêmico para resolver: tem também um problema cultural: Shenzhen conta – quase literalmente – com um exército de engenheiros com formação e treinamento eficazes em universidades top e dedicados ao aprimoramento econômico da China. Europa e EUA não têm nada que se assemelhe. Trump tem uma revolução a fazer, drenar o desencanto e a amargura ocidentais, a sensação de desamparo e abandono, e o desânimo, a falta de energia vital que ocupa hoje o espaço vácuo deixado pela globalização fracassada.

É possível que Dalio sinta ressurgirem seus próprios instintos animais, mas não se vê nem sinal disso entre as massas norte-americanas e europeias. Estão muito, muito distantes disso.

Isso posto, sim, Mr Trump parece estar andando na direção certa. Esqueçam David Ricardo e suas teorias de vantagem comparativa: a própria globalização está se autodesfazendo. A inevitável correção global a essa corrente exaurida parece ser turbulenta (talvez até violenta), e muito provavelmente virá acompanhada da crise que precede a correção. Trump pelo menos parece adequadamente sério para a tarefa que tem pela frente – ainda que nem Dalio nem os mercados deem sinal de qualquer mínima sobriedade. Não significa que essa 'diplomacia de comerciante negociador' de Trump funcione com a China. Pode não funcionar.*****



* Diretor e fundador do Conflicts Forum com base em Beirute. Alastair trabalhou por 20 anos com movimentos islamistas e tem longa experiência com Hamas, Hezbollah e outros movimentos islamistas no Afeganistão, Paquistão e Oriente Médio. É membro da Aliança de Especialistas em Civilização Global da ONU. É autor de Resistance: The Essence of the Islamist Revolution (2009). É colaborador frequente da imprensa internacional.