QUI, 22/10/2015 - 10:20
Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O axioma da
brasilidade se aplica fora da condicionante do macho branco no comando?
No Brasil, manda quem pode. Lula podia?, por Sérgio
Saraiva
O jornalista Luís Nassif, em seu artigo ”Porque
não houve uma Lava Jato para FHC”, constata ou lamenta:
“... não se tenha dúvida que, em um ponto, ele [FHC] foi
nitidamente superior a Lula: na capacidade de entender o jogo dos demais
poderes de Estado - Polícia Federal, Ministério Público, Justiça - e saber
conservá-los sob rédea curta”.
Igual modo, o professor André Araújo, várias vezes, já
colocou que o poder do presidente da República de indicar os ministros do
Supremo Tribunal Federal, do Procurador Geral da República e do Diretor Geral
da Polícia Federal deve ser exercido de sorte a, no mínimo, não “criar corvos”
e preferencialmente de ter, nesses cargos, aliados políticos. Isso como prática
da real politique necessária à governabilidade. Cita, como exemplo, o
presidente dos EEUU que não se constrange em usar seu poder discricionário
quando isso for conveniente para a manutenção do seu governo. Tal faria parte
do jogo de poder das democracias consolidadas.
Ambos, Nassif e Araújo consideram o “republicanismo” de Lula
como um erro. Concordo com eles. Há, no entanto, no meu ver, outra questão a
ser posta: quanto Lula podia mandar? E podendo, quanto saberia mandar?
Já perguntava Tom Zé: com quantos quilos de medo se faz uma
tradição? O mando se aprende e se legitima como obra de gerações. O quartinho
da empregada, o elevador de serviço, o banheiro e o refeitório da diretoria
sempre foram instrumentos didáticos para a conformação dos nossos estamentos
sociais.
Uma vez, em 2003, em Angola, perguntei a um colega se ele,
um homem negro e africano, considerava Lula, o presidente brasileiro
recém-empossado, como um homem branco. Lula era festejado, na África. Após
alguns momentos de natural hesitação, ele respondeu: não.
Quando o poder nas Américas não foi branco, católico e
europeu ou protestante e anglo-saxão? E quando essa não foi a caracterização
das classes dominantes?
Pois bem, FHC pertence à classe social que manda no Brasil
desde Tomé de Souza. Tem o mando e o reconhecimento do "direito" ao
mando inscrito no nosso DNA social.
Lembremos que nossa alta burocracia é filha dessa mesma
classe social. E é ciosa das suas prerrogativas de poder simbólico. FHC é
reconhecido por ela como um dos seus. Um dos bons entre os bons. Prescindia do
poder democrático, pode exercer o poder aristocrático desde a academia.
Lula, em relação a FHC, é o bom selvagem. Seria útil como um
símbolo da nossa "cordialidade" e como símbolo deveria servir à
burguesia esclarecida. Ousou governar e obteve sucesso. Mas não saberia ainda
mandar, nem teve seu direito ao mando reconhecido como válido. Lula levou o
brasileiro cordial a uma crise de identidade.
De que círculos recrutaria os escudeiros dos quais
britanicamente trata o professor André Araújo?
Lula foi engolido, com o perdão do duplo sentido. E está
entalado na garganta da burguesia para ser cuspido.
O poder de Lula é o democrático, mas, no Brasil, ainda vale
o mando por direito divino e hereditário. Ainda não somos um país democrático,
na essência do termo - do povo, para o povo e pelo povo. De certo modo, Dom
Pedro II jamais deixou o Palácio Imperial do nosso imaginário e estamos
permanentemente à espera de sua volta travestido do salvador da pátria - somos
monarquistas e sebastianista. Não somos um país republicano.
Sua majestade, Dom Fernando Henrique – o príncipe dos
sociólogos. Soa adequado aos nossos ouvidos. Vá, agora, formar a mesma frase
com Lula.
Ocorre que na democracia, inclusive em nossa jovem
democracia, um homem vale um voto e essa é, por enquanto, a melhor condição de
igualdade que conseguimos construir. Do instante em que nascemos ao que
morremos e por toda a vida, imperam as diferenças sociais, exceto no momento do
voto secreto e universal. Diante da urna, todos estamos nus. E o povo escolheu
Lula, se identificou com Lula, elegeu Lula e o reelegeu mais três vezes.
Independente do poder da burguesia, mas sem sua aquiescência ou colaboração.
A Folha de São Paulo caracterizou essa burguesia quando
caracterizou os que pediam o impeachment de uma presidente democraticamente
eleita: homem (61%), tem 51 anos ou mais (40%), cursou o ensino
superior (76%), se declara branca (75%) e tem renda familiar mensal entre R$
7.881 e R$ 15.760 (25,17%).
Eram esses os que Lula deveria manter sob rédea curta. Mas
esses são os que mandam e sempre mandaram no Brasil. E Lula não é um deles.
Lula é um sem juízo.
PS1: parte da esquerda, e uma parte não pequena,
necessariamente, tampouco escapou da ideia de Lula como o bom selvagem útil,
mas a ser tutelado. Os rancores de Helios Bicudos e Ferreiras Gullares teriam
que motivação? Veem Lula com um líder a ser seguido?
PS2.: para entregas em domicílio, consulte a Oficina de Concertos Geais e
Poesia.