Enviado por Miguel do Rosário on 28/02/2014 – 8:14 am
Reproduzo abaixo um petardo cortante de Breno Altman, publicado há pouco no 247, sobre a derrota sofrida por Joaquim Barbosa.
Eu acrescentaria alguns comentários à guisa de introdução. Esteve em jogo, na votação de ontem, que absolveu os réus do mensalão do crime de quadrilha, mais do que somente uma questão jurídica ou legal.
Houve um embate maior ao fundo, de princípios. Um juiz deve julgar com ódio, como faz Joaquim Barbosa, ou deve se esforçar por fazer um julgamento acima das paixões políticas, como tenta fazer Barroso?
É claro que a postura correta é a de Barroso. Nós, simples mortais, podemos odiar o quanto quisermos os ladrões, os bandidos, os políticos corruptos. Blogs e bares existem para isso mesmo, são nossa tribuna política, onde podemos odiar e amar quem nós quisermos. Um juiz, não. Um juiz não pode julgar ninguém com ódio: nem Maluf, nem Lula, nem Serra, nem Dirceu. Um juiz não tem de ler jornais. Aliás, deveria evitar ler jornais e seus editoriais. E se os lesse, tinha de ter a obrigação ética de ler igualmente os blogs, para não ir a plenário com a mente tendendo para um lado. A leitura mais importante são os autos.
Esse foi o problema maior da Ação Penal 470. Barbosa não discutiu os autos. Ao contrário, falseou-os descaradamente. Escondeu documentos de seus colegas e dos réus. Atuou o tempo inteiro em favor da acusação, e desde antes de se tornar relator da Ação Penal. Contrariando um princípio elementar do direito ocidental, segundo o qual quem investiga jamais pode ser o mesmo que acusa, e menos ainda aquele que julga, Barbosa atuou na investigação, como responsável pelo andamento do inquérito que mais tarde se tornaria a Ação Penal 470. Depois ajudou o procurador-geral, usando todas suas prerrogativas para se pôr ostensivamente ao lado da acusação. Foi relator do processo, fatiando-o em cima da hora, surpreendendo a defesa, o revisor e a opinião pública, que a mídia tentou usar como uma espécie de júri oculto. Depois julgou-o com ódio, como se o direito dos réus não vale nada e houvesse necessidade de um justiçamento político diante das câmeras de TV.
Mais tarde, como presidente do STF, abusou e abusa da função para impor posições e perseguir os réus.
Ao artigo de Altman.
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“CAI O CASTELO DE CARTAS DO MINISTRO BARBOSA”
Em artigo exclusivo para o 247, o jornalista Breno Altman narra a derrota jurídica de Joaquim Barbosa, aponta seus inacreditáveis insultos que atingem até a presidente Dilma Rousseff – um deles configurando crime de Estado – e prevê o fracasso de sua aventura política; “O ministro Barbosa afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto”, diz ele; sobre seu destino, um vaticínio: “Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça”; leia a íntegra
28 DE FEVEREIRO DE 2014 ÀS 05:45
Por Breno Altman, especial para o 247
As palavras finais do presidente da corte suprema, depois da decisão que absolveu os réus da AP 470 do crime de quadrilha, soaram como a lástima venenosa de um homem derrotado, inerte diante do fracasso que começa a lhe bater à porta. A arrogância do ministro Barbosa, abatida provisoriamente pelo colegiado do STF, aninhou-se em ataque incomum à democracia e ao governo.
“Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo”, discursou o relator da AP 470. “Esta maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012.”
Sua narrativa traz uma verdade, um insulto e uma fantasia.
Tem razão quando vê risco de desmoronamento do processo construído sob sua batuta. A absolvição pelo crime de quadrilha enfraquece fortemente a acusação. Se não há bando organizado, perde muito de sua credibilidade o roteiro forjado pela Procuradoria Geral da República e avalizado por Barbosa. A peça acusatória, afinal, apresentava cada passo como parte minuciosa de um plano concebido e executado de forma coletiva, além de permanente, com o intuito de preservação do poder político. Se cai a tese de quadrilha, mais cedo ou mais tarde, as demais etapas terão que ser revistas. Essa é a porção verdadeira de sua intervenção matreira.
A raiva de Barbosa justifica-se porque, no coração desta verdade, está a neutralização da principal carta de seu baralho. O ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas materiais ou testemunhais, como bem salientou o jurista Ives Gandra Martins, homem de posições conservadoras e antipetistas. A base de sua criminalização foi uma teoria denominada “domínio do fato”: mesmo sem provas, Dirceu era culpado por presunção, oriunda de sua função de líder da eventual quadrilha. Absolvido do crime fundante, a existência de bando, como pode o histórico dirigente petista estar condenado pelo delito derivado? Se não há quadrilha, inexiste liderança de tal organização. A própria tese condenatória se dissolve no ar. O que sobra é um inocente cumprindo pena de maneira injusta e arbitrária.
Derrotado, Barbosa recorreu a um insulto: acusa o governo da República de ter ardilosamente montado uma “maioria de circunstância”, como se a fonte de sua indicação fosse distinta dos demais. Aponta o dedo ao Planalto sem provas e sem respeito pela Constituição. Atropela a independência dos poderes porque seu ponto de vista se tornou minoritário. Ao contrário da presidente Dilma Rousseff, que manteve regulamentar distância das decisões tomadas pelo STF, mesmo quando eram desfavoráveis a seus companheiros, incorre em crime de Estado ao denunciar, através de uma falácia, suposta conspiração da chefe do Executivo.
A conclusão chorosa de seu discurso é uma fantasia. Não se pode chamar de “trabalho primoroso” uma fieira de trapaças. O presidente do STF mandou para um inquérito secreto, inscrito sob o número 2474, as provas e laudos que atestavam a legalidade das operações entre Banco do Brasil, Visanet e as agências de publicidade do sr. Marcos Valério. Omitiu ou desconsiderou centenas de testemunhas favoráveis à defesa. Desrespeitou seus colegas e tratou de jogar a mídia contra opiniões que lhe contradiziam. Após obter sentenças que atendiam aos objetivos que traçara, lançou-se a executá-las de forma ilegal e imoral.
O ministro Joaquim Barbosa imaginou-se, e nisso há mesmo um primor, como condutor ideal para uma das maiores fraudes jurídicas desde a ditadura. Adulado pela imprensa conservadora e parte das elites, sentiu-se à vontade no papel do pobre menino que é glorificado pela casa grande por suas façanhas e truques para criminalizar o partido da senzala.
O presidente do STF lembra o protagonista da série House of Cards, que anda conquistando corações e mentes. Para sua tristeza, ele está se desempenhando como um Frank Underwood às avessas. O personagem original comete incríveis delitos e manobras para chegar à Presidência dos Estados Unidos, derrubando um a um seus adversários. O ministro Barbosa, porém, afunda-se em um pântano de mentiras e artimanhas antes de ter dado sequer o primeiro passo para atravessar a praça rumo ao Palácio do Planalto.
Acuado e sentindo o constrangimento de sua nudez político-jurídica, o ministro atira-se a vinganças, recorrendo aos asseclas que irregularmente nomeou, na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, como feitores das sentenças dos petistas. Delúbio Soares teve o regime semiaberto suspenso na noite de ontem. José Dirceu tem contra si uma investigação fajuta sobre uso de aparelho celular, cujo único propósito é impedir o sistema penal que lhe é devido. O governo de Brasília está sendo falsamente acusado, com a cumplicidade das Organizações Globo, de conceder regalias aos réus.
O ódio cego de Barbosa contra o PT e seus dirigentes presos, que nenhuma força republicana ainda se apresentou para frear, também demonstra a fragilidade da situação pela qual atravessam o presidente do STF e seus aliados. Fosse sólido o julgamento que comandou, nenhuma dessas artimanhas inquisitoriais seria necessária.
O fato é que seu castelo de cartas começou a ruir. Ao final dessa jornada, o chefe atual da corte suprema sucumbirá ao ostracismo próprio dos anões da política e da justiça. Homem culto, Barbosa tem motivos de sobra para uivar contra seus pares. Provavelmente sabe o lugar que a história reserva para quem, com o sentimento dos tiranos, veste a toga dos magistrados.
Breno Altman é diretor editorial do site Opera Mundi.