por Luiz Carlos Azenha
Eu morava em Washington, de
onde acompanhei a campanha de Barack Obama à Casa Branca. A primeira versão da
plataforma dele, de pré-candidato, apontava na direção de aceitar os governos
reformistas da América Latina. Identificava claramente a pobreza e a má
distribuição de renda como problemas da região. Mas, tudo mudou depois que
Barack Obama se tornou oficialmente o candidato e incorporou Hillary Clinton à
sua campanha. Na época cheguei a escrever a respeito. Na segunda versão da
plataforma, Obama passou a identificar a violência como principal questão a ser
enfrentada, especialmente nas metrópoles latinoamericanas. Brinquei: são os
estadunidenses querendo exportar os produtos nos quais são especialistas. Armas,
gás pimenta, aparelhos de monitoramento, de comunicação, aeronaves não
tripuladas, etc.
Formas “democráticas” de
controle. Assim como o Plano Colômbia e o Plano Merida, que tanto servem para
combater o narcotráfico e as gangues como para levantar informações, desenvolver
aliados locais e influenciar diretamente na política dos países aos quais
supostamente ajudam. Cai como uma luva para a indústria armamentista, a
indústria de segurança e os consultores. Cai como uma luva para as ONGs que
sobrevivem recebendo dinheiro público, em Washington, para promover os
interesses dos Estados Unidos na região. A “promoção da democracia” e o apoio à
“sociedade civil” não são apenas uma forma de condescendência dos irmãos do
Norte em relação aos cucarachas que vivem ao sul do rio Grande. Tem dinheiro
nisso. Ou eles sairiam de casa para nos “ensinar” por
benemerência?
President Barack
Obama
The White
House
1600 Pennsylvania Avenue
NW
Washington, DC
20500
The Honorable
Hillary Rodham Clinton
Secretary of
State
Washington, DC
20520
June 7,
2012
Como acadêmicos hondurenhos
de diversos campos de estudo, homens e mulheres da Ciência e das Artes, com a
solidariedade de outros acadêmicos latinoamericanos e estudiosos da América
Latina em países de todo o mundo, inclusive, naturalmente, dos Estados Unidos,
pedimos que vocês suspendam imediatamente toda ajuda policial e militar a
Honduras, até que tais instituições, comprometidas pela corrupção, sejam limpas.
Pedimos a vocês que respeitem nossa soberania e declaramos nosso desejo de que
seja submetida a referendo a questão de permitir ou não a presença de bases
militares dos Estados Unidos em Honduras — uma das quais foi usada para
perpetrar o golpe de junho de 2009, o que piorou muitos de nossos
problemas.
Exigimos que respeitem os
processos nacional e regional de enfrentamento da atual crise institucional. Não
brinquemos. O atual desastre em Honduras tem uma explicação imediata e raízes na
história, mas é principalmente resultado de sua política de “pragmatismo” depois
do golpe.
Seu governo esperou meses
para classificar o que aconteceu de “golpe”, para que vocês pudessem continuar,
sem impedimento legal, sua assistência ao regime golpista.
As eleições gerais de
novembro de 2009 aconteceram menos de cinco meses depois do golpe, sob controle
militar das ruas e praças, onde a verdadeira oposição foi reprimida, sem
monitores internacionais além dos observadores de sua embaixada e de partidos
políticos arranjados para consolidar o regime do golpe, dando total impunidade
aos que perpetraram o golpe e intensificando o colapso das instituições judicial
e de segurança.
Graças à anistia declarada
pelo governo em 2010, nenhum membro do Exército foi julgado por participar do
golpe de junho de 2009. Ninguém foi investigado pelos mais de 4 mil crimes
contra a Humanidade e violações dos direitos humanos cometidos pelas forças
policiais e militares sob a ditadura de Roberto Micheletti, uma vez que isso
exigiria a intervenção do Ministério Público, o qual continua nas mãos dos que
promoveram o golpe e de seus cúmplices.
A impunidade ainda vige no
atual regime; nos dois anos em que o governo está no poder, a polícia cometeu
cerca de 3 mil violações dos direitos humanos (sem contar as cometidas por
membros das Forças Armadas), nenhuma das quais foi levada a
julgamento.
O judiciário, cujo chefe, de
acordo com telegramas publicados, confessou a seu representante em Tegucigalpa
ter fabricado — a posteriori — as acusações criminais e o mandado de prisão
usados para justificar o golpe, usados também para que membros do Exército
fossem perdoados, continua absurdamente a negar que um golpe tenha acontecido e
demitiu juízes e promotores que denunciaram ou se opuseram ao golpe e às
políticas do regime golpista, com isso evitando que o judiciário tratasse com
imparcialidade e neutralidade a violência policial e militar.
Como poderiam instituições
lideradas por golpistas levar à Justiça policiais e militares que ameaçaram,
torturaram e assassinaram membros de diferentes grupos de oposição —
professores, sindicalistas, líderes populares, agricultores de subsistência,
indígenas, afro-caribenhos e integrantes da comunidade LGBT?
Nosso país está em ruínas,
em parte graças ao “apoio” dos Estados Unidos. Nós nunca saberemos o que teria
acontecido, mas se o Departamento de Estado tivesse respeitado os processos
diplomáticos hondurenho e latinoamericano depois do golpe, talvez nosso país não
seria considerado hoje, nacional e internacionalmente, um exemplo de ‘estado
falido’.
Poderia haver algum respeito
à autoridade e à lei. Mas, em vez disso, seu governo traiu a declaração unânime
da Organização dos Estados Americanos de que o presidente Manuel Zelaya deveria
retornar sem condições ao posto para o qual foi eleito de forma democrática, nos
dias seguintes ao golpe. Mais recentemente, seu governo encorajou a falta de
respeito aos Acordos de Cartagena, assinados pelos presidentes Santos da
Colômbia e Chávez da Venezuela. Enquanto isso, seu governo insiste em elevar a
luta contra o crime organizado a uma “Guerra ao Terror” que não pode ser
vencida, que serve para esconder novas violações, à qual podemos não sobreviver,
enquanto ignora soluções latinoamericanas, quando somos nós que fornecemos os
corpos para sua guerra.
O efeito direto da política
dos Estados Unidos em relação a Honduras foi o de fortalecer a mão das pessoas
responsáveis por planejar, executar, legitimar e impor violentamente o golpe: as
forças armadas, o sistema legal, o escritório do Procurador-Geral, a polícia e
poderesos grupos econômicos. Oficiais militares que lideraram o golpe foram
indicados para postos-chave do atual governo do presidente Lobo. Em nome da
“segurança”, as forças armadas hondurenhas não precisam mais prestar contas dos
recursos que usam e podem fazer compras sem concorrência pública. O atual
governo hondurenho colocou nossas pobres liberdades civis sob maior risco ao dar
a soldados o poder de agir como polícia, apesar deles não serem treinados para a
função, mas sim para exterminar o inimigo; deu à polícia, com a nova lei de
escutas telefônicas, amplos poderes para monitorar a comunicação pessoal de
cidadãos sem mandado de juiz ou promotor.
Tudo isso, por sua vez,
aumentou o clima de insegurança no país, onde cidadãos tem mais razões para
temer as forças de segurança do que os narcotraficantes ou as
gangues.
Combater o narcotráfico não
é uma justificativa legítima para os Estados Unidos financiarem e treinarem
forças de segurança que usurpam governos democráticos e reprimem violentamente
nosso povo. Todos aqui em Honduras, inclusive funcionários dos escritórios da
DEA [Drug Enforcement Administration, a agência de combate às drogas] em
Tegucigalpa, sabem exatamente onde estão os narcotraficantes e onde podem ser
encontrados.
O mais poderoso barão das
drogas neste país também financiou e apoiou o golpe que removeu as poucas
barreiras ao narcotráfico que existiam; eles são os poderosos príncipes do
agronegócio, empresários e financistas, latifundiários e integrantes do
Congresso. Eles financiaram campanha presidenciais e tem ligações familiares com
políticos de todos os níveis, de todos os partidos. Alguns deles são aliados da
Embaixada dos Estados Unidos, a qual reconheceu [em telegramas diplomáticos
escritos bem antes do golpe] pelo menos um deles como narcotraficante. Eles
lucram com transações nas quais o produto sulamericano passa pelo nosso país a
caminho do seu e com o resíduo distribuído aqui.
Nosso problema é uma
profunda cultura de corrupção e a falta de determinação das autoridades para
limpar a polícia e as forças armadas. Mas aqueles poucos que ousam falar a
verdade foram julgados por abuso de autoridade, como o ex-ministro Gautama B.
Fonseca, ou foram assassinados, como o ex-comissário de polícia Alfredo
Landaverde, por policiais hondurenhos financiados pelos Estados
Unidos.
Senhor Presidente e senhora
Secretária, nossos objetivos para Honduras são os mesmos que vocês alegam
promover: segurança, democracia e respeito à lei. Nós, hondurenhos, precisamos
de instituições que tenham legitimidade e possam restabelecer o princípio da
autoridade democrática e leis que promovam a coexistência. Pedimos que vocês
cortem seu apoio (logístico, financeiro e de treinamento) às forças da desordem,
que são também as mais violentas de nossa sociedade, e acabem com sua ocupação
de nosso território, para objetivos militares, sem consultar o povo hondurenho.
Qualquer restabelecimento subsequente de sua ajuda deveria depender de uma
verificação de progresso feita pela recentemente estabelecida Comissão Nacional
pela Limpeza [da polícia] e o restabelecimento das bases dos Estados Unidos
deveria ter o apoio da cidadania, manifestado nas urnas.
A política de apaziguamento
dos Estados Unidos ou de apoio a agentes violentos de um estado ilegítimo,
destruiu nossa incipiente democracia, trouxe mais insegurança e gerou uma
catástrofe dos direitos humanos. Investimento em nossa economia deprimida faria
muito mais para promover nossos objetivos compartilhados que estes gastos
contraproducentes. Pedimos a vocês que deixem que os hondurenhos busquemos
nossas próprias soluções para nossos problemas, na construção de uma
coexistência pacífica. Somente com soberania podemos trabalhar pela refundação
de Honduras como nação democrática, que respeite direitos. A política dos
Estados Unidos não deveria ser um obstáculo a este objetivo. A História verá que
o imperador está nu.
Seguem assinaturas de
centenas de acadêmicos de várias partes do mundo.
Leia
também:
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Enviado por luisnassif, dom, 24/06/2012 - 11:20
Por zanuja castelo
branco
Por Pablo Uchoa, Da BBC Brasil em
Washington
O secretário-geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, questionou neste sábado o
processo que levou ao impeachment do ex-presidente do Paraguai, Fernando Lugo,
em menos de 24 horas em Assunção.
"O que nos preocupa não é somente o
respeito ou a falta de respeito à lei, mas que a norma escrita seja interpretada
de forma propícia para alterá-la com fatos."Através de nota, José Miguel Insulza
disse que a destituição de Lugo foi um "julgamento sumário que, ainda que
formalmente apegado à lei, não parece cumprir com todos os preceitos legais do
Estado de direito de legítima defesa".
Em nota separada, a Comissão Interamericana
dos Direitos Humanos (CIDH), ligada à OEA, disse que o processo é uma "paródia
de Justiça".
"É uma paródia da Justiça e uma afronta ao
Estado de Direito remover um presidente em 24 horas, sem garantias para se
defender", qualificou o secretário-executivo da CIDH, Santiago Canton. Os dois
órgãos têm sede em Washington.
Lugo foi deposto na sexta-feira pelo
Congresso paraguaio com base no artigo 225 da Constituição do país, que confere
poderes à Câmara de Deputados para iniciar um julgamento político contra o
presidente e ao Senado, para atuar como tribunal.
Entretanto, começando e terminado no
período de apenas 24 horas, o processo foi considerado por governos da região
como um golpe de Estado "branco" contra Fernando Lugo, o primeiro político de
esquerda a chegar à Presidência paraguaia.
"É inaceitável a rapidez do julgamento
político contra o presidente constitucional e democraticamente eleito", afirmou
Santiago Canton.
Impacto na região
A crise política no Paraguai levou a
Assunção ministros da Relações Exteriores e o secretário-geral do bloco
sul-americano (Unasul), o venezuelano Ali Rodrigues Araque, que qualificou a
situação de "golpe de Estado de fato".
Em sua nota, José Miguel Insulza lamentou
que já tenham sido "várias as ocasiões (na América Latina) que em alguns países,
apegando-se ao pé da letra da lei, violam-se princípios democráticos que devem
ter vigência universal."
"Ninguém quer que isto se transforme em uma
tendência que obscure este período democrático da nossa região, que foi tão
difícil alcançar."
Ele lembrou que a Constituição paraguaia e
os tratados internacionais assinados pelo país "consagram os princípios
universais do devido processo e da ampla defesa usando todos os recursos
processuais, contando para isto com prazos suficientes entre o início do
julgamento e a sua conclusão".
O órgão panamericano prometeu "tomar
decisões" no início da próxima semana, após manter-se em contato com diplomatas
da região durante estes sábado e domingo.
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