O fogo devora a Amazônia. Bolsonaro já é alvo da indignação
mundial
27/8/2019, Pepe Escobar, Asia Times (do Brasil)
27/8/2019, Pepe Escobar, Asia Times (do Brasil)
O Brasil sempre foi terra de superlativos. Mesmo assim, nada que supere a perversa configuração de hoje: um estadista de dimensão global está no cárcere, e um miliciano bandido apalhaçado, cujas manias e perversões são declaradas ameaça a todo o planeta... está na presidência.
Em entrevista exclusiva, que durou duas horas, muito abrangente, realizada numa sala do prédio da Polícia Federal em Curitiba, sul do Brasil, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva expôs à opinião pública planetária os próprios argumentos a favor de sua inocência na saga da chamada ‘operação lava-jato’, dita contra a corrupção, e inocência hoje já confirmada por vazamentos bombásticos publicados por The Intercept. Além disso, o ex-presidente também se reposicionou para retomar o status que sempre foi dele, de líder político global. Deve acontecer sem demora – e depende de uma decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, tribunal para o qual a Justiça não é exatamente cega.
A entrevista foi solicitada há cinco meses. Lula falou aos jornalistas Mauro Lopes, Paulo Moreira Leite e eu, representando, os três, o website Brasil247 e eu, Asia Times. Na 5a-feira passada, imediatamente depois da entrevista, foi publicada uma primeira versão, com apenas uma câmera focada em Lula. Está sendo preparada uma edição integral editada e legendada em inglês, para distribuição no final da semana à opinião pública global.
Imagem:
Pepe Escobar, colunista de Asia Times (primeiro à esquerda, com manta),
encontra-se com Lula na prisão. Foto: Editora Brasil 247
Lula é a encarnação da máxima de Nietzsche: o que não mata fortalece. Em excelente forma (corre na esteira pelo menos duas horas por dia), atento e agudo, com muito tempo para ler (acabava de ler um ensaio sobre Alexander von Humboldt), exibiu o fôlego amplo que é sua marca registrada, alcance e conhecimento amplo de inúmeras questões – às vezes expostas como se fossem partes de uma narrativa de realismo fantástico à Garcia Marquez.
O ex-presidente vive numa cela de 3mx4m, sem grades, com a porta aberta, mas com dois policiais federais de plantão no corredor; sem acesso a internet ou TV a cabo. Um dos seus auxiliares entrega-lhe diariamente um pen drive carregado com noticiário político e parte com miríade de mensagens e cartas.
A entrevista é ainda mais espantosa, se posta no contexto incendiário (literalmente) da política brasileira atual – que flerta ativamente com uma forma híbrida de semiditadura. Ao mesmo tempo em que Lula fala de temas essencialmente importantes, e claramente vai recuperando a própria voz, mesmo dentro de uma prisão federal, o atual presidente Jair Bolsonaro se pôs, ele mesmo, como alvo da indignação global, visto em praticamente todos os quadrantes do planeta, como ameaça à humanidade, que tem de ser contida.
Mapa (AFP): “Dia do Fogo”
Tudo tem a ver com o Dia do Fogo
Corte direto para o G7 em Biarritz: no máximo, trata-se de palco secundário, reunião de esquina, em que o ocidente suposto liberal chafurda na própria impotência. Sem a presença dos líderes do Sul Global, o G7-Biarritz não tem como lidar com as mais graves questões globais do momento.
E isso nos leva à questão literalmente candente dos incêndios na Floresta Amazônica. Na entrevista, Lula foi diretamente ao ponto, ao apontar a responsabilidade total de eleitores de Bolsonaro.
O G7 só fez ecoar as palavras de Lula.
O presidente da França Emmanuel Macron disse que ONGs e vários atores jurídicos, ao longo de anos, têm levantado a questão de se definir o status internacional da Amazônia – exatamente o que as políticas de Bolsonaro, só elas, já lançaram para o topo da agenda global.
A oferta do G7, de um pacote de ajuda imediata de $20 milhões para ajudar as nações amazônicas a combater os incêndios florestais, e na sequência lançar uma iniciativa global para proteger a floresta gigante equivale a uma gota de chuva.
[Depois de esse artigo estar escrito, o Brasil rejeitou a oferta dos países do G7. Um alto funcionário disse ao presidente Macron da França, na 2ª-feira, que ele que cuidasse “da própria casa e de suas colônias” – como noticiou a AFP. “Talvez esses recursos sejam mais úteis para reflorestar a Europa” – disse Onyx Lorenzoni, chefe do gabinete de Bolsonaro, ao portal de notícias G1. “Macron não consegue evitar nem um incêndio previsível numa igreja que é Patrimônio da Humanidade. O que está querendo ensinar a nosso país?” Referia-se ao incêndio, em abril, que devastou a Catedral de Notre-Dame. “O Brasil é país livre e democrático, que jamais recorreu a práticas colonialistas e imperialistas, como talvez seja o objetivo do francês Macron” – disse Lorenzoni (Nota dos Editores)].
Corte direto para o G7 em Biarritz: no máximo, trata-se de palco secundário, reunião de esquina, em que o ocidente suposto liberal chafurda na própria impotência. Sem a presença dos líderes do Sul Global, o G7-Biarritz não tem como lidar com as mais graves questões globais do momento.
E isso nos leva à questão literalmente candente dos incêndios na Floresta Amazônica. Na entrevista, Lula foi diretamente ao ponto, ao apontar a responsabilidade total de eleitores de Bolsonaro.
O G7 só fez ecoar as palavras de Lula.
O presidente da França Emmanuel Macron disse que ONGs e vários atores jurídicos, ao longo de anos, têm levantado a questão de se definir o status internacional da Amazônia – exatamente o que as políticas de Bolsonaro, só elas, já lançaram para o topo da agenda global.
A oferta do G7, de um pacote de ajuda imediata de $20 milhões para ajudar as nações amazônicas a combater os incêndios florestais, e na sequência lançar uma iniciativa global para proteger a floresta gigante equivale a uma gota de chuva.
[Depois de esse artigo estar escrito, o Brasil rejeitou a oferta dos países do G7. Um alto funcionário disse ao presidente Macron da França, na 2ª-feira, que ele que cuidasse “da própria casa e de suas colônias” – como noticiou a AFP. “Talvez esses recursos sejam mais úteis para reflorestar a Europa” – disse Onyx Lorenzoni, chefe do gabinete de Bolsonaro, ao portal de notícias G1. “Macron não consegue evitar nem um incêndio previsível numa igreja que é Patrimônio da Humanidade. O que está querendo ensinar a nosso país?” Referia-se ao incêndio, em abril, que devastou a Catedral de Notre-Dame. “O Brasil é país livre e democrático, que jamais recorreu a práticas colonialistas e imperialistas, como talvez seja o objetivo do francês Macron” – disse Lorenzoni (Nota dos Editores)].
Imagem: O incêndio arde sem controle e avança sobre uma fazenda
em Nova Santa Helena, no norte do estado de Mato Grosso, na área sul da bacia
amazônica no Brasil, dia 23/8/2019. Foto: Joao Laet / AFP
Significativamente, o presidente Donald Trump dos EUA sequer compareceu à sessão do G7 que discutiu mudança climática, ataques contra a biodiversidade e os oceanos – e o desflorestamento da Amazônia. Não surpreende que Paris tenha simplesmente desistido de emitir declaração conjunta ao final da reunião.
Na entrevista que nos concedeu, o ex-presidente Lula lembrou o papel importante que o Brasil desempenhou COP-15 (Conferência das Partes*) na reunião de cúpula sobre mudança climática em Copenhagen em 2009. E contou sobre o desenrolar das negociações, e sua intervenção para defender a China contra acusações que lhe faziam os EUA, de que seria o país que mais poluiria o planeta.
Naquela ocasião, Lula disse: “Não é preciso derrubar sequer uma árvore na Amazônia para plantar soja ou criar gado. Se alguém está fazendo isso, é crime – e crime também contra a economia brasileira.”
Previa-se que a COP-15 promoveria as metas fixadas pelo Protocolo de Kyoto, que expirariam em 2010. Mas a reunião fracassou, depois que EUA – e União Europeia – recusaram-se a elevar as metas de redução nas emissões de CO2, culpando atores do Sul Global, por essa alegada impossibilidade.
Em agudo contraste com Lula, o projeto de Bolsonaro resume-se à destruição nada criativa de patrimônio brasileiro, como a Amazônia, sacrificado aos interesses que Bolsonaro representa.
Agora, o clã Bolsonaro pôs-se a culpar o Gabinete de Segurança Institucional, GSI, do próprio governo deles, comandado pelo general Augusto Heleno – que teria errado ao avaliar o escopo e a gravidade dos atuais incêndios que estão devorando a Amazônia.
Heleno, por falar deles, manifestou-se publicamente a favor de sentença de prisão perpétua para Lula.
Significativamente, o presidente Donald Trump dos EUA sequer compareceu à sessão do G7 que discutiu mudança climática, ataques contra a biodiversidade e os oceanos – e o desflorestamento da Amazônia. Não surpreende que Paris tenha simplesmente desistido de emitir declaração conjunta ao final da reunião.
Na entrevista que nos concedeu, o ex-presidente Lula lembrou o papel importante que o Brasil desempenhou COP-15 (Conferência das Partes*) na reunião de cúpula sobre mudança climática em Copenhagen em 2009. E contou sobre o desenrolar das negociações, e sua intervenção para defender a China contra acusações que lhe faziam os EUA, de que seria o país que mais poluiria o planeta.
Naquela ocasião, Lula disse: “Não é preciso derrubar sequer uma árvore na Amazônia para plantar soja ou criar gado. Se alguém está fazendo isso, é crime – e crime também contra a economia brasileira.”
Previa-se que a COP-15 promoveria as metas fixadas pelo Protocolo de Kyoto, que expirariam em 2010. Mas a reunião fracassou, depois que EUA – e União Europeia – recusaram-se a elevar as metas de redução nas emissões de CO2, culpando atores do Sul Global, por essa alegada impossibilidade.
Em agudo contraste com Lula, o projeto de Bolsonaro resume-se à destruição nada criativa de patrimônio brasileiro, como a Amazônia, sacrificado aos interesses que Bolsonaro representa.
Agora, o clã Bolsonaro pôs-se a culpar o Gabinete de Segurança Institucional, GSI, do próprio governo deles, comandado pelo general Augusto Heleno – que teria errado ao avaliar o escopo e a gravidade dos atuais incêndios que estão devorando a Amazônia.
Heleno, por falar deles, manifestou-se publicamente a favor de sentença de prisão perpétua para Lula.
Imagem:
Protestos em Curitiba, Brasil, dia 23/8/2019, contra os incêndios na Amazônia,
e imagens dos que o povo identifica como culpados: o presidente Trump dos EUA e
o presidente Bolsonaro do Brasil. Foto: Henry Milleo / dpa
Mesmo assim, essa não é a história completa – mesmo que Bolsonaro, pessoalmente, insista em culpar “ONGs” pelos incêndios.
A história real confirma o que Lula disse na entrevista. Dia 10 de agosto, um grupo de 70 ricos proprietários de terras, todos eleitores de Bolsonaro, organizaram, num grupo de WhatsApp, um “Dia do Fogo” na região de Altamira, no grande estado do Pará.
Trata-se precisamente da região onde estão a maioria dos incêndios florestais no Brasil – infestada por agressivos empresários do agronegócio, devotados a desflorestamento massivo, selvagem; investiram na ocupação da terra e numa guerra sem quartel contra camponeses sem-terra e pequenos produtores agrícolas. O “Dia do Fogo” foi concebido como movimento de apoio ao impulso dos Bolsonaros para pôr fim a todos os controles e monitoramentos oficiais e anular multas impostas a um dos “Bs” do lobby BBB (Boi, Bala, Bíblia).
Lula deu sinal de que se mantém muito bem informado: “Basta examinar aquelas fotos de satélite, identificar o proprietário da terra onde aparece cada incêndio e intimá-lo, para que informe quem está ateando fogo à floresta. O proprietário que não procurar a Polícia para denunciar incêndios criminosos em suas terras é responsável pelos incêndios.”
Pé na estrada, com o Papa
É possível que esteja ativada no Brasil uma estratégia viciosa, pós-verdade, de guerra híbrida. Dois dias depois da entrevista de Lula, aconteceu em Brasília uma fatídica paella, na residência oficial do vice-presidente, quando Bolsonaro reuniu-se com todos os mais altos generais, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão. Analistas independentes consideram seriamente, como hipótese de trabalho, que esteja em preparação um processo de ‘liquidação’ do Brasil, que se serviria das preocupações globais em torno da Amazônia, com toda a negociata escondida sob o véu de retórica nacionalista fake.
Combinaria perfeitamente com o padrão já em curso, de vender a principal e bem-sucedida empresa de aviação estatal, Embraer; de privatizar grandes blocos das reservas de petróleo do pré-sal; e de alugar aos EUA a base de lançamento de satélites de Alcântara. A soberania do Brasil sobre a Amazônia oscila perigosamente sobre o cadafalso.
Considerando a riqueza de informações que se encontra na entrevista de Lula, para nem falar da narrativa detalhada de como funcionam realmente os bastidores do poder, Asia Times publicará colunas específicas mostrando o Papa Francisco, os BRICS, Bush e Obama, o Irã, a ONU e a governança global. Foi a primeira entrevista de Lula, do período em que está no cárcere, na qual se sentiu suficientemente relaxado, para mergulhar em eventos das relações internacionais.
O que se viu muito claramente é que Lula é o único fator possível de estabilidade para o Brasil. Ele está pronto, tem agenda clara, não só para o Brasil, mas para o mundo. Disse que tão logo deixe a prisão, meterá o pé na estrada – e gastará muitas e muitas milhas por avião: quer embarcar, ao lado do Papa Francisco, numa campanha global contra a fome, contra a destruição neoliberal e contra a ascensão do neofascismo.
Agora, comparem esse autêntico estadista global no cárcere, e um bandido incendiário que rasteja em seu pessoal labirinto.*******
* “Conferência das Partes” é o corpo que toma
decisões, da United Nations Framework Convention on Climate Change, UNFCCC [NTs].