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EXCLUSIVO: o PCC nos mandou a carta em que explica os motivos dos ataques que paralisou o Estado de São Paulo no dia 11 de maio.
FURO: O governo de São Paulo diz que foram 109 mortos.
22/5/06
Natalia Viana esteve no Capão Redondo e descobriu: mais 5 mortos pela polícia.
Os motivos de tanta revolta e ódio
Neste fim de semana, os 765 presos que foram transferidos para a Penitenciária de Presidente Venceslau no dia 11 – fato que teria motivado os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado de São Paulo – divulgaram uma carta aberta à população e às entidades de direitos humanos.
O fato é que o doutor Nagashi Furukawa, numa atitude arbitraria, transferiu mais de setecentos presos para Penitenciária II de Presidente Venceslau sem as mínimas condições materiais para a sobrevivência dos mesmos com o mínimo de dignidade. Para ter uma idéia do absurdo da atitude do secretário de Assuntos Penitenciários e total desrespeito aos direitos humanos e às leis de execuções penais:
os presos foram tirados de suas respectivas penitenciárias por volta das 6 da manhã naquela quinta-feira fatídica e conduzidos amontoados dentro de caminhões fechados por mais de sete horas em uma viagem horrível, chegando ao destino, Presidente Venceslau.
Devido ao enorme congestionamento na porta da penitenciária, os presos ficaram ainda dentro dos caminhões por mais de oito horas, sem oxigênio, água, alimento. Depois disso, quando finalmente adentraram ao interior da penitenciária, foram destituídos de todas as suas roupas e foram dados apenas uma calça e uma camisa, sem cobertores e sem nada. Os presos ficaram ainda sem serem alimentados por mais de dois dias, isso caracteriza uma vingança vil e arbitrária do senhor secretário para com os presos, pois os mesmos seriam uma facção criminosa.
O problema é que estes presos, já muito revoltados por serem tratados como animais e com total desrespeito à sua dignidade humana, tiveram acesso a telefones celulares que já se encontravam escondidos dentro da unidade desde a última rebelião, começaram a ligar para seus amigos na rua para que os socorressem, já que estavam sendo esmagados. Houve então uma revolta generalizada e totalmente sem controle que abalou e está abalando toda a sociedade, sem querer nos eximir da culpa pelos excessos, culpamos e denunciamos o secretário pela atitude no mínimo incompetente ou coisa pior.
Pedimos a qualquer comissão que realmente tenha o compromisso com a verdade que vá até Venceslau II e ouça os presos e funcionários e descubra o porquê de todos estes fatos lamentáveis que assolaram a nossa sociedade.
PS. Inclusive, para agravar mais a revolta dos presos, domingo foi o dia das mães e todos os presos e suas mães aguardavam ansiosos por esta data e o senhor secretário simplesmente cortou esta visita tão aguardada!
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Chacina no Capão: mais 5 mortos pela polícia
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo insiste que foram mortos 109 “suspeitos” pela polícia de São Paulo na resposta aos ataques do PCC, na última semana. O diretor do Departamento de Investigações Criminais (DEIC), Godofredo Bittencourt, negou que qualquer inocente tenha sido assassinado pela polícia. Mas tudo indica que o número de vítimas é maior do que o governo contabiliza. Há pelo menos 5 corpos não contados: 5 inocentes, assassinados na madrugada do dia 16 de maio no centro do Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Embora a descrição da chacina seja em tudo semelhante às demais admitidas pela polícia, a assessoria de imprensa da SSP disse ao jornal Brasil de Fato que o crime não foi incluído na lista dos mortos pela polícia. Foi considerado crime comum.
A Chacina
Era noite de segunda-feira, 15 de maio, dia em que o pânico tomou conta da cidade e levou comerciantes a fechar as portas, escolas a liberar seus alunos e milhares de paulistanos a se trancar em casa. Numa rua estreita porém movimentada do centro comercial do Capão Redondo, cerca de dez pessoas tomavam a cerveja de rotina no bar do sergipano Adolfo Menezes. Adolfo tem 75 anos, trabalha em São Paulo há 60 (“tenho 4 carteiras de trabalho cheias”), foi garçom a vida toda. Até aquela segunda-feira, tocava o bar montado na garagem de casa, com dois dos 4 filhos. Do outro lado da rua, uma barraca da família servia lanches – mais de 50 sanduíches por dia – aos que passavam por ali. Inclusive naquela noite. Embora houvesse se espalhado o boato de novos ataques do PCC, o pessoal estava tranqüilo no bar. “Como a gente não é policia, não tem nada a ver, não teve esse medo danado. A gente ficou sossegado. E pensou que a polícia ia atrás do PCC”, explica Francisco, filho de seu Adolfo e que também trabalha no bar. O clima mudou um pouco quando passaram, devagarinho, já depois das onze da noite, três carros da Força Tática da Polícia Militar– duas blazers e um carro menor – seguidos de perto por um Pálio preto, de vidros fumê abaixados. Todos repararam: dentro do Pálio, homens com capuzes pretos de lã enrolados acima dos olhos “filmavam” o ambiente. Foi Francisco quem brincou “tá vendo esse carro aí? Esses aí é só pra matar”. E foi ele também que sentiu “um negócio estranho” e pediu para o irmão, Maurício Menezes, fechar a barraca de lanches do outro lado da rua e abaixar a porta de ferro do bar.
Ele abaixou, continuou vendo TV – que transmitia cenas de pânico na cidade, ônibus queimados, policias analisando os ataques, políticos dizendo que a situação estava sob controle – e servindo os fregueses. O pessoal ficou ali por mais duas horas. “Tava todo mundo com medo de ir embora”, lembra Francisco, observando que naquela noite havia muito mais policiais pelas ruas do Capão Redondo que de costume. As viaturas passavam uma atrás do outra. Pouco depois das duas da madrugada, Maurício achou que era hora de fechar o bar. Saiu junto com os fregueses para a rua, acompanhado por um funcionário da lanchonete – Edson, que carregava dois sanduíches para comer em casa – e agora ia recolher as lâmpadas que iluminavam a barraca de lanches porque alguém poderia roubá-las. Não tiveram tempo de recolher uma lâmpada sequer.
Dentro da casa, todo mundo ouviu o gripo “Polícia! Mão pra cabeça”.
Algumas testemunhas correram para a janela a tempo de ver 4 homens de roupa escura – calça jeans, jaqueta , os gorros agora abaixados. Teve também quem visse os carros da Força Tática no final da rua; no meio dela, o Pálio preto. Do segundo andar da casa, deu para ver o pessoal recém saído do bar formando uma linha na frente da lanchonete, a cara para o balcão azul. Mas foi um segundo: começaram os tiros de doze e rajadas de metralhadora – as marcas ficaram nas paredes de metal da lanchonete. Da laje da casa, algumas pessoas viram os assassinos correrem para o pálio preto e sumirem.
Francisco desceu correndo, a socorrer as vítimas. O que viu parecia cena de guerra. E era.
Cinco corpos que não contam “Foi uma coisa que eu nunca passei. Vi os sete corpos no chão. Tudo amigo meu, os que estavam vivos ‘me ajuda, me ajuda!’, ‘tá doendo!’. Um me chamava de um lado, outro chamava do outro, eu só escutava gente gemendo. Mas ao mesmo tempo meu desespero ali era achar meu irmão”. O irmão foi o último que ele viu, deitado, já morto atrás, de um matagal (correu para tentar se salvar, já baleado).
Antes, Francisco viu seu amigo de infância, Renato “Brigadeiro”, tentando se levantar. Brigadero era freguês do bar, meio hippongo, e vivia de fazer artesanato. Cabeludo, a barba grande, ele fazia bicos na montagem de palcos para shows ali pela zona sul, e no último Dia das Mães vendera flores na rua para levantar um dinheiro. Pai de dois filhos, Renato era visto como uma pessoa de “espiritualidade elevada”. Sempre tranqüilo, dizem os vizinhos, sorriu antes de morrer.
Próximo a ele estavam Davi “Cabeludo”, motoboy, de 20 e poucos anos, que freqüentava de vez em quando o bar; um senhor já de idade, que ganhava a vida catando latinhas pelas redondezas cheias de comércios e bares; dois rapazes que; e Edson, funcionário da lanchonete há 5 anos, deixou um menino e uma menina de 4 e 3 anos, respectivamente. São-paulino roxo, não perdia um jogo do time; ganhava folga todas as quartas-feiras para ir ao estádio. Brincalhão, sorridente e trabalhador, dizem as testemunhas. Caído, ainda pediu a Francisco: “não me deixe morrer”.
Dentro da casa, que fica nos fundos do bar, seu Adolfo acordou com o barulho das rajadas – como de costume, tinha ido se deitar às 22 horas. “Parecia uma trovoada, um terremoto, corremos lá pra fora já tava tudo caído. Fiquei assim um pouco parado, parado. Sem saber o que fazer, sem fala. Eu não fui até o hospital. Não tinha mais coragem. No dia seguinte fui no velório. Minha mulher me abraçou, disse ‘foi embora nosso caçula’. Daí eu disse assim: ‘tá melhor do que quem tá vivo’”.
Maurício de Assis Menezes tinha 28 anos e trabalhava no bar da família desde os 14. Rapaz quieto, de poucas palavras, sua grande diversão era alugar filme para assistir ali mesmo, no bar. Acordava tarde todo dia – como naquela segunda-feira – e começava a trabalhar por volta das 15 horas. Ficava até saírem os últimos fregueses, por volta da uma da manhã. Fechava o bar, desligava tudo. E ia dormir junto com os irmãos e os pais, nos fundos da casa. Pouco saía (“ele levou a vida toda aqui, coitado”, diz o pai) e por isso era chamado de Mauricio “Tranquilão”.
Inocentes Daqueles que foram assassinados diante do bar da família Menezes, nenhum portava qualquer instrumento que pudesse ser considerado ameaçador. “A gente sabe porque foi a gente que socorreu eles”, garante Francisco. Armas, facas, estilete, canivete, pedras? “Nada, nada”.
Vestiam roupas comuns – Maurício estava de calça jeans bem larga e camiseta azul, os demais com calças compridas e casacos. Mesmo assim, o pai de Maurício acredita que a polícia tenha se enganado. “Eu acho que a polícia confundiu o nosso paradeiro na hora e atirar e metralhou a gente. Eles não iam alvejar nós pra isso”. Os outros discordam. “Na hora que eles viram gente na rua de madrugada eles estão matando, é isso que tá acontecendo.
Não é toda polícia que está matando, mas se esse esquadrão da morte encontrar um cara no ponto do ônibus duas das manhã eles vão matar”, diz Francisco. Um comerciante que trabalha na mesma rua – e que desde então mantém seu bar fechado – concorda: “É intimidação, é pânico.
Agora as pessoas estão com medo realmente, não tem bar aberto depois das dez... É medo da polícia, é pânico constituído, é pânico do poder”.
Apenas alguns minutos depois da chacina chegaram 12 viaturas da Polícia Militar, a maioria da Força Tática. Começaram a socorrer as vítimas e, ato contínuo, recolher os cartuchos. Todos estranharam. A PM levou os corpos e os cartuchos muito antes de a perícia chegar – o que aconteceu somente às 11 da manhã.
Não pegaram nenhum depoimento das testemunhas, pelo menos não oficialmente. Apenas um policial mencionou “isso aí é ataque do PCC, tem que tomar cuidado, vocês que ficam na rua...”.
Assustados, os moradores da região se recusam a falar qualquer coisa. Os dois sobreviventes pensam em se mudar da cidade temendo retaliações da polícia. Nenhum bar fica aberto depois das 8 da noite na área. Os moradores do Capão Redondo agora têm regra para sair na rua: “cabeça baixa, se passar polícia não olha. Não correr muito também. Sempre levar documento, mesmo que só for na esquina. E depois das oito nunca sair na rua”, conta um morador.
Francisco completa “Hoje em dia se uma polícia civil, à paisana, falar, ‘polícia, mão pra cabeça’, saio correndo, não confio mais. E não vou ficar pra ver o que vai acontecer”.
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