Dossiê organizado pelo Fórum Centro Vivo, divulgado no dia 26 de maio, critica o fim do Orçamento Participativo em São Paulo, uma das bandeiras do modo petista de governar. Cinqüenta e nove entidades sociais denunciam que, a partir de janeiro de 2005, quando tomou posse o tucano José Serra, o espaço de participação da população para a construção de políticas públicas para o centro de São Paulo, garantida pela Constituição Federal de 1988 e conquistada na gestão municipal anterior, foi fortemente reprimido.
A partir desta segunda-feira (29), o Portal do Diretório Estadual do PT publica uma série de quatro reportagens, com base no “Dossiê Violações dos Direitos Humanos no Centro de São Paulo: propostas e reivindicações de políticas públicas”, organizado pelo Fórum Centro Vivo e assinado por 59 entidades e movimentos sociais. Além da democracia participativa, outros temas abordados nas reportagens serão a expulsão dos catadores de materiais recicláveis do Centro da cidade, a violência contra os moradores de rua, o fechamento de albergues, com a conseqüente expulsão dos moradores para os bairros periféricos, a paralisação das políticas públicas habitacionais no Centro e o bloqueio de programas assistenciais.
Ao invés de as entidades serem chamadas à participação, “há um processo de criminalização dos movimentos, dos militantes e da pobreza”, afirma Luciana Bedeschi, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que participou do grupo de redatores do documento.
O dossiê registra a interrupção das atividades da Coordenação Provisória Ação Centro e no Fórum de Desenvolvimento Econômico e Social do Centro de São Paulo, ambos mecanismos de participação e controle social do Programa de Ação Centro, instituído na gestão Marta Suplicy.
Houve, assim, a paralisação da participação na formulação e no monitoramento do Programa Ação Centro, “que conta com um financiamento internacional do Banco BID (Interamericano de Desenvolvimento) da ordem de US$ 100 milhões”, afirma o documento. Um conjunto de projetos para melhoria ambiental, projetos habitacionais e de construção social nas regiões da Luz e do Glicério, por exemplo, incluídos no financiamento do BID, foram paralisados, sem que os movimentos sociais tivessem sido ouvidos.
As entidades reclamam da dificuldade de conseguirem se reunir com secretários ou encarregados da prefeitura. Anderson Lopes, do Movimento Nacional da População de Rua, disse ter tentado dialogar com o secretário de Habitação, Orlando de Almeida Filho, “mas é impossível, e quando nos atende não nos escuta”, afirma.
Rodrigo Ciríaco, do Fórum Centro Vivo, que contribuiu para a redação do capítulo que trata sobre criança e adolescente em situação de rua, reafirmou que houve retrocesso no diálogo entre Prefeitura e entidades sociais. “As entidades e movimentos que cuidam da educação de criança e adolescente tentaram se reunir com o poder municipal para saber qual sua percepção sobre a situação”. Mas, segundo ele, não houve interesse por parte da administração pública.
O governo tucano interrompeu ainda a implantação dos conselhos de representantes junto às subprefeituras da capital paulista. Segundo o dossiê, a ação representa o bloqueio de anos de luta para a instalação dos conselhos. Em 2000, entidades governamentais e não-governamentais, sob coordenação do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), elaboraram pré-projetos de leis propondo a criação das subprefeituras e dos conselhos de representantes na cidade de São Paulo, entregues à prefeita Marta Suplicy e à Câmara Municipal de São Paulo, respectivamente.
Em janeiro de 2001, as 31 subprefeituras foram aprovadas e sancionadas em junho de 2002 pela Câmara Municipal. “Uma intensa mobilização foi iniciada para colocar em pauta o projeto de lei, que tratava da criação e instalação dos conselhos de representantes”. Foram criados o Movimento pela Aprovação dos Conselhos e o Comitê Pró-Aprovação dos conselhos, para pressionar os vereadores a votar e aprovar o projeto de lei. “A sanção da prefeita Marta Suplicy, em 30 de Julho de 2004, resultou na lei que dispõe sobre a criação dos conselhos de representantes junto às subprefeituras da cidade de São Paulo”, afirma o documento.
As entidades passaram a trabalhar junto às comunidades das subprefeituras para o processo de implantação dos conselhos. Em janeiro de 2005, “em um processo democrático, transparente e ético, com a participação dos subprefeitos”, constituíram-se as 31 comissões eleitorais que seriam encarregadas de realizar o processo eleitoral. “Em 20 de janeiro, quando a população já se preparava para a eleição dos membros dos conselhos, convocada para o mês de abril, o Ministério Público Estadual solicitou e obteve no Tribunal de Justiça do Estado uma decisão liminar, suspendendo o processo eleitoral”.
Fim do Orçamento Participativo
O dossiê considera um retrocesso ainda a interrupção, pela gestão PSDB/PFL, do Orçamento Participativo, implantado pela gestão petista da Marta Suplicy e uma das bandeiras petistas de políticas públicas. É um retrocesso na “democratização da participação popular, na gestão pública, não apenas da região central da cidade, mas em todo o município de São Paulo.”
Segundo o documento, apesar das críticas ao processo de funcionamento do Orçamento Participativo nos anos anteriores, “entende-se que o papel do governo municipal é sempre o de aperfeiçoar os mecanismos democráticos já instituídos e nunca o de simplesmente eliminá-los sem oferecer alternativas”, afirma.
O orçamento participativo foi legalmente implantado na cidade de São Paulo em 2001 e atendia as demandas dos movimentos sociais e da sociedade civil. Sendo informações da Prefeitura de São Paulo, a participação nas Assembléias foi crescente entre 2001 e 2004: em 2001 foram 34 mil participantes, 2002, 55 mil, 2003, 80 mil e 2005, 82 mil.
A experiência, que esteve em vigor até 2004, rendeu, no mesmo ano, uma premiação internacional à Prefeitura de São Paulo, concedida pelo World Culture Open, sediado em Nova York, além da escolha do município para ser uma das sedes permanentes do Observatório Local de Democracia Participativa, programa de cooperação internacional da União Européia.
Na época da extinção do programa, em junho de 2005, Serra deu três motivos para seu fim: inconstitucionalidade, ilegalidade e contrariedade ao interesse público.
Reivindicações
O dossiê tem, além do objetivo de denunciar violações, caráter propositivo. Assim, os movimentos reivindicam a retomada imediatamente dos canais de participação e os conselhos, como a Coordenação Provisória da Ação Centro e o Fórum de Desenvolvimento Econômico e Social do Centro. Pedem também a instalação dos conselhos de representantes e a retomada da participação da população na gestão orçamentária da cidade.
Sobre o dossiê
O Dossiê reúne documentos, fotos, relatos e reportagens sobre a situação de violação dos direitos humanos dos cincos principais grupos que moram ou dependem do Centro de São Paulo para sobreviver. São eles: sem-teto, catadores de material reciclado, população de rua, crianças e adolescentes em situação de rua e trabalhadores ambulantes. O dossiê começou a ser feito em agosto de 2005 e foi finalizado neste mês.
O documento já foi entregue ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e deve ser encaminhado, entre outros, para o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Governo do Estado de São Paulo, Ministério das Cidades, Fórum Urbano Mundial e ONU (Organização das Nações Unidas).
Confira a lista de entidades que participaram da realização do dossiê: Centro de Mídia Independente - Coletivo de São Paulo (CMI-SP), Central dos
Movimentos Populares (CMP), Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Editora Pressa, Fórum Metropolitano de Educação Social na Rua, Frente de Lutas por Moradia (FLM), Integração Sem Posse, Movimento dos Ambulantes de São Paulo (MASP), Movimento Nacional de Luta em Defesa dos Direitos da População de Rua (MNPR), Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Polis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM-SP).
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