terça-feira, fevereiro 28, 2006

O alfaiate da ‘Folha’

Muito do que passa por “análise” na imprensa brasileira não é mais que preconceito, executado por uma espécie de alfaiate maluco: primeiro faz o terno, depois quer recortar o freguês para enfiá-lo no modelo. Quem mora em São Luís do Maranhão sabe muito bem como é.
Mas nosso exemplo é da Folha de S.Paulo. Um dia desses Fernando Henrique Cardoso disse numa entrevista à Isto É que Lula tinha largado a classe média e agora só governava pensando em seduzir os pobres com paternalismo. Estes, deseducados e desinformados, nada sabendo de mensalão e assuntos afins, seriam os únicos responsáveis pela recuperação do presidente.
A Folha foi atrás, tentando provar “no campo” a teoria fernandista. O resultado saiu sob o chapéu “análise” na edição de ontem (26). Diz o seguinte, em resumo:
"Em 20 dias de fevereiro, Lula quase dobrou sua votação entre os mais ricos. .... O que explica a recuperação de Lula é o voto de quem recebe Bolsa-Família e/ou pertence a famílias em que a renda não passa de R$ 1.500, do Nordeste, do Centro-Oeste e do Norte. Do início de fevereiro para a semana que passou, a votação de Lula entre os mais "ricos" subiu de 16% para 31% no cenário em que disputa a reeleição com José Serra e Anthony Garotinho. Mas "ricos", no universo brasileiro, espelhado pelo Datafolha, são os eleitores das famílias com renda maior que R$ 3.000. Isto é, na maioria, integrantes da muito pequena classe média brasileira. Contribuem com cerca de apenas 1,5 ponto dos 39% que Lula tem contra o tucano e o peemedebista. Quando se divide o eleitorado entre beneficiários de Bolsa-Família (e seus parentes) e não-beneficiários (e que não conhecem beneficiados), constata-se que 70% dos votos que Lula colocou a mais na sua urna desde outubro de 2005 vieram do "eleitor Bolsa-Família". Se considerados em conjunto o programa social e as grandes regiões, observa-se que os votos agregados por Lula vieram em 40% dos casos do ‘eleitor Bolsa-Família’ do Nordeste.”
Essa pérola saiu com o chapéu ‘Análise’ e o título, vejam só, “Rendas e preços influenciam o eleitor mais do que a corrupção”, que dispensa comentários. Mas não esta única pergunta: por que o eleitor consciente motivado pelo tema corrupção deveria aborrecer-se somente com o PT, e não com o PSDB e o PFL também?
Agora examinemos o “terno” da Folha. Lula cresceu quase o dobro, 100%, entre os “mais ricos”. Também cresceu muito entre os eleitores bolsa-família. Para não atrapalhar a análise, o analista não nos diz quanto, mas pode estar certo de que aí não chegou a 70%. Logo, cresceu menos que entre os eleitores “mais ricos”, pouco importando se estes ganham R$ 3 mil ou R$ 30 mil. Importa que ganham mais que os pobres e não recebem bolsa-família.
Tampouco tem importância para a caracterização do perfil do “novo” eleitorado de Lula se os “mais ricos” são muitos ou poucos. Os bolsa-família são 70% dos novos eleitores porque há muitíssimo mais pobres do que ricos ou remediados no Brasil. E 40% são nordestinos porque há mais pobres no Nordeste do que nas outras regiões e porque Lula nunca deixou de ser o primeiro na região.
Como ficamos, então? Ficamos que Lula cresceu entre pobres e “ricos”, mais nos segundos que nos primeiros. Como os pobres são muito mais numerosos, porém, são eles a parcela decisiva. E por que voltaram para Lula?
É muito provável que a expansão do bolsa-família tenha influído bastante, porém isso só poderia ser apontado como causa única ou determinante se não houvesse recuperação do candidato entre os que não recebem a bolsa. Estando provado que entre os não-bolsistas o crescimento é ainda maior, pramode que o alfaiate maluco quer recortar o eleitorado de modo a caber na teoria fernandista?
Ora, de quê. Por amor ao preconceito de que os ricos ou “mais ricos” votam baseado em convicções, idéias, conceitos, razão. Mas os mais pobres, parece dizer o alfaiate, estes só tem barriga.


Escrito por WALTER RODRIGUES
No Blog do WR

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