Dança desconjuntada em Honolúlu[1]15/11/2011, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/MK16Ag01.html
O traçado geral de um acordo de comércio da parceria trans-Pacífico [ing. Trans-Pacific Partnership trade agreement] tornou-se o leitmotif da reunião de cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [ing. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)] do último fim de semana em Honolúlu, Havaí. Mas há ainda longa estrada a percorrer, até que se saiba se um acordo padrão platinum conseguirá desemaranhar o “noodle bowl”[2] de tratados de livre comércio na Ásia, ou se acabará por apenas acrescentar novos emaranhamentos à atual safra.
Mas, em termos imediatos, Honolúlu serviu a um objetivo: deu clareza ao estado atual das coisas, nas complicadas relações EUA-China-Rússia.
Em reuniões de alto nível, os estadistas reunidos quase sempre começam com ditos engraçados, como fez o presidente dos EUA Barack Obama, no sábado, ao sentar-se com o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev.
Obama disse que ouvira dizer que seu amigo “Dmitry” fora visto, numa camisa havaiana, “passeando e aproveitando o sol” em sua cidade natal, Honolúlu. Obama evidentemente relaxou, aliviado, no instante em que pousou os olhos na figura reconfortante de “Dmitry”. Estava saindo de dura reunião com o presidente Hu Jintao da China, ao qual, até nos momentos mais informais, Obama dirige-se como “Presidente Hu”, mesmo depois das nove reuniões que já houve entre os dois, nos últimos três anos. Também para Hu, “Barack” continuará a ser “Senhor presidente”.
O idioma dos contatos entre EUA, Rússia e China é revelador. No momento em que as relações EUA-China são vistas aos tropeços ultimamente, as coisas começam a melhorar para os russos. Moscou amargou várias frustrações durante o governo de George W Bush; Pequim relembra com nostalgia aqueles tempos. Agrada a Moscou que Obama manifeste “desejo não só de escutar, mas de ouvir os outros”, nas palavras, recentemente, do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.
Nada está acontecendo de especial entre EUA e Rússia, hoje, que explique a ‘camaradagem’ entre Obama e Medvedev. De fato, aconteceu algo de terrível e bem recentemente, quando Medvedev afastou-se e cedeu lugar a Vladimir Putin na disputa pelo Kremlin em 2012. Por mais que Obama tenha tentado, com a colaboração empenhada de seus aliados ocidentais, nada convenceu Medvedev de que a Rússia precisava muito dele, como líder no Kremlin, por outros seis anos.
Resultado impressionante
A retórica de que o século 21 seria o “século dos EUA no Pacífico” ofereceu pano de fundo sem precedentes aos movimentos de Obama no tour de nove dias pela região do Pacífico Asiático, planejado, perversamente, para ali plantar uma estratégia, à moda da Guerra Fria, para conter a China. Em vez disso, Honolúlu deixou bem à vista a impressionante interdependência que liga hoje EUA e China, que de modo algum se deixará modificar por estratégias arcaicas da Guerra Fria.
A relação econômica EUA-Rússia é dinheiro de bolso, comparada ao comércio Sino-Americano. A China pode soprar vida nova na economia norte-americana e talvez, até, tirá-la do fundo do poço, enquanto a economia russa, no máximo, dá conta dela mesma, nesses tempos duros. Os EUA não precisam do que os russos têm a oferecer de melhor – petróleo e gás –, mas petróleo e gás são como poções mágicas que podem garantir lastro de um trilhão de dólares nas relações Rússia-China.
Na sessão de perguntas e respostas com Obama, na Cúpula Comercial de autoridades [orig. APEC-CEO] e empresários, um dos pontos principais da agenda do presidente dos EUA em Honolúlu, ninguém nem se deu o trabalho de articular a palavra “Rússia”: foi só “China, China, China”. Os EUA das grandes corporações não morrem de desejo de matar a galinha dos ovos de ouro. O que querem desdobra-se em dois pontos: a China deve garantir maior acesso ao mercado chinês e a China deve garantir proteção aos direitos norte-americanos de propriedade intelectual.
Os principais empresários disseram a Obama que é preciso engajar a China. A Agência Reuters de notícias fez uma pesquisa com os empresários norte-americanos presentes à reunião com Obama; nada menos que 40% deles disseram que sua “maior oportunidade pontual de crescimento vem do aumento do poder de consumo” na China.
Apesar de tudo isso, os encontros de Obama com Medvedev e Hu também tiveram alguns traços comuns. Nem um dos dois encontros produziu qualquer resultado concreto. Obama disse à imprensa que Rússia e China continuarão a pressionar o Irã quanto ao programa nuclear, e que Medvedev e Hu concordaram com ele quanto ao problema. Mas, imediatamente depois da reunião, russos e chineses manifestaram posição completamente diferente dessa.
No instante em que a delegação russa decolou de Honolúlu, Lavrov disse à imprensa russa que o mais recente relatório da Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] sobre o Irã “nada contém de novo” e não ofereceu quaisquer novas provas de que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares.
Cáustico, Lavrov observou que o relatório da IAEA deixara a impressão de “acender paixões na opinião pública, preparando o terreno para a imposição de algum tipo de sanções unilaterais” contra o Irã. E repetiu que os russos opõem-se a qualquer nova sanção além das já impostas pela ONU e pelos EUA.
Assim também, em Pequim, na 2ª-feira, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China fez eco à rejeição de Lavrov, contra novas sanções. Disse: “Em termos simples, acreditamos que pressionar, inclusive impor cegamente sanções econômicas, não leva, de modo algum, ao efeito desejado. Numa abordagem de longo prazo, ainda desejamos resolver esse problema mediante o diálogo.”
Mais uma vez, Obama deu destaque à Síria como um dos “pontos problemáticos do mundo” que discutiu com Medvedev. Mas Medvedev, depois, só disse que discutiram a Síria no quadro “da situação no Oriente Médio” e Afeganistão.
E, dia seguinte, alto oficial militar russo confirmou que Moscou honrará todos os seus contratos militares com Damasco e advertiu contra uma “repetição do cenário líbio”, contra a Síria. Nem Obama nem Hu sequer se deram o trabalho de mencionar a Síria nos comentários sobre seus contatos.
Sacos de pancadas
O encontro Obama-Hu foi negociação dura. Privadamente, Obama falou em tom mais conciliador do que sua retórica sugere. Hu disse a Obama que a China não se deixará pressionar nem apressar na questão da moeda chinesa; que “a China avançará firmemente no processo da reforma do mecanismo da taxa de conversão da moeda, com o objetivo de garantir que haja um sistema de câmbio flutuante administrado de mercado ligado a uma cesta de moedas”.
Nas palavras de Obama, depois: “Quando basta, basta. Continuaremos firmes na posição de que a China tem de operar pelas mesmas regras, como o resto do mundo. Não queremos os chineses tirando vantagem dos Estados Unidos da América”.
Retórica à parte, porém, a mensagem de Honolúlu é, mais uma vez, que o relacionamento EUA-China é relacionamento muito complicado, mas é relacionamento de longo prazo, que promete ser mutuamente benéfico, e as negociações em Honolúlu deixam saldo que os dois lados ruminarão por muito tempo.
A questão é que surgiu um vetor completamente novo nas equações EUA-Rússia-China. Os russos perderam o lugar de saco de pancadas preferencial dos políticos norte-americanos em campanha eleitoral. O novo saco de pancadas, hoje, é a China.
Os políticos norte-americanos em campanha eleitoral tendem a esquecer todos os limites e dizem coisas horríveis; e Obama estará cada dia mais pressionado por Mitt Romney, seu possível oponente Republicano nas eleições de 2012, que o atrairá para uma mesma retórica muito violenta contra a China.
E ambos, Obama e Romney, já enfrentam dura disputa retórica contra Rick Perry, outro Republicano que disputa a indicação do partido: “Acho que o governo comunista chinês acabará na lata do lixo da história, se não mudarem suas virtudes.”[3]
Os russos devem estar aliviados: depois de cerca de 60 anos, já não são, afinal, o saco de pancadas sempre malhado nas campanhas eleitorais nos EUA. Nem por isso deram-se por seduzidos.
Pouco antes de deixar Washington rumo a Honolúlu, Obama anunciou que a Rússia será aceita como membro pleno da Organização Mundial de Comércio, em meados de dezembro. Provavelmente, Washington esperava algo em troca, sobre o Irã. Mas, no encontro, nada aconteceu.
Medvedev gentilmente agradeceu a Obama o “apoio ativo e interessado” na questão da OMC e até elogiou o governo Obama como o que mais apoiou a Rússia, em todos os tempos. Mas também falou da “necessidade de rejeitar a emenda Jackson-Vanik”, outra questão residual da era da Guerra Fria. Essa emenda nega o status de nação mais favorecida a países que não vivam sob economia de mercado e restrinjam a emigração.
Recentemente, Lavrov classificou o ‘reset’ das relações EUA-Rússia como “cooperação construtiva e pragmática”. Em entrevista, semana passada, lembrou que os mísseis de defesa continuam como forte ponto de problemas – “esse caso não anda. A completa recusa dos EUA a discutir qualquer coisa que possa vir a limitar os planos dos EUA nessa área (...) reforça nossa conclusão de que nenhum acordo será possível. Tentaremos continuar a negociar”.
Lavrov disse que, embora o governo Obama mova-se na direção do multilateralismo, ainda não superou um “desejo unilateralista de dominar em posição comum”, apesar de os EUA já não terem “nem os meios nem os recursos políticos e financeiros” e “estarem obrigados a formar blocos de apoio (...) [Mas os russos] não mais toleraremos aquela ambigüidade que penetrou a resolução sobre a Líbia. Os americanos entendem a nossa posição.”
Para Lavrov, “esse muito doloroso processo” de purgação conclusiva da pregação unipolar dos EUA “demorará décadas” para acabar.
O ministro chinês de Relações Exteriores da China muito provavelmente concordaria com o que disse o ministro russo de Relações Exteriores. Os encontros de Honolúlu mostraram que Rússia e China têm mais pontos em comum do que supunham. Fato é que os EUA não convidaram nem Rússia nem China para a iniciativa que levou à proposta de acordo de livre comércio da Parceria Trans-Pacífico que os EUA apresentaram em Honolúlu.
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http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/MK16Ag01.html
O traçado geral de um acordo de comércio da parceria trans-Pacífico [ing. Trans-Pacific Partnership trade agreement] tornou-se o leitmotif da reunião de cúpula de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico [ing. Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC)] do último fim de semana em Honolúlu, Havaí. Mas há ainda longa estrada a percorrer, até que se saiba se um acordo padrão platinum conseguirá desemaranhar o “noodle bowl”[2] de tratados de livre comércio na Ásia, ou se acabará por apenas acrescentar novos emaranhamentos à atual safra.
Mas, em termos imediatos, Honolúlu serviu a um objetivo: deu clareza ao estado atual das coisas, nas complicadas relações EUA-China-Rússia.
Em reuniões de alto nível, os estadistas reunidos quase sempre começam com ditos engraçados, como fez o presidente dos EUA Barack Obama, no sábado, ao sentar-se com o presidente da Rússia, Dmitry Medvedev.
Obama disse que ouvira dizer que seu amigo “Dmitry” fora visto, numa camisa havaiana, “passeando e aproveitando o sol” em sua cidade natal, Honolúlu. Obama evidentemente relaxou, aliviado, no instante em que pousou os olhos na figura reconfortante de “Dmitry”. Estava saindo de dura reunião com o presidente Hu Jintao da China, ao qual, até nos momentos mais informais, Obama dirige-se como “Presidente Hu”, mesmo depois das nove reuniões que já houve entre os dois, nos últimos três anos. Também para Hu, “Barack” continuará a ser “Senhor presidente”.
O idioma dos contatos entre EUA, Rússia e China é revelador. No momento em que as relações EUA-China são vistas aos tropeços ultimamente, as coisas começam a melhorar para os russos. Moscou amargou várias frustrações durante o governo de George W Bush; Pequim relembra com nostalgia aqueles tempos. Agrada a Moscou que Obama manifeste “desejo não só de escutar, mas de ouvir os outros”, nas palavras, recentemente, do ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.
Nada está acontecendo de especial entre EUA e Rússia, hoje, que explique a ‘camaradagem’ entre Obama e Medvedev. De fato, aconteceu algo de terrível e bem recentemente, quando Medvedev afastou-se e cedeu lugar a Vladimir Putin na disputa pelo Kremlin em 2012. Por mais que Obama tenha tentado, com a colaboração empenhada de seus aliados ocidentais, nada convenceu Medvedev de que a Rússia precisava muito dele, como líder no Kremlin, por outros seis anos.
Resultado impressionante
A retórica de que o século 21 seria o “século dos EUA no Pacífico” ofereceu pano de fundo sem precedentes aos movimentos de Obama no tour de nove dias pela região do Pacífico Asiático, planejado, perversamente, para ali plantar uma estratégia, à moda da Guerra Fria, para conter a China. Em vez disso, Honolúlu deixou bem à vista a impressionante interdependência que liga hoje EUA e China, que de modo algum se deixará modificar por estratégias arcaicas da Guerra Fria.
A relação econômica EUA-Rússia é dinheiro de bolso, comparada ao comércio Sino-Americano. A China pode soprar vida nova na economia norte-americana e talvez, até, tirá-la do fundo do poço, enquanto a economia russa, no máximo, dá conta dela mesma, nesses tempos duros. Os EUA não precisam do que os russos têm a oferecer de melhor – petróleo e gás –, mas petróleo e gás são como poções mágicas que podem garantir lastro de um trilhão de dólares nas relações Rússia-China.
Na sessão de perguntas e respostas com Obama, na Cúpula Comercial de autoridades [orig. APEC-CEO] e empresários, um dos pontos principais da agenda do presidente dos EUA em Honolúlu, ninguém nem se deu o trabalho de articular a palavra “Rússia”: foi só “China, China, China”. Os EUA das grandes corporações não morrem de desejo de matar a galinha dos ovos de ouro. O que querem desdobra-se em dois pontos: a China deve garantir maior acesso ao mercado chinês e a China deve garantir proteção aos direitos norte-americanos de propriedade intelectual.
Os principais empresários disseram a Obama que é preciso engajar a China. A Agência Reuters de notícias fez uma pesquisa com os empresários norte-americanos presentes à reunião com Obama; nada menos que 40% deles disseram que sua “maior oportunidade pontual de crescimento vem do aumento do poder de consumo” na China.
Apesar de tudo isso, os encontros de Obama com Medvedev e Hu também tiveram alguns traços comuns. Nem um dos dois encontros produziu qualquer resultado concreto. Obama disse à imprensa que Rússia e China continuarão a pressionar o Irã quanto ao programa nuclear, e que Medvedev e Hu concordaram com ele quanto ao problema. Mas, imediatamente depois da reunião, russos e chineses manifestaram posição completamente diferente dessa.
No instante em que a delegação russa decolou de Honolúlu, Lavrov disse à imprensa russa que o mais recente relatório da Agência Internacional de Energia Atômica [ing. International Atomic Energy Agency (IAEA)] sobre o Irã “nada contém de novo” e não ofereceu quaisquer novas provas de que o Irã esteja desenvolvendo armas nucleares.
Cáustico, Lavrov observou que o relatório da IAEA deixara a impressão de “acender paixões na opinião pública, preparando o terreno para a imposição de algum tipo de sanções unilaterais” contra o Irã. E repetiu que os russos opõem-se a qualquer nova sanção além das já impostas pela ONU e pelos EUA.
Assim também, em Pequim, na 2ª-feira, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China fez eco à rejeição de Lavrov, contra novas sanções. Disse: “Em termos simples, acreditamos que pressionar, inclusive impor cegamente sanções econômicas, não leva, de modo algum, ao efeito desejado. Numa abordagem de longo prazo, ainda desejamos resolver esse problema mediante o diálogo.”
Mais uma vez, Obama deu destaque à Síria como um dos “pontos problemáticos do mundo” que discutiu com Medvedev. Mas Medvedev, depois, só disse que discutiram a Síria no quadro “da situação no Oriente Médio” e Afeganistão.
E, dia seguinte, alto oficial militar russo confirmou que Moscou honrará todos os seus contratos militares com Damasco e advertiu contra uma “repetição do cenário líbio”, contra a Síria. Nem Obama nem Hu sequer se deram o trabalho de mencionar a Síria nos comentários sobre seus contatos.
Sacos de pancadas
O encontro Obama-Hu foi negociação dura. Privadamente, Obama falou em tom mais conciliador do que sua retórica sugere. Hu disse a Obama que a China não se deixará pressionar nem apressar na questão da moeda chinesa; que “a China avançará firmemente no processo da reforma do mecanismo da taxa de conversão da moeda, com o objetivo de garantir que haja um sistema de câmbio flutuante administrado de mercado ligado a uma cesta de moedas”.
Nas palavras de Obama, depois: “Quando basta, basta. Continuaremos firmes na posição de que a China tem de operar pelas mesmas regras, como o resto do mundo. Não queremos os chineses tirando vantagem dos Estados Unidos da América”.
Retórica à parte, porém, a mensagem de Honolúlu é, mais uma vez, que o relacionamento EUA-China é relacionamento muito complicado, mas é relacionamento de longo prazo, que promete ser mutuamente benéfico, e as negociações em Honolúlu deixam saldo que os dois lados ruminarão por muito tempo.
A questão é que surgiu um vetor completamente novo nas equações EUA-Rússia-China. Os russos perderam o lugar de saco de pancadas preferencial dos políticos norte-americanos em campanha eleitoral. O novo saco de pancadas, hoje, é a China.
Os políticos norte-americanos em campanha eleitoral tendem a esquecer todos os limites e dizem coisas horríveis; e Obama estará cada dia mais pressionado por Mitt Romney, seu possível oponente Republicano nas eleições de 2012, que o atrairá para uma mesma retórica muito violenta contra a China.
E ambos, Obama e Romney, já enfrentam dura disputa retórica contra Rick Perry, outro Republicano que disputa a indicação do partido: “Acho que o governo comunista chinês acabará na lata do lixo da história, se não mudarem suas virtudes.”[3]
Os russos devem estar aliviados: depois de cerca de 60 anos, já não são, afinal, o saco de pancadas sempre malhado nas campanhas eleitorais nos EUA. Nem por isso deram-se por seduzidos.
Pouco antes de deixar Washington rumo a Honolúlu, Obama anunciou que a Rússia será aceita como membro pleno da Organização Mundial de Comércio, em meados de dezembro. Provavelmente, Washington esperava algo em troca, sobre o Irã. Mas, no encontro, nada aconteceu.
Medvedev gentilmente agradeceu a Obama o “apoio ativo e interessado” na questão da OMC e até elogiou o governo Obama como o que mais apoiou a Rússia, em todos os tempos. Mas também falou da “necessidade de rejeitar a emenda Jackson-Vanik”, outra questão residual da era da Guerra Fria. Essa emenda nega o status de nação mais favorecida a países que não vivam sob economia de mercado e restrinjam a emigração.
Recentemente, Lavrov classificou o ‘reset’ das relações EUA-Rússia como “cooperação construtiva e pragmática”. Em entrevista, semana passada, lembrou que os mísseis de defesa continuam como forte ponto de problemas – “esse caso não anda. A completa recusa dos EUA a discutir qualquer coisa que possa vir a limitar os planos dos EUA nessa área (...) reforça nossa conclusão de que nenhum acordo será possível. Tentaremos continuar a negociar”.
Lavrov disse que, embora o governo Obama mova-se na direção do multilateralismo, ainda não superou um “desejo unilateralista de dominar em posição comum”, apesar de os EUA já não terem “nem os meios nem os recursos políticos e financeiros” e “estarem obrigados a formar blocos de apoio (...) [Mas os russos] não mais toleraremos aquela ambigüidade que penetrou a resolução sobre a Líbia. Os americanos entendem a nossa posição.”
Para Lavrov, “esse muito doloroso processo” de purgação conclusiva da pregação unipolar dos EUA “demorará décadas” para acabar.
O ministro chinês de Relações Exteriores da China muito provavelmente concordaria com o que disse o ministro russo de Relações Exteriores. Os encontros de Honolúlu mostraram que Rússia e China têm mais pontos em comum do que supunham. Fato é que os EUA não convidaram nem Rússia nem China para a iniciativa que levou à proposta de acordo de livre comércio da Parceria Trans-Pacífico que os EUA apresentaram em Honolúlu.
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NOTAS
[1] Orig. A thee-way waltz in Honolulu. Sobre a expressão, que não conseguimos traduzir, consultas distribuídas pelo planeta nos levaram às que nos parecem a melhor explicação e à melhor tradução de todas que recebemos e pelas quais muito agradecemos:
[1] Orig. A thee-way waltz in Honolulu. Sobre a expressão, que não conseguimos traduzir, consultas distribuídas pelo planeta nos levaram às que nos parecem a melhor explicação e à melhor tradução de todas que recebemos e pelas quais muito agradecemos:
“Uma three-way waltz é uma valsa descompassada, onde um parceiro imprevisto aparece na dança. Em thee-way waltz, vê-se uma grafia onomatopaica de “th(r)ee” – que se explica, porque os chineses não conseguem articular o fonema [th] do inglês, sobretudo se seguido do fonema [r]. (Atenção: Não confundir com thee, forma arcaica do pronome da 2ª. pessoa do discurso, que aparece em orações, hinos religiosos e na Bíblia do rei James, em inglês, em todas as declinações: thou, thy ou thine e thee). Os anglo-saxões costumam coloquialmente dizer, quando há intromissões e mesmo nos conflitos diplomáticos provocados por ingerência alheia, que “valsas e tangos só se dançam a dois”. Eu traduziria o título do artigo - deve estar ótimo, porque o que se passou no Havaí é importantérrimo - como “Dança desconjuntada em Honolúlu”.
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[2] Orig. “noodle bowl”. Literalmente (port. Br.) “cumbuca de macarrão instantâneo”, “miojo”; muitíssimo ‘enrolado’ e ‘emanhadado’. No campo dos tratados de livre comércio, a expressão aparece em The Economist, em 2009: “Os que acompanham a mania asiática por acordos de livre comércio referem-se à superposição de vários tratados como “um noodle bowl”. Para ‘ver’ o ‘emaranhado’ de tratados, há bom infográfico em http://www.economist.com/node/14384384 [NTs]
[3] Orig. “I happen to think that the communist Chinese government will end up on the ash heap of history if they do not change their virtues." A expressão “ash heap of history” tem longa história nos EUA. Apareceu em 1982, em discurso de Reagan: “freedom and democracy will leave Marxism and Leninism on the ash heap of history” [liberdade e democracia deixarão o marxismo e o leninismo para a lata de lixo da história], que Rick Perry repetiu agora, citando a fonte (12/11/2011, em http://www.nationaljournal.com/cbs-nj-foreign-policy-debate/perry-s-rambling-remarks-on-china-china-should-change-its-virtues-video-20111112). (Mais sobre a expressão em http://en.wikipedia.org/wiki/Ash_heap_of_history, em inglês) [NTs]