segunda-feira, abril 03, 2006

Política externa visa a superar vulnerabilidades

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, - secretário-geral das Relações Exteriores desde 2003 -, apresentou sua “visão de mundo”, neste sábado, durante a Conferência Petista de Relações Internacionais, para fundamentar o argumento de que “a política externa do governo Lula é um instrumento para a superação das disparidades internas e as vulnerabilidades externas do Brasil”.

A Conferência acontece, desde ontem (31), na Associação dos Oficiais da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

De modo bastante didático, e grosso modo, o embaixador pontuou as principais características do sistema internacional, hoje, demonstrando o potencial do Brasil dentro desta ordem e as características que levam ao atraso do país. As prioridades da política externa do atual governo foram, então, contextualizadas no raciocínio, de modo a demonstrar como o presidente Lula pretende reduzir os fatores que barram o desenvolvimento e avanço do país na ordem internacional.

Guimarães apontou as concentrações econômica, militar e de poder político, além da reorganização territorial, como características que definem o funcionamento do sistema internacional e submetem os Estados nacionais que não dispõem de participação relevante nesta ordem. Neste sentido, o esforço do governo brasileiro, na esfera internacional, teria o objetivo de angariar apoio de parceiros para aumentar seu poder político e atuar com o objetivo de reorganizar-se regionalmente para a formação de um bloco integrado de economias e nações. Além das políticas que visam a geração de renda para incluir os dois terços da população, pelo menos, que não faz parte do mercado de consumo nacional.

Potencial
O embaixador procurou definir o Brasil como um “grande” país da periferia internacional, como são grande os EUA e a China. Para justificar este tamanho, ele apontou o território e suas reservas naturais, a população e seu potencial de consumo e produção, e o Produto Interno Bruto (PIB), também considerado grande em relação a outros países em desenvolvimento. Estes seriam trunfos que colocam o Brasil em situação vantajosa em relação ao Japão, - com forte dependência territorial -, e ao Canadá, - com uma vulnerabilidade populacional que impede um crescimento maior de seu mercado interno e de sua capacidade produtiva. “Nossas possibilidades não são as mesmas do Chile, que tem o tamanho de Ribeirão Preto [município do interior de São Paulo]. O que serve para eles não serve para nós”, alertou.

O volume populacional também é capaz de expor uma estatística maior de pessoas excepcionalmente bem dotadas cientificamente. “Não se trata de um fator trivial. Das dez milhões de crianças que participaram da última Olimpíada de Matemática no Brasil, 300 foram consideradas intelectualmente superdotadas”, disse. Da mesma forma, Guimarães afirma que conhecemos apenas 10% de nosso território do ponto de vista dos recursos naturais disponíveis. “Na Dinamarca não se descobre nada, porque o território já é exaustivamente conhecido”, comparou. O Brasil tem a quinta maior reserva de urânio do mundo, conta ele, que enriquecido, é capaz de gerar energia para um eventual grande desenvolvimento econômico.

Por outro lado, a disparidade de propriedade, - com poucas famílias detendo a maior parte da riqueza do Brasil -, além de vulnerabilidades externas “crônicas”, dificultam o desenvolvimento do país, apesar de suas potencialidades físicas. Ele aponta, ainda, disparidades de origem étnica, cultural, de gênero, entre outras, que impossibilitam a produtividade e a capacidade de consumo de populações analfabetas, negras, das mulheres, e tantos outros grupos excluídos historicamente. Políticas afirmativas e programas de geração de renda teriam o objetivo de reduzir estas vulnerabilidades internas, ainda que de modo insuficiente, na opinião do embaixador.

Fragilidades
Mas as vulnerabilidades externas teriam um impacto significativo no posicionamento do Brasil na economia e na política internacional. “O Brasil está num momento favorável, mas continua vulnerável aos movimentos da taxa de juros dos Estados Unidos, que pode reduzir o ingresso de capitais”, exemplificou. A produção de tecnologia, conhecimento e informação também são fragilidades do Brasil, assim como o poder político internacional. “Não participamos dos grandes centros de decisão política, como o Conselho de Segurança da ONU”, citou.

“A não ser que acreditemos que o mundo é pacífico, não há justificativa para nossa vulnerabilidade militar. Quem diz que nossa região é pacífica, portanto não demanda tanta defesa quanto outras regiões do mundo, está querendo nos desarmar”, alertou Guimarães. Para ele, não se trata apenas de ter importância militar num mundo coberto por conflitos militares, inclusive na América do Sul, ou de ter capacidade de se defender. Desde o início de sua exposição, o embaixador brasileiro apontou o caráter belicoso do avanço tecnológico e científico. São as Forças Armadas que patrocinam este avanço, conforme lembra ele, mencionando o surgimento da internet e da informática.

Ele citou o modo como as verbas para a Defesa, em países desenvolvidos, servem para financiar, sem assumir um caráter de subsídio público, a indústria de calçados para milhares de soldados ou as grandes encomendas de veículos e aviões militares. “É a poderosa força militar dos EUA, Inglaterra e França, que financiam grande parte de sua indústria”, resumiu. O poderio militar dos EUA, acentua o embaixador, é maior que dos dez outros países militarmente mais poderosos depois dele. Este país tem a maior rede de bases militares terrestres espalhada pelo globo, sem mencionar as bases militares em território marítimo e espacial. “Durante a guerra das Malvinas, os satélites americanos ofereciam imagens privilegiados do conflito para a Inglaterra derrotar a Argentina”, contou. Os EUA também gastam cerca de US$ 36 bi com atividades de informação e espionagem. “Toda a internet mundial está sob rigoroso controle da Agência Nacional de Segurança e seus poderosos computadores”, citou.

Segundo o embaixador, uma característica do atraso do país, que mudou com a eleição de Lula, é que “parte” da máquina de controle político do país não esta nas mãos das classes da estrutural tradicional. Além de enfatizar que se trata apenas de “parte” da máquina, Guimarães atenta para o fato de haver um forte movimento na elite nacional para “expelir” essa força política da parte do controle do sistema político que ocupa, numa referência à atual crise política mantida pela oposição e à geração de escândalos na mídia. “Está muito enganado quem acha que o PT está no controle político. Certamente não visitou certos prédios de Brasília”, ironizou.

Um grande desafio do governo Lula, na opinião do expositor, seria transformar o Brasil de uma plutocracia para uma democracia, de um poder político determinado pela força econômica para uma determinação mais participativa da sociedade. “A política externa do governo Lula não está aí para lutar por objetivos abstratos como a Paz e a cooperação internacional, mas para servir de instrumento à superação das disparidades e vulnerabilidades do país”, definiu. Um exemplo destes objetivos concretos é o esforço pelo progresso da região. “O Brasil não vai a lugar nenhum sem o progresso da Argentina, do Uruguai, da Bolívia”, falou. Num mundo multipolar, em que os blocos se impõem aos países isolados, as alianças do Brasil fariam muita diferença. “Vamos ter o apoio destes países para reduzir nossa vulnerabilidade política e nos proteger, quando precisarmos”, disse Guimarães, citando as obras de infra-estrutura que o Brasil financia na América Latina, assim como os programas de combate à aids, a cooperação agrícola e as soluções de educação e assistência social, que o Brasil patrocina em dezessete países africanos.

Transformar as relações tradicionais que o Brasil estabelece com EUA e Europa também é uma tarefa da política internacional do governo Lula. Guimarães lembrou que os EUA ainda são o país mais importante para o Brasil, seja do ponto de vista cultural, quando da maioria dos investimentos externos que chegam ao país. Vinte por cento das exportações brasileiros são para aquele país. O intercâmbio científico e cultural entre os países também é muito forte. “Mas o Brasil tem defendido com firmeza, mas sem gritaria, suas posições nos organismos internacionais para alteração as relações de subordinação para respeito. Queremos que estas relações venham ajudar o Brasil e não criar obstáculos desnecessariamente. Estes governos só respeitam Estados que se respeitam”, concluiu.

Cezar Xavier, do Portal do PT