domingo, abril 16, 2006
17 de abril: Dia Internacional de Luta Camponesa *
Ano V - nº 113
quinta-feira, 13 de abril de 2006
17 de abril: Dia Internacional de Luta Camponesa *
"Eles chegaram dos dois lados e nós ficamos no meio. Não tínhamos condição de fazer nada. Um monte de policiais armados com fuzil e metralhadoras!", Avelino Germiniano, 51 anos, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás.
"Quando os ônibus de Marabá chegaram com os policiais, já desceram e deram uma rajada para cima. Achamos que era só para nos intimidar. Começamos a gritar palavras de ordem. Tinha um companheiro surdo-mudo, ele não entendeu nada e foi em direção aos policiais, o finado Amâncio. Ele foi o primeiro que caiu", Miguel Pontes da Silva, 42 anos, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás.
"Levei uma pancada no pescoço e senti o sangue escorrendo nas minhas costas. No momento não percebi se era por causa da pancada ou se foi bala. Quando cheguei no barraco, meus filhos estavam agoniados. Coloquei eles nos braços e ainda carreguei mais dois filhos alheios. Cada dia que eu relembro aquilo parece que estou vivendo tudo de novo", Dalgisa Dias de Sousa, 50 anos, sobrevivente do Massacre de Eldorado dos Carajás.
Caros amigos e amigas do MST,
Na próxima segunda-feira, 17 de abril, completam 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás (PA). Naquele dia, três mil Sem Terra ocuparam a rodovia PA-150 e estavam em caminhada em direção a Marabá para exigir a desapropriação da Fazeda Macaxeira, conhecido latifúndio improdutivo da região. Eles foram cercados por duas tropas de militares, que abriram fogo para cumprir a ordem do governador do Pará na época, Almir Gabriel (PSDB), de desobstruir a pista a qualquer custo. Os policiais saíram dos quartéis de Parauapebas e Marabá sem identificação na farda e no armamento e avisaram os médicos e ambulâncias para ficarem de plantão!
A história do Massacre todos conhecem. A violência sem limites deixou oficialmente 19 trabalhadores mortos. Outros três morreram depois em conseqüência das seqüelas. Até hoje, não se tem certeza se o número corresponde à realidade. "Eu acho que morreram mais de cem pessoas. Eu queria saber sobre as crianças e as mulheres que estavam lá. Nenhuma apareceu, só os homens. Muita gente diz que viu um caminhão e um carro pequeno, cobertos de lonas pretas e sangue, descendo para o sentido de Xinguara", lembra José Carlos Agarito, de 27 anos.
Agarito e os demais sobreviventes vivem hoje no assentamento 17 de abril: Mártires de Carajás. Foi preciso sacrifício humano para que o Incra reconhecesse a improdutividade da Fazenda Macaxeira. Entre os assentados estão 70 pessoas que ficaram gravemente feridas. Até hoje elas recebem assistência médica precária e ainda não foram indenizadas. Junto com as 13 viúvas, elas aguardam o resultado do processo na Justiça.
Sob essa mesma lei, três julgamentos do Massacre foram realizados. Nenhum dos 142 soldados envolvidos no caso foi punido. Os dois comandantes responsáveis pela operação, coronel Mário Colares Pantoja e major José Maria Pereira de Oliveira, apesar de condenados a 264 anos pelo júri popular, aguardam em liberdade o julgamento de recursos no Superior Tribunal de Justiça.
Nesse meio tempo, alguns policiais envolvidos também participaram do assassinato de dois líderes do MST na região, Fusquinha e Doutor, junto com fazendeiros de Parauapebas. O processo está parado até agora.
Essa impunidade nos crimes contra os pobres do campo e da cidade sempre existiu e continua. Apenas no ano passado, outras 19 pessoas foram assassinadas no mesmo Pará que deixou soltos Pantoja, Oliveira e Almir Gabriel.
As causas dessa situação todos nós sabemos. De um lado, a manutenção de uma estrutura injusta da propriedade da terra, que faz com que apenas 26 mil grandes proprietários - que representam menos de 1% do universo de cinco milhões de agricultores, sejam donos de 46% de todas as terras do Brasil. De outro lado, o Estado, no que representa dos três poderes, gerido pelos interesses econômico da classe latifundiária, agora cada vez mais macomunada com as trasnacionais e com o capital estrangeiro. Com ele, a manutenção de um modelo excludente, neoliberal, que impede um projeto de desenvolvimento nacional a favor do povo, onde teria vez uma verdadeira Reforma Agrária.
Nesses dez anos, o MST continuou sua luta. Fizemos duas grandes marchas. Uma em 1997, que chegou a Brasília com três colunas das três regiões, depois de caminhar 1500 quilômetros, e sensibilizou a sociedade brasileira. Foi a primeira grande manifestação unitária de milhares de brasileiros contra o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.
Mais recentemente realizamos uma nova Marcha Nacional. Em maio de 2005, saímos de Goiânia em direção a Brasília. Caminhamos 256 quilômetros, com 12.700 pessoas. Na capital federal, fomos recebidos com honra e mérito pelo governo, que assumiu sete compromissos com a Reforma Agrária e os movimentos camponeses.
Voltamos para casa felizes, mas nenhum desses compromissos foi honrado. Mais de 150 mil famílias de diversos movimentos continuam acampadas em todo o país. A portaria que atualiza os índices de produtividade – os atuais se referem a 1975 - continua sendo olimpicamente ignorada pelo governo Lula.
Exigimos do governo federal que honre sua própria palavra e assinatura, que cumpra com os acordos que faz com os movimentos camponeses. Tão zeloso que é a cumprir acordos com os latifundiários, com o Fundo Monetário Internacional e com os partidos conservadores...
Com a força da comunidade do Assentamento 17 de abril, que abriga 690 famílias em 18 mil hectares da ex-Fazenda Macaxeira, convocamos a sociedade civil a se juntar a nós em atos, marchas e protestos que acontecerão em 23 estados do país.
"Se nos calarmos, as pedras terão que gritar" (Pedro Tierra, poeta)
Forte abraço,
Secretaria Nacional do MST
* O dia 17 de abril foi instituído pela conferência da Via Campesina Internacional como Dia Mundial de Luta Camponesa, em homenagem aos mártires de Eldorado dos Carajás. Em todo mundo acontecem manifestações nesta data. Na mesma época, por iniciativa da ex-senadora Marina Silva, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto reconhecendo 17 de abril como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.