sábado, janeiro 14, 2006
TESTE PARA LEITORES DE VEJA
Quais as semelhanças entre Kucinski e Mainardi?
Alberto Dines
Não existem. Impossível comparar matérias organicamente diferentes e esferas moralmente antagônicas. Decência e indecência são palavras assemelhadas, têm a mesma raiz, mas o minúsculo prefixo as remete para significados diametralmente opostos.
Um observador da imprensa honesto, profissionalmente competente, intelectualmente respeitado, íntegro, corajoso não pode ser comparado com um carona do jornalismo, apalhaçado, oportunista, pusilânime, que se assume como macartista (portanto, delator) e não se importa em afirmar que só opina mediante pagamento.
A entrevista que Bernardo Kucinski deu à Agência Repórter Social está há vários dias em todos os jornais, colunas políticas, portais e sites da internet. Pode-se discordar dela quando arrasa a política de comunicação do presidente Lula ou quando denuncia o preconceito da imprensa contra ele. Mas o teor e compromissos do "manifesto" de Kucinski são basicamente construtivos e idealistas: ele acredita no jornalismo, quer melhorar a qualidade dos nossos jornalistas e, sobretudo, quer impedir – junto com tantos outros – que a imprensa seja manipulada por interesses políticos e econômicos capazes de criar impasses institucionais.
Mainardi quer denegrir e avacalhar nosso jornalismo, quer colocar nossos jornalistas sob suspeição e, em cima dos escombros que imagina produzir, apresentar-se como salvador da pátria. Até agora só conseguiu aparecer no semanário da Editora Abril. Nas principais redações do país tornou-se alvo de chacota tão logo se evidenciou que aquela alcagüetagem desenfreada servia apenas às suas idiossincrasias pessoais (nem sempre as mais desinteressadas).
Bernardo Kucinski é um veterano jornalista, correspondente internacional de jornais ingleses e brasileiros, professor universitário e há muito empenhado em discutir o desempenho da imprensa. Para melhorá-la, para evitar que os seus vícios a deformem definitivamente. Não teve receio de arriscar o seu cargo no governo e disse o que pensava. Ganhou o respeito de todos, inclusive dos que eventualmente discordam dele.
Iconoclasta das moedinhas
Alguém soprou para Mainardi o adjetivo "iconoclasta" e ele achou que é o que lhe convém na futura biografia. Por isso reagiu tão enfezado quando este Observador mostrou que não passa de um iconófilo, adorador de imagens, sobretudo aquelas onde se vê incensado, irresistível [ver "O flagrante de uma extorsão"].
Não percebeu que o verdadeiro ceticismo e o genuíno senso crítico são opções que impõem sacrifícios. Ir contra a corrente, além de competência, demanda uma disposição de abdicar, abrir mão. A iconoclastia não pode ser remunerada. É uma escolha integral. Não convive com moedinhas.
Karl Kraus, considerado o patriarca da crítica da imprensa, recusou um dos melhores empregos na imprensa vienense no fim do século 19 para fundar o seu próprio jornal (Die Fackel, A Tocha), que dirigiu e escreveu praticamente sozinho ao longo de três décadas.
A trajetória de Bernardo Kucinski como crítico da mídia remonta aos tempos em que a imprensa aceitava a autocensura (em alguns casos com visível prazer). Por isso engajou-se na imprensa alternativa. Algumas de suas famosas "Cartas Ácidas" foram reproduzidas e discutidas neste Observatório.
Diogo Mainardi será capaz de transcrever na próxima Veja as críticas que Kucinski fez ao comportamento da imprensa ou aproveitará apenas a parte que lhe convém? Afinal conseguirá pensar e escrever como jornalista ou prosseguirá na sua patética exibição de baixaria e rancor?
Aguardem.
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