domingo, dezembro 25, 2005


América Latina 2006

O ano de 2006 já começou para a América Latina, com a eleição de Evo Morales como presidente da Bolívia, o acontecimento mais importante da história desse país e um das mais importantes do continente. O longo ciclo de dez eleições presidenciais segue com o segundo turno da eleição chilena, em que deve se confirmar - embora com dificuldades - a eleição de Michele Bachelet como primeira mulher presidente do Chile, dando continuidade ao quarto mandato seguido da aliança entre os socialistas e os democrata-cristãos.
Se a eleição da Costa Rica, em fevereiro, não deve apresentar novidade, a do México, em julho de 2006, em um único turno, promete ser das mais importantes do ano, junto com a brasileira. Depois de ter tido sua vitória literalmente roubada - segundo confissão nas memórias do ex-presidente, Miguel de la Madrid, do PRI -, em 1988, de Cuahutemoc Cardenas, o Partido da Revolução Democrática (PRD) é de novo favorito para eleger o presidente do México.
O ex-governador do Distrito Federal, Andrés Manoel Lopez Obrador, está em primeiro lugar nas pesquisas, na frente de um ex-ministro do presidente Vicente Fox, do PAN, e do mesmo candidato do PRI que concorreu na eleição anterior. Caso ganhe Lopez Obrador, se ampliará o campo de alianças para a integração latino-americana. Mesmo sem sair do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o hoje candidato do PRD se aproximaria do Mercosul e dos outros projetos de integração continental, aumentando ainda mais o isolamento dos EUA na América Latina.
Na Colômbia, depois de conseguir uma reforma eleitoral que introduziu a reeleição, o conservador Álvaro Uribe é favorito para seguir no governo, com o apoio irrestrito do governo de Bush, intensificando a guerra contra as organizações guerrilheiras, embora a oposição a seu governo tenha crescido, a ponto de ele ter perdido um plebiscito e nas eleições municipais tenham sido eleitos candidatos opositores, inclusive na capital, Bogotá.
No Peru, um candidato nacionalista surpreende e se aproxima de uma candidata empresarial, conservadora, que até ali liderava as pesquisas, na eleição presidencial de abril de 2006. Na Nicarágua, a os sandinistas tem uma nova oportunidade de retornar ao governo, seja na versão oficial de Daniel Ortega, seja na dissidente do prefeito de Manágua, Herty Lewites.
A eleição equatoriana, de outubro é uma incógnita. Depois de eleito com o apoio dos movimentos camponês e indígena daquele país, antes mesmo de tomar posse Lúcio Gutierrez assinou, nos EUA, acordos com o governo estadunidense que feriam diretamente sua própria plataforma eleitoral. Não demorou para que esses movimentos rompessem com o governo, pagando no entanto o preço de não haver construído sua própria alternativa, dividindo-se, com alguns setores minoritários permanecendo no governo. O quadro eleitoral ainda não está desenhado, mas os partidos tradicionais, que tiveram depostos seus últimos três presidentes eleitos por mobilizações sociais, podem voltar ao governo.
No Brasil se decide muito do futuro da América Latina. A política externa brasileira colocou o país como eixo de uma ampla aliança, que vai de Cuba e da Venezuela por um lado, até a Argentina e o Uruguai, incorporando agora certamente a Bolívia. A continuidade dessa política permitirá, agora com um campo mais amplo de ação - incluindo a Bolívia e eventualmente o México e o Peru - permitirá consolidar o única espaço de integração em escala internacional com autonomia em relação aos EUA. Um eventual retorno da aliança tucano-pefelista representará não apenas uma eventual desarticulação dessa aliança ampla, com a desaparição do seu eixo, como significará, para os EUA, a conquista de um aliado importante, que romperá seu isolamento, depois que o fracasso do governo de Vicente Fox fez fracassar a aposta que faziam no ex-gerente geral da Coca-Cola como seu principal aliado no continente.
As declarações de FHC, saindo de reuniões em Washington, com próceres do governo dos EUA, criticando a Venezuela, soam como música aos ouvidos do governo Bush e revelam o papel que essa aliança direitista teria num eventual retorno ao governo, no plano internacional. Os alvos principais da política externa seriam os ataques à Venezuela, a Cuba e à Bolívia, para isolá-los, assim como à Argentina - onde Nestor Kirchner tem boa chance de se reeleger, em abril de 2007, fechando o ciclo eleitoral aberto em dezembro de 2005, o mesmo acontecendo com Hugo Chávez, em dezembro de 2006.
O certo é que a América Latina será outra depois desse ciclo eleitoral, mais integrada e progressista ou dividida e conservadora, com o fortalecimento do governo Bush no continente. É um ano longo, que vai de dezembro de 2005 até abril de 2007, em que as eleições do México e - principalmente - do Brasil, serão as mais decisivas.

Emir Sader

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