http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=581JDB001 Por Washington Araújo em 16/3/2010 | |
A palavra chave dos mágicos é Abracadabra, a senha usada pelo Ali-Babá é Abre-te Sésamo e para que as pessoas fiquem imóveis, como se estivessem congeladas, éMandrake. Os velhos exorcistas consagraram a expressão infalível: Vade retro, Satanás! Mas, para que os bem fornidos meios de comunicação do país entrem em polvorosa, tenham urticárias e passem a delirar em transe quase mágico basta apenas que escutem três palavrinhas: Controle social da mídia! E já será mais que suficiente para que o salseiro se instale de forma imediata e generalizada. Então fica combinado: a sociedade não pode controlar a mídia, mas a mídia pode ser controlada por apenas seis famílias. E os direitos das famílias nem precisam ser defendidos por estas, basta apenas escalar dois ou três jornalistas do jornal ou da revista para demonizar a expressão e, em conseqüência, o prenúncio do debate. Nas emissoras de televisão, é suficiente que jornalistas do alto de suas bancadas – para que não caia no esquecimento a cínica expressão do Boris Casoy – assestem suas baterias contra quem se atreva a questionar o direito semidivino de apenas seis famílias controlarem integralmente os mais assistidos, lidos, ouvidos e acessados veículos de comunicação no Brasil. O que poderia ser um saudável debate sobre a qualidade do jornalismo que desfrutamos vem se transformado em cinismo explícito, em tortuosas argumentações para mascarar o controle social da mídia pela censura mais hedionda, superior à praticada em regimes totalitaristas de direita e de esquerda. Podem não ter ideais, mas conhecem muito bem o poder aglutinador que os ativos financeiros têm sobre a tropa que, de elite, é sempre bem sucedida no intento de confundir liberdade de expressão com liberdade de pressão, pura e simples. Letra da lei Não precisamos ir muito longe. Como as duas principais revistas semanais de informação do país retrataram o fórum "Democracia e liberdade de expressão", promovido em 1/3/2010 pelo Instituto Millenium, em São Paulo? A revista Veja (edição 2155, de 10/3/2010) escolheu um ultimato para titular a matéria: "Liberdade não se negocia". E o incauto leitor da semanal poderia comprar gato por lebre se ficasse apenas na manchete: afinal, cara pálida, quem está mesmo querendo negociar a liberdade? O texto diz a que veio logo em sua abertura: O texto de Veja é de quem deseja única e exclusivamente interditar o debate sobre liberdade de expressão para, mantendo as coisas como estão, a população possa se servir tão somente do prato feito, aquele prato que não respeita a diversidade de pensamento, que não admite outras visões da vida nem do mundo e muito menos da sociedade que lutamos por construir. Logo a seguir vemos irromper o pensamento sempre beligerante e autoritário dos que demonstram pouco ou nenhum apreço pela liberdade de expressão. Eis o que escreveu Veja: Mercado onipresente Para desempenhar sua missão constitucional, o Estado necessita prover o debate arejado e em escala nacional de forma a que a população possa ser ouvida e não apenas os proprietários dos meios de comunicação. É fato que muitos podem falar e poucos podem ser ouvidos. É nessa ótica encampada entusiasticamente por Veja que vem se demonizando no país qualquer iniciativa que busque moralizar minimamente a mídia brasileira. Propor regulamentação ou discorrer sobre a necessidade de autorregulamentação do exercício jornalístico por parte das empresas de comunicação é sempre rotulado como censura. E assim, ironicamente, querendo defender o indefensável, todo o debate passa a ser sumariamente censurado. Serve-se a censura em altas doses, uma censura acobertada pelo extenso manto em que se aninha o bem a ser defendido: a liberdade de expressão. Com espadas em punho logo na abertura da matéria não seria demais esperar algumas pérolas de cinismo, como essas: Uma vez mais a inversão da história: os tais que "avaliaram os riscos reais que o radicalismo oferece à democracia no Brasil" foram os mais radicais e fizeram a mais dura pregação contra a liberdade de expressão do Brasil. E para isso contaram com os meios mais aptos a potencializar sua própria ideologia: a do Deus-Mercado acima de tudo e de todos, em baixo, em cima e no meio. É a velha história de que os radicais são os outros, os censores são os outros – ou, como dizia Jean-Paul Sartre, o inferno são os outros. Termos de uso A revista Época (edição nº 616, de 6/3/2010) também dedicou página inteira para falar do evento paulista. Menos truculenta que Veja, a semanal das Organizações Globo optou pelo medo em sua manchete: "O risco para nossa liberdade". Tentou contextualizar as tensas relações entre governos e mídia na América do Sul. Relatou a situação na Venezuela, na Argentina e no Equador para perguntar como quem não quer nada: De novo a visão de que o inferno são os outros. Por que será tão difícil compreender que concessão de radiodifusão é algo simples e que quem não cumpre com as condições acordadas pode vir a perdê-la? É como escreveu um leitor: "Imagina eu chegar em meu trabalho e dizer ao meu patrão que eu não vou cumprir o meu contrato de trabalho e, se ele não estiver satisfeito, que monte outra empresa e me deixe quieto no meu canto, fazendo o que eu quero..." Palavras e expressões Os dois textos – de Veja e de Época – parecem ter sido escritos pela mesma pessoa tal o azedume e a desfaçatez com que tratam de tema tão essencial quanto liberdade de expressão em um país de 192 milhões de habitantes – e tendo apenas meia dúzia de ilustres famílias como proprietárias de seus mais importantes conglomerados empresariais de comunicação. Esquecem que o risco real para nossa liberdade – para fazer melhor uso da manchete de Época – são as seguidas tentativas de interditar um debate que, longe de se esgotar, está apenas se iniciando. Muito equivocado é o entendimento de que a concessão pública não obriga a publicação da pluralidade de opiniões. Ou seja, "se a concessão é minha... publico apenas o que quero, não tenho que dar satisfação a ninguém". Encontros como o do Instituto Millenium parecem ter apenas um único objetivo: evitar que se jogue luz sobre os monopólios e oligopólios da comunicação no Brasil. Ao fazer isso, a mídia corporativa confisca a liberdade de expressão da sociedade em nome, exclusivamente, da manutenção do status quo. Tão simples quanto isso. E do jeito que as coisas caminham, o diabo que já é conhecido por palavras e expressões como Coisa-Ruim, Tinhoso, Pé-de-Bode, Cabrunco, Capa-Verde, Capeta, Capiroto, Cramulhão, Crinado, De-trás-da-porta, Demo, Dos Quintos, Encardido,Sete-Peles e Tranca-rua não demorará muito a ser referido por certa classe de jornalistas, intelectuais e empresários como... Controle Social da Mídia. ... |