Orçamento de Obama: guerra, dívidas e cortes nos serviços sociais
Por *Patrick Martin
11 de fevereiro de 2010
Originalmente publicado em inglês o dia 2 de fevereiro de 2010.
O orçamento da administração Obama para o ano fiscal de 2011, revelado segunda-feira, projeta enormes déficits orçamentais do governo americano para a próxima década, alimentados por gigantescos gastos militares e pelo impacto da crise financeira e econômica do capitalismo americano e mundial. Estima-se que a dívida nacional dos EUA será mais do que duplicada na próxima década, aumentando em $ 8,5 trilhões.
Os funcionários da administração também revelaram que, para o atual ano fiscal, que termina em 30 de setembro de 2010, o déficit federal vai chegar próximo de US $ 1,6 trilhão, de longe o maior da história e quase 11% do total do produto interno bruto dos EUA. Isso significa um aumento brusco em relação à estimativa de 1,35 trilhão de dólares feita na semana passada pelo Congressional Budget Office.
O déficit alastrante para este ano é basicamente um subproduto do agravamento da crise econômica, que tem pressionado simultaneamente as receitas fiscais e forçado gastos de quantias muito maiores para o auxílio-desemprego e outros programas compulsórios.
O diretor de orçamento da Casa Branca, Peter Orzag, agora projeta que dezenas de milhões de trabalhadores norte-americanos permanecerão nas listas de desemprego por grande parte dos quatro anos de mandato de Obama. O orçamento do ano fiscal de 2011 supõe que a taxa de desemprego este ano vai medir 10%, caindo para 9,2% em 2011 e 8,2% em 2012, estando ambos valores muito acima daqueles prevalecentes antes do crash de Wall Street de setembro-outubro de 2008.
Mesmo esses índices de desemprego e de déficit são excessivamente otimistas, uma vez que eles são baseados em uma retomada do crescimento econômico para cerca de 2,7% do PIB este ano, 3,8% em 2011 e 4,3% em 2012, permanecendo acima de 4% por vários anos, número alcançado pela última vez durante o boom da internet nos anos 90.
No caso de uma estagnação do crescimento do PIB no nível atual, sem falar em um retorno à queda, os números do desemprego podem subir muito mais alto que dois dígitos, e o déficit federal rapidamente atingiria um nível que precipitaria uma perda de confiança internacional e um colapso do dólar. Assim sendo, mesmo o cenário relativamente benigno vislumbrado pela Casa Branca apresenta os Estados Unidos emprestando mais nos próximos cinco anos do que em toda a história anterior do país.
O empréstimo federal aumentará de 68% do PIB no final do ano fiscal de 2011 para uma estimativa de 77% do PIB em 2020, próximo à marca de 80% projetada como o "ponto de virada" a partir do qual o crédito do governo americano entraria em efetivo colapso, com os investidores perdendo a confiança na capacidade de Washington honrar suas dívidas a não ser pela via de imprimir mais dólares.
No contexto de tais somas colossais, o montante que Obama propõe gastar em "criação de emprego" no orçamento de 2011, apenas US$ 100 bilhões, é uma gota no balde. Se ela fosse traduzida integralmente em postos de trabalho, sem custos indiretos ou lucros de negócios, isso significaria dois milhões de empregos pagando 50.000 dólares cada um - em um país com um número estimado de 20 milhões de desempregados ou subempregados.
Assim sendo, no entanto, nem um centavo dos US$ 100 bilhões é para a contratação de trabalhadores. Ela é constituída basicamente por cortes de impostos para empresas que contratam trabalhadores ou aumentam sua remuneração, estender os auxílios-desemprego, e ajuda aos governos estaduais e municipais.
Enquanto a Casa Branca busca colocar o foco da atenção na chamada iniciativa de criação de empregos, este gasto é definhado pelas verdadeiras prioridades da administração - o gigantesco estabelecimento militar, e os pagamentos de juros da dívida nacional, que vão desproporcionalmente para os ricos e para os credores estrangeiros.
O orçamento requer um adicional de US$ 33 bilhões em fundos de guerra para o atual ano fiscal, para cobrir o aumento de Obama de 30.000 soldados no Afeganistão, e para um total de 159 bilhões de dólares combinados para o Iraque e o Afeganistão no próximo ano. Juntamente com os US$ 549 bilhões no orçamento regular do Pentágono, isso conduz a um total diretamente gasto com o exército dos EUA no ano fiscal de 2011 para mais de 708 bilhões de dólares. Há gastos indiretos consideráveis, incluindo quase todo o orçamento do Departamento de Energia, que opera o processo de fabricação de armas nucleares.
Contando os fundos adicionais solicitados este ano no Afeganistão, a despesa total dos EUA em 2010 e 2011 com as duas guerras chegará a 322 bilhões de dólares, ante 354 bilhões nos dois últimos anos da administração Bush. Esta é apenas uma pequena queda, apesar da suposição, de forma nenhuma garantida, de que todas as forças de combate dos EUA serão retiradas do Iraque até agosto de 2010.
O ano fiscal de 2011 é o primeiro ano em que mais dinheiro será inscrito no orçamento para a guerra no Afeganistão do que para a guerra no Iraque, em parte por causa dos enormes custos logísticos de sustentar um enorme exército de um país sem litoral com praticamente nenhuma infra-estrutura moderna. Não há dotação específica para qualquer guerra no ano fiscal de 2012, apenas a soma de uns US$ 50 bilhões descritos pelo governo como um "espaço reservado" à espera de decisões em matéria de política militar, particularmente no Afeganistão. Dado o estado deplorável do governo fantoche de Karzai, em Cabul, enormes custos adicionais para a guerra em 2012 e para além dela podem ser esperados.
O governo também tem um orçamento adicional de US$ 5 bilhões para modernizar os estoques de armas nucleares dos EUA e reforçar os procedimentos de segurança nas instalações de armas. Isso é em resposta a uma carta assinada por todos os 40 senadores republicanos e o independente democrata Joseph Lieberman, que iriam bloquear a ratificação de um tratado de armas nucleares com a Rússia, a menos que a administração funde um modernizado programa de ogivas nucleares, incluindo novas instalações em Los Alamos, Novo México e Oak Ridge, Tennessee.
Quanto ao custo de financiamento da dívida pública federal, os pagamentos de juros brutos são projetados em US$ 499 bilhões no ano fiscal de 2011, subindo até $ 888 bilhões no ano fiscal de 2015. Pagamentos líquidos de juros devem aumentar de US$ 250 bilhões no ano fiscal de 2011 para US$ 507 bilhões no ano fiscal de 2015. A maior parte desses pagamentos vai para os ricos investidores, tanto nos Estados Unidos como internacionalmente.
Na realidade, o governo federal está pagando juros para os super-ricos pelo custo dos empréstimos de grandes somas gastas para, entre outras coisas, os cortes de impostos do governo Bush para estes mesmos super-ricos, e a ajuda das administrações Bush e Obama à Wall Street. Os ricos têm colhido rendas adicionais não adquiridas em todas as fases deste processo inteiramente parasitário.
O único contratempo para os ricos é que o orçamento Obama assume no final deste ano a expiração dos cortes de impostos de Bush para quem ganha $250.000 por ano ou mais. Todos os outros cortes de impostos de Bush, incluindo as regras de depreciação favoráveis aos negócios, serão renovados este ano. O resultado será um aumento de 678 bilhões de dólares ao longo de dez anos no pagamento de impostos pelas famílias mais ricas.
Isso representa cerca de metade do US$ 1,2 trilhão em aumentos de impostos e corte de gastos propostos no novo orçamento. Os aumentos remanescentes de impostos - $120 bilhões para empresas internacionais, $90 bilhões para instituições financeiras resgatadas, $60 bilhões em impostos de inventário e US$ 38 bilhões em impostos sobre companhias de gás e petróleo- não são suscetíveis de serem aplicados, desde que eles foram incorporados ao orçamento do ano passado e o Congresso, controlado pelos democratas, os rejeitou.
A principal proposta de corte de despesas é de US$ 250 bilhões, a serem obtidos através de um congelamento de três anos em despesas não-militares facultativas em programas sociais domésticos. A Casa Branca não está propondo um corte universal, mas cortes seletivos e algumas eliminações de programas, porém muitos detalhes desses cortes ainda não estão claros.
Entre os cortes específicos anunciados está a eliminação do programa Constellation, o regresso programado à Lua pela NASA. Em vez disso, a Nasa vai gastar US$ 6 bilhões nos próximos cinco anos para desenvolver uma nave espacial comercial que as empresas privadas querem construir, para levantar os astronautas em órbita baixa ao redor da Terra. O ex-administrador da Nasa, Michael Griffin, disse: "Isso significa que, essencialmente, os EUA decidiram que não serão um ator importante no vôo espacial humano para o futuro previsível".
Sábado, em seu pronunciamento no programa semanal de rádio e no endereço da Internet, Obama disse que cortar o déficit federal foi tão importante quanto a criação de empregos nas prioridades de sua administração. A linguagem é significativa, pois, representa uma mudança mais à direita e uma adoção das políticas de austeridade para os trabalhadores, mesmo quando o apoio federal continua ilimitado para Wall Street.
Ele também reiterou seu apelo para a criação de uma comissão federal independente para propor grandes cortes em programas de direitos sociais como Segurança Social, Medicare e Medicaid, que compreendem a maior parte do orçamento federal. Ele também pediu o restabelecimento no Congresso das regras "pay-as-you-go", que proíbem qualquer aumento líquido das despesas federais, exigindo que qualquer aumento nos programas federais seja compensado por cortes em outros.
*Patrick Martin (born. 1951) is a Canadian journalist who is the Jerusalem-based Middle East bureau chief for The Globe and Mail, a national newspaper.
[traduzido por movimentonn.org]
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