Explicações inglesas viciadas. É hora de falar claro.
18/2/2010, Robert Fisk, The Independent
A palavra é essa. Colusão.
Os Emirados Árabes Unidos suspeitam – atenção: até agora, nada está provado – que a “colaboração para segurança” entre Europa e Israel ultrapassou os limites da legalidade, agora q ue pode ter acontecido de passaportes britânicos (e de outros países da União Europeia) terem sido usados para mandar agentes israelenses para o Golfo, com a tarefa de matar inimigos de Israel.
Ontem à tarde, às 15h49 (horário de Beirute; 13h49 em Londres), meu telefone libanês soou.
Era uma fonte – impecável, conheço-o bem, fala com a autoridade que sei que tem em Abu Dhabi –, para dizer que “os passaportes britânicos são autênticos. Não são falsificações. Há os hologramas com o selo biométrico. Não são falsificações. Os nomes lá estão. E, se o holograma ou o selo biométrico foram falsificados, sabe-se de onde saíram.”
A voz – conheço bem o homem e a voz – quer falar. “Há 18 envolvidos no assassinato de Mahmoud al-Mabhouh do Hamás. Além dos onze já conhecidos, há também dois palestinos que estão sendo interrogados; outros quatro e uma mulher. A mulher fez parte do grupo que vigiou o lobby do hotel.”
Duas horas depois, chega um SMS ao meu telefone de Beirute, de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. É a mesma fonte.
“HÁ MAIS UMA COISA,” diz a mensagem em letras maiúsculas, e continua em letras minúsculas: “A sala de comando da operação foi montada na Austria (sic, de fato, tudo é sic, nesse relatório)... o que significa que, quando estavam aqui, os suspeitos não falavam uns com os outros, mas através da sala de comando, em linhas separadas para não serem detectados e para não se conhecerem ou ligarem-se uns aos outros (...) mas foram detectados e identificados OK?” “OK?” pergunto eu!
Minha fonte está ao mesmo tempo zangada e ansiosa; e insiste: “Mandamos detalhes dos 11 nomes para a Interpol. A Interpol fez circular as informações em 188 países – mas por que os britânicos não alertaram as demais nações de que esses nomes têm passaportes ingleses?” E muito mais estava chegando.
“Identificamos cinco cartões de crédito em nome dessas pessoas, todos emitidos nos EUA”. O homem não deu as nacionalidades dos outros cinco cidadãos da União Europeia – de fato, há duas mulheres envolvidas no assassinato de Mabhouh. Disse que há países da UE que colaboram com os Emirados Árabes Unidos, entre os quais a Grã-Bretanha. “Mas nenhum dos países com os quais já falamos notificou a Interpol sobre os passaportes. Por que não?”
A fonte insistiu que um dos nomes num dos passaportes – o nome de um homem que nega saber sobre o uso do passaporte – viajou de fato com ele à Ásia (provavelmente à Indonésia) e a países da UE durante o ano passado. Os Emirados Árabes têm prova de que um cidadão norte-americano entrou nos EAU em junho de 2006 com passaporte britânico emitido em nome de um cidadão britânico que já estava preso nos Emirados. Os Emirados lembram também que o passaporte de um agente israelense enviado à Jordânia para matar um líder do Hamás era genuíno passaporte canadense emitido para um canadense-israelense de dupla nacionalidade.
As agências de inteligência – que, na humilde opinião desse correspondente são quase sempre bem pouco inteligentes – usam há muitos anos passaportes falsificados. Oliver North e Robert McFarlane viajaram ao Irã (para tentar a libertação dos reféns norte-americanos no Líbano), usando passaportes que haviam sido roubados da embaixada irlandesa em Atenas.
Mas as novas informações que chegam dos Emirados Árabes Unidos assustarão alguns governos europeus e podem deixá-los sem ar. Em todos os casos, melhor que tenham respostas na ponta da língua para as questões que surgirão. Os serviços de inteligência – árabes, israelenses, europeus ou norte-americanos – sempre têm atitude de extrema arrogância em relação àqueles dos quais querem manter-se escondidos. Assim sendo, como os árabes conseguirão investigar a participação do Mossad nesse atentado? Só o tempo dirá. Veremos.
Colusão é palavra que os árabes entendem bem. Faz lembrar a guerra de Suez em 1956, quando Grã-Bretanha e França cooperaram com Israel para invadir o Egito. Londres e Paris sempre negaram participação no golpe. Mentiram e mentem.
Mas para um país do Golfo Árabe que suspeite que seus ex-senhores (que suspeite dos britânicos, para falar bem claro) estejam envolvidos no assassinato de alto representante do Hamás e hóspede do Estado, a coisa pode ter ultrapassado os limites do suportável. E há muito mais, nessa história, que logo virá à tona. Agora, esperemos para ver que resposta aparecerá, se aparecer, da Europa.
Nota de tradução:
Colusão ■ substantivo feminino. Rubrica: termo jurídico. 1) concerto entre partes para enganar e prejudicar terceiros; conluio; 1.1) dolo das partes que litigam, simuladamente ou não, com o fim de enganar o juiz ou em prejuízo de terceiros
(Dicionário Houaiss: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=colus%E3o&stype=k&x=15&y=13 ).
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
Caia Fittipaldi (tradutora)
Ou copiado/colado a seguir:
Death in Dubai
Robert Fisk:
Britain's explanation is riddled with inconsistencies. It's time to come clean
How could the Arabs pick up on a Mossad killing, if that is what it was? Well, we shall see
Thursday, 18 February 2010
Collusion. That's what it's all about. The United Arab Emirates suspect – only suspect, mark you – that Europe's "security collaboration" with Israel has crossed a line into illegality, where British passports (and those of other other EU nations) can now be used to send Israeli agents into the Gulf to kill Israel's enemies. At 3.49pm yesterday afternoon (Beirut time, 1.49pm in London), my Lebanese phone rang. It was a source – impeccable, I know him, he spoke with the authority I know he has in Abu Dhabi – to say that "the British passports are real. They are hologram pictures with the biometric stamp. They are not forged or fake. The names were really there. If you can fake a hologram or biometric stamp, what does this mean?"
Mahmoud al-Mabhouh - the victim of British collusion with Israel?
The voice – I know the man and his origins well – wants to talk. "There are 18 people involved in the killing of Mahmoud al-Mabhouh. Besides the 11 already named, there are two Palestinians who are being interrogated and five others, including a woman. She was part of the team that staked out the hotel lobby." Two hours later, an SMS arrives on my Beirut phone from Abu Dhabi, the capital of the United Arab Emirates. It is the same source.
"ONE MORE THING," it says in capital letters, then continues in lower case. "The command room of the operation was in Austria (sic, in fact, all things are "sic" in this report)... meaning the suspects when here did not talk to each other but thru the command room on separate lines to avoid detection or linking themselves to one another... but it was detected and identified OK??" OK? I ask myself.
My source is both angry and insistent. "We have sent out details of the 11 named people to Interpol. Interpol has circulated them to 188 countries – but why hasn't Britain warned foreign nations that these people are using passports in these names?" There was more to come.
"We have identified five credit cards belonging to these people, all issued in the United States." The man will not give the EU nationalities of the extra five – this would make two women involved in Mr Mabhouh's murder. He said that EU countries were cooperating with the UAE, including the UK. But "not one of the countries we have been speaking to has notified Interpol of the passports used in their name. Why not?"
The source insisted that one of the names on a passport – the name of a man who denies any knowledge of its use – has travelled on it in Asia (probably Indonesia) and EU countries over the past year. The Emirates have proof that an American entered their country in June 2006 on a British passport issued in the name of a UK citizen who was already in prison in the Emirates. The Emirates claim that the passport of an Israeli agent sent to kill a Hamas leader in Jordan was a genuine Canadian passport issued to a dual national of Israel.
Intelligence agencies – who in the view of this correspondent are often very unintelligent – have long used false passports. Oliver North and Robert McFarlane travelled to Iran to seek the release of US hostages in Lebanon on passports that were previously stolen from the Irish embassy in Athens. But the Emirates' new information may make some European governments draw in their breath – and they had better have good replies to the questions. Intelligence services – Arab, Israeli, European or American – often adopt an arrogant attitude towards those from whom they wish to hide. How could the Arabs pick up on a Mossad killing, if that is what it was? Well, we shall see.
Collusion is a word the Arabs understand. It speaks of the 1956 Suez War, when Britain and France cooperated with Israel to invade Egypt. Both London and Paris denied the plot. They were lying. But for an Arab Gulf country which suspects its former masters (the UK, by name) may have connived in the murder of a visiting Hamas official, this is apparently now too much. There is much more to come out of this story. We will wait to see if there are any replies in Europe.
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