quarta-feira, março 23, 2011

A estratégia (e os temores) dos EUA na Líbia

21/3/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Entreouvido num bar da Vila Madalena, há meia hora:

“Só há uma explicação que faz sentido, pra que se entenda essa sucessão de loucuras, e é a seguinte:

– hoje, Pepe Escobar apresentou sua hipótese: “O que poucos sabem é que a operação Alvorada da Odisseia é pessoal – e nada tem a ver com heroísmo grego. Só tem a ver com paixão árabe-beduína. Trata-se, isso sim, de rixa insanável que separa o rei Abdullah e Gaddafi desde 2002, em torno da guerra do Iraque – quando Gaddafi acusou Abdullah de vender o mundo árabe a Washington” (“Alvorada da Odisséia: as dez mais”, 22/3/2011, Castorphoto). Essa é a única explicação que faz sentido.

Para que se veja o quanto faz sentido, deve-se lembrar que:

– Gaddafi é o pesadelo de todos os ditadores árabes, em parte porque é doido, em parte porque tem um projeto político ‘de massas’. Pode ser projeto doido, mas é político e de massas. E é inimigo figadal do rei da Arábia Saudita.

– Junte Gaddafi-doido-com-projeto-de-massas e a onda de levantes populares contagiosos que varre o Oriente Médio, e basta para enlouquecer os xeiques-ditadores e Israel. Acrescente a isso que Gaddafi, além de ser furiosamente (e doidamente) anti-Israel, também é furiosamente anti-americano. E isso basta, então, pra enlouquecer, além dos xeiques-ditadores e do lobby sionista nos EUA, também muitos norte-americanos.

Mas fato é que nem assim enlouqueceu todos os norte-americanos. A opinião pública não admitiria mais uma guerra. E nem o Pentágono queria meter-se na Líbia. O Pentágono foi voto vencido. E, voto vencido, o Pentágono fez zilhões de exigências para admitir o envolvimento dos EUA na Líbia.

A Clinton, então, em nome do lobby sionista, saiu pelo mundo costurando as alianças possíveis, pra ver se dava jeito de os EUA acabarem com a Líbia (de tal modo que satisfizesse o lobby israelense e, ao mesmo tempo, atendesse às exigências do Pentágono) e voltou com o que conseguiu: a palhaçada de uma intervenção armada, por uma ‘coalizão’ que, sem a participação dos aviões dos EUA e, se dependesse só de França e Grã-Bretanha, corria o risco de ser explodida, lá mesmo, pelo Gaddafi, o doido. Obama partiu para o Brasil com a família. Daqui, visitará o Chile e a Nicarágua. Que Chile? Que Nicarágua?!

O que poderia ser mais absurdo do que Obama “dar a ordem para iniciar o bombardeio” (mas... que ordem Obama teria de dar, se não era guerra dele, e tanto não era que ele nem estava em território norte-americano?!) A loucura total, cruza de xeique-ditador-doido e sionistas doidos contra Gaddaf-doido, entregue à Hilária-doida, por aí, armando 'alianças' e 'coalizão', deu no que deu.

– Quem exigiu e conseguiu que Obama metesse os EUA na Líbia foram, muito provavelmente (a) a Arábia Saudita; (b) o lobby sionista nos EUA; e a Clinton, cujo único interesse real é detonar Obama e ser, ela, a candidata dos Democratas à presidência, com todo o lobby sionista a favor dela, ano que vem.

– Mais um pouco, Sarah Pallin parecerá boa-gente, mulher séria e progressista, pra muuuuuuuuuita gente nos EUA, se concorrer contra a Hilária (e sionista) Clinton. Obama já era. É idiota ou é covarde ou é as duas coisas. Canalha, afinal, parece que não é. É burro e mal assessorado. Cita Paulo Coelho.

Os parágrafos abaixo trazem água (ou cerveja) pro moinho dessa interpretação.
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O secretário de Defesa dos EUA Robert Gates lançou alguma luz sobre as recentes discussões nos EUA sobre a Líbia. Em conversa com jornalistas a caminho da Rússia, Gates (que é a voz do Pentágono) destacou alguns pontos ‘difíceis’:

a) operacionalmente, impor uma zona ‘no-fly’ , só isso, tem de começar com ataque à Líbia. Por isso, ataques aéreos estão previstos na Resolução n. 1.073;

b) operações futuras têm de manter-se nos limites autorizados pela R-1.973 ou o próprio consenso que há em torno da operação ficará ameaçado;

c) a missão está sendo conduzida por coalizão muito diversificada e, nesse contexto, acrescentar adiante novos objetivos “criará um problema”;

d) por isso, a missão tem de ser implantar a zona aérea de exclusão, “cumprir o mandato [do CSONU] e voltar à tática das sanções etc.”;

e) a Liga Árabe tem problemas para operar sob comando da OTAN; por isso é preciso achar uma via alternativa, de modo que o comando e o controle da máquina pela  OTAN sejam usados, sem que  se trate de missão da OTAN, literalmente: “sem a bandeira da OTAN”;

f) não interessa aos EUA envolver-se demais no conflito; os líbios que resolvam as coisas;

g) nada de tropas de ocupação, e ponto final;

h) os EUA estão oferecendo “capacidades excepcionais” no front de operações, trabalho que estará concluído “em questão de dias”, e, em seguida, a responsabilidade passará a outros da coalizão. “Os EUA terão papel militar na coalizão, mas não o papel principal”;

i) há “fortes indicações de vários estados árabes de que participarão”; e

j) difícil prever desenvolvimentos futuros. Os EUA não desejam romper com a Líbia e “não acho que os EUA devam fazer coisa alguma para estimular qualquer partição ou divisão”.

Interessa considerar o pano de fundo dessa avaliação de Gates. Foi difícil alcançar consenso em torno da intervenção militar, mesmo depois de uma maratona de reuniões no quartel-general da OTAN em Bruxelas. A Turquia sempre foi, e assim se manteve, contrária a qualquer intervenção militar e tem poder de veto em qualquer decisão da OTAN. A Liga Árabe prevarica. Em resumo, EUA, Grã-Bretanha e França estão no limbo, no momento.

Apesar do otimismo de Gates, o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, disse no domingo que “o que aconteceu na Líbia difere do objetivo de impor uma zona aérea de exclusão. Só queremos proteger civis. Não queremos bombardear civis.”
Gates também expõe a crescente preocupação nos EUA, de que é possível que se estejam metendo em mais um atoleiro. Howard McKeon, deputado Republicano, presidente da Comissão de Serviços Armados da Câmara de Deputados, disse que “preocupa-me o uso de força militar na ausência de qualquer claro objetivo político. Por que envolver os EUA numa missão humanitária cujo objetivo político e duração todos ignoramos?”

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