25/3/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MC26Ak01.html
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) está entrando na era do pântano-arapuca duplo – na Ásia Central (Afeganistão) e no norte da África (Líbia). E o mundo que pensava que a OTAN existisse para defender a Europa contra “os comunistas”! A Líbia, agora, já é a mais nova vítima desse clube-da-guerra-sem-fim.
Esse previsível golpe de cena (ver “Líbia: Dividir, governar e arrancar de lá o petróleo”, 25/3/2011, Asia Times Online) não altera o fato de que a Alvorada da Odisseia é guerra dos EUA. Quero dizer, não, não é guerra: segundo a Casa Branca, é “operação militar por tempo limitado e escopo limitado”.
Por enquanto, a tal “operação militar por tempo etc. etc.” é comandada pelo general norte-americano Carter Ham, que não arreda pé do seu gabinete de comando do AFRICOM em Stuttgart, Alemanha (porque nenhum dos 53 países africanos aceitou ser sede do Comando dos EUA na África). Semana que vem, passará a ser “operação militar por tempo etc. etc.” comandada pelo almirante norte-americano James Stavridis, supremo líder militar da OTAN.
Para todas as finalidades práticas é “operação militar por tempo etc. etc.” totalmente dos EUA – reforçada pela OTAN no papel de Globalcop, com uma mãozinha do Pentágono sob a forma de já disponível “pacote de ataque para interdição” [orig. “interdiction strike packages” –, no inimitável jargão do Pentágono, referindo-se a jatos carregados de mísseis e prontos para atacar.
Guerra por comissão, revisitada
Como membro crucial da OTAN e autopromovida ponte preferencial entre o ocidente e o mundo muçulmano, a Turquia teve de recalibrar uma estratégia complexa e esperta. O governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan – que tem muitos interesses comerciais na Líbia – passou a semana passada dizendo muito claramente que a missão da OTAN teria de restringir-se a oferecer proteção aos civis, manter o embargo de armas decidido pela ONU e oferecer ajuda humanitária.
Como se poderia facilmente prever, EUA e Grã-Bretanha estavam absolutamente convencidos de que campanha militar na Líbia teria de ser comandada pela OTAN.
O problema foi convencer a França, na pessoa do presidente neonapoleão Nicolas Sarkozy. O governo francês fez pesado lobby a favor de uma ação militar anglo-francesa – com a França no comando, bien sur.
A decisão final é que os gigantescos “ativos” da OTAN comandarão o show em campo, e haverá uma comissão política encarregada da “governança”.
É cópia perfeita do arranjo que inventou a Força Internacional de Segurança e Assistência [ing. International Security and Assistance Force (ISAF)] que há hoje no Afeganistão. (A ISAF, diga-se de passagem, não garante muita segurança a ninguém e, menos ainda, qualquer assistência). A ISAF que opera hoje no Afeganistão é liderada pela OTAN, e inclui países que não são da OTAN, como Austrália e Nova Zelândia.
O corpo líbio incluirá, teoricamente, esses paradigmas, exemplos de estados de igualdade e justiça que são os membros da Liga Árabe no Golfo. Por hora, já se apresentou o Qatar, que prometeu enviar gigantesca contribuição sob a forma de dois jatos de combate Mirage.
O argumento de Sarkozy para que a França ficasse com o comando foi que se deve mostrar ao mundo que não é verdade que mais uma vez o ocidente ataca país muçulmano. Como se houvesse diferença essencial entre a OTAN atacar país muçulmano e uma comissão franco-anglo-norte-americana atacar também país muçulmano.
No final, Sarko cavou a própria tumba. Tratou o governo da Turquia como trata os imigrantes turcos. A França não convidou a Turquia para a reunião do sábado em Paris, em que decidiram a favor da guerra, não, desculpem, quero dizer, a favor da “operação militar por tempo limitado e escopo limitado”. Sarko queria que seus Mirages aparecessem como vedettes principais.
Erdogan e Davutoglu viram acertadamente do que se tratava – do ardente anseio de Sarko por implantar logo, não só uma zona aérea de exclusão mas, também, a campanha pra sua reeleição à presidência. Em discurso em Istanbul, Erdogan disse: “Espero que os que só veem petróleo, minas de ouro e jazidas subterrâneas de tesouros quando olham na direção da Líbia, passem a ver a região, doravante, com olhos de melhor consciência”. Para piorar tudo, Sarko nunca deixou de repetir que é contra a admissão da Turquia como membro da União Europeia; diz que a Turquia é parte do Oriente Médio, não da Europa.
A parte mais horrenda de todo o show é que Sarko foi empurrado para a ribalta da guerra na Líbia por outro espantosamente desavergonhado especialista em autopromoção, o filósofo francês Bernard Henri-Levy, rei das camisetas transparentes, que voou para Benghazi farejando oportunidade imperdível de “ganhar mídia”, meteu-se lá com os “rebeldes” e, de lá, telefonou para Sarko e aconselhou-o a abraçar o seu glorioso destino de libertador de povos árabes oprimidos.
Fato é que, se se desconsideram esses palhaços, resta a Turquia, agora, no centro do palco. Semana passada, no fórum promovido pela rede al-Jazeera em Doha, Davutoglu disse que “o estatuto legal e a integridade territorial dos estados, entre os quais Líbia e Iêmen têm de ser protegidos”. Mas ninguém sabe que planos, de fato, a OTAN acalenta em relação à Líbia [ver “OTAN: a um passo de cruzar o Mediterrâneo e invadir a África. Mas... sem autorização da ONU?!”, 24/3/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline (NTs)].
A OTAN será encarregada de implantar a zona aérea de exclusão e o embargo de armas. Algum dia, que não tardará, a OTAN decidirá que isso não basta – que será essencial atacar com mais aviões e mísseis as forças do coronel Muammar Gaddafi. A Turquia não estará disponível para essas ações – e já disse isso.
Enquanto o secretário-geral da OTAN, o dinamarquês de direita Anders Fogh Rasmussen, diz coisa como “temos de pensar em como a OTAN pode dar assistência aos países da África na transição para a democracia”, a Turquia já cuida, inteligentemente, de garantir via para separar-se da OTAN, ou, pelo menos, de ter boa explicação para dar ao mundo muçulmano, quando a coisa lá virar um pântano-arapuca mortal. Tem de ser assim, ou a ponte que a Turquia trabalha para construir entre o ocidente e o oriente se converterá em ponte que levará diretamente de um inferno, a outro.
Tradução Vila Vudu
O argumento de Sarkozy para que a França ficasse com o comando foi que se deve mostrar ao mundo que não é verdade que mais uma vez o ocidente ataca país muçulmano. Como se houvesse diferença essencial entre a OTAN atacar país muçulmano e uma comissão franco-anglo-norte-americana atacar também país muçulmano.
No final, Sarko cavou a própria tumba. Tratou o governo da Turquia como trata os imigrantes turcos. A França não convidou a Turquia para a reunião do sábado em Paris, em que decidiram a favor da guerra, não, desculpem, quero dizer, a favor da “operação militar por tempo limitado e escopo limitado”. Sarko queria que seus Mirages aparecessem como vedettes principais.
Erdogan e Davutoglu viram acertadamente do que se tratava – do ardente anseio de Sarko por implantar logo, não só uma zona aérea de exclusão mas, também, a campanha pra sua reeleição à presidência. Em discurso em Istanbul, Erdogan disse: “Espero que os que só veem petróleo, minas de ouro e jazidas subterrâneas de tesouros quando olham na direção da Líbia, passem a ver a região, doravante, com olhos de melhor consciência”. Para piorar tudo, Sarko nunca deixou de repetir que é contra a admissão da Turquia como membro da União Europeia; diz que a Turquia é parte do Oriente Médio, não da Europa.
A parte mais horrenda de todo o show é que Sarko foi empurrado para a ribalta da guerra na Líbia por outro espantosamente desavergonhado especialista em autopromoção, o filósofo francês Bernard Henri-Levy, rei das camisetas transparentes, que voou para Benghazi farejando oportunidade imperdível de “ganhar mídia”, meteu-se lá com os “rebeldes” e, de lá, telefonou para Sarko e aconselhou-o a abraçar o seu glorioso destino de libertador de povos árabes oprimidos.
Fato é que, se se desconsideram esses palhaços, resta a Turquia, agora, no centro do palco. Semana passada, no fórum promovido pela rede al-Jazeera em Doha, Davutoglu disse que “o estatuto legal e a integridade territorial dos estados, entre os quais Líbia e Iêmen têm de ser protegidos”. Mas ninguém sabe que planos, de fato, a OTAN acalenta em relação à Líbia [ver “OTAN: a um passo de cruzar o Mediterrâneo e invadir a África. Mas... sem autorização da ONU?!”, 24/3/2011, MK Bhadrakumar, Indian Punchline (NTs)].
A OTAN será encarregada de implantar a zona aérea de exclusão e o embargo de armas. Algum dia, que não tardará, a OTAN decidirá que isso não basta – que será essencial atacar com mais aviões e mísseis as forças do coronel Muammar Gaddafi. A Turquia não estará disponível para essas ações – e já disse isso.
Enquanto o secretário-geral da OTAN, o dinamarquês de direita Anders Fogh Rasmussen, diz coisa como “temos de pensar em como a OTAN pode dar assistência aos países da África na transição para a democracia”, a Turquia já cuida, inteligentemente, de garantir via para separar-se da OTAN, ou, pelo menos, de ter boa explicação para dar ao mundo muçulmano, quando a coisa lá virar um pântano-arapuca mortal. Tem de ser assim, ou a ponte que a Turquia trabalha para construir entre o ocidente e o oriente se converterá em ponte que levará diretamente de um inferno, a outro.
Tradução Vila Vudu