quinta-feira, março 24, 2011

Bin Laden volta a disparar os alarmes

24/3/2011, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Onlinehttp://www.atimes.com/atimes/South_Asia/MC25Df01.html 

ISLAMABAD. Depois de prolongada pausa, a CIA-EUA reiniciou várias operações clandestinas nas montanhas escarpadas do Hindu Kush, pelo Paquistão e Afeganistão, seguindo uma repentina onda de informes de que Osama bin Laden, líder da al-Qaeda, andaria pela área, indo e vindo nas últimas semanas, para várias reuniões de alta cúpula em redutos dos militantes.

Os EUA caçam Bin Laden desde que fugiu do Afeganistão, quando os EUA invadiram o país em 2001. Mas o homem, 54 anos, cuja cabeça vale uma recompensa de 50 milhões de dólares, até agora sempre conseguiu estar muitos passos à frente da CIA.

Asia Times Online soube que informações sobre os movimentos de Bin Laden estão sendo tratadas como de alto interesse, e ouvem-se notícias das várias agências de inteligência, no Paquistão, no Afeganistão e na Arábia Saudita. Durante pelo menos dois anos praticamente não apareceu nenhuma notícia confiável sobre os movimentos e ideias de Bin Laden. De repente, os agentes de inteligência mostram-se outra vez confiantes nas informações que lhes chegam, certos de que saem realmente dos círculos mais fechados dos campos de militantes.

O que mais se ouve é que os espiões dos EUA estão “aturdidos” pela visibilidade dos movimentos de Bin Laden e pela frequência com que se tem deslocado, ao longo de algumas poucas semanas, pelo Paquistão e Afeganistão; são informes diferentes de tudo que havia sobre Bin Laden desde que escapou ao cerco dos EUA nas montanhas de Tora Bora no Afeganistão em 2001.

Essas novidades dispararam muitas especulações nos círculos da inteligência, de que a al-Qaeda pudesse estar planejando algum outro mega-ataque, nas linhas do 11/9/2001, contra New York e Washington; ou do ataque de julho de 2007, em Londres.

Mas investigações extensivas, conduzidas por Asia Times Online, inclusive com acesso a informantes nos campos da al-Qaeda, indicam direção diferente: dada a natureza das reuniões das quais Bin Laden tem participado, tudo sugere que se inicia uma nova era, de luta mais ampla, na qual a al-Qaeda, através de seu Laskhar al-Zil (aprox. ‘Exército de Sombras’), tentará capitalizar as conquistas das revoltas árabes e a luta dos palestinos e revitalizar e redefinir seu papel no Afeganistão.
Uma reunião em Bajaur
Há notícias de que, há várias semanas, Bin Laden encontrou-se com Gulbuddin Hekmatyar, o legendário mujahid afegão, fundador e líder do Hezb-e-Islami no Afeganistão (HIA), partido político e grupo paramilitar, num campo de militantes em área de selva densa, na região entre as províncias de Kunar e Bajaur no Afeganistão. Notícias da reunião vazaram do núcleo de comando do HIA. As notícias circularam nos campos de militantes nas áreas tribais do Waziristão Norte no Paquistão, levadas pelos altos comandantes militantes paquistaneses em Bajaur.

Apesar de ser seu aliado na guerra no Afeganistão, o Talibã liderado por Mullah Omar sempre guarda muitas desconfianças quanto às intenções de Hekmatyar; mas Bin Laden e outros líderes da al-Qaeda pensam de outro modo. Os representantes de Hekmatyar que participam do HIA mantiveram ativas negociações diretas com os EUA (ver, sobre isso “Como o Irã e a al-Qaeda construíram uma negociação”, 30/4/2010, Castorphoto Asia Times Online, e também negociaram acordos limitados de cessar-fogo com as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no Afeganistão.

Bin Laden combateu ao lado de Hekmatyar na Jihad contra os soviéticos no Afeganistão nos anos 1980s e os dois mantiveram-se em contato quando Bin Laden viveu no Sudão, em 1992. Quando Bin Laden voltou ao Afeganistão em meados dos anos 1990s, viveu em regiões então controladas por senhores-da-guerra leais a Hekmatyar.

Fontes da inteligência que têm informações sobre a reunião em Bajaur dizem que Bin Laden não se exporia a tantos riscos apenas para jantar com Hekmatyar – jantar oferecido por um comandante militante paquistanês de tendências salafitas e que foi membro do HIA na Jihad contra os soviéticos.

“Tudo faz crer que discutiram algum tema de grande estratégia e Osama bin Laden quer que Gulbuddin Hekmatyar participe de seu projeto, sobretudo agora que Hekmatyar já negociou acordos de cessar-fogo com forças da OTAN no Afeganistão e os representantes de Hekmatyar negociaram uma trégua com os norte-americanos” – disse uma fonte da segurança, em entrevista ao Asia Times Online.
Para além das operações terroristas
Fator que faz aumentar a importância do encontro de Bin Laden com Hekmatyar é que essa aproximação acontece quando o interesse da CIA e das Forças Especiais já foi despertado por notícias de movimentos do líder da al-Qaeda em Kunar e Nuristan, para encontros com vários comandantes militantes e altos figurões da al-Qaeda. Bin Laden com certeza avalia o risco a que se expõe nesses movimentos. Não há dúvidas de que considera esses contatos altamente importantes e necessários.

Por mais que as agências de segurança insistam nos seus jogos de adivinhação sobre planos de Bin Laden para alguma possível grande operação, os movimentos de Bin Laden podem ser lidos sob outra hipótese explicativa, absolutamente diferente, e que considera os discursos que têm circulados nos círculos da al-Qaeda sobre grandes mudanças nas políticas do grupo.

A militância islâmica internacional cujas raízes estão na guerra de uma década contra os soviéticos nos anos 1980s sempre viveu dividida entre duas escolas de pensamento; ambas sempre se consideraram exclusivamente ‘mais certas’ apesar de haver muitas contradições nos dois discursos. Mas os dois grupos sempre seguiram as doutrinas da luta armada construídas e divulgadas pelo intelectual islâmico sunita palestino e teólogo Dr. Abdullah Azzam; e pelo Dr. Ayman al-Zawahiri, ideólogo egípcio e representante de Bin Laden.

Azzam sempre pregou uma Jihad defensiva, mediante a qual os muçulmanos ajudariam os afegãos contra os soviéticos. Acreditava firmemente num bloco muçulmano amplo que incluísse governos muçulmanos e jamais apoiou qualquer revolta contra regimes muçulmanos. Apesar de ser palestino, com nacionalidade jordaniana e ter participado da Fraternidade Muçulmana, Azzam manteve-se reticente e afastado da revolta palestina contra a monarquia jordaniana em setembro de 1970 (o chamado “Setembro Negro”).

Azzam era próximo da família real da Arábia Saudita e considerava essencial conquistá-la para que apoiasse os movimentos islâmicos armados, como a resistência afegã contra os soviéticos e a resistência palestina contra Israel. Lutou para alcançar a unidade dos governos muçulmanos e de todos os islâmicos para resistir à hegemonia ocidental –, e sempre foi o menos dogmático de todos os ideólogos, na campanha para divulgar seus pontos de vista estratégicos.

Depois que Azzam foi assassinado no Paquistão em 1989, Zawahiri emergiu como principal ideólogo da oposição islâmica armada. Saído do mesmo contexto ideológico da Fraternidade Muçulmana que Azzam, Zawahiri encontrou mundo absolutamente diferente depois do final da Guerra Fria, no início dos anos 1990s. Sob influência e instruções dos EUA, os regimes muçulmanos, então, já haviam implantado políticas de intolerância contra a militância islâmica.

Zawahiri, nessas circunstâncias, promoveu a noção de que já haveria divisões no mundo muçulmano;  e encorajou revoltas e práticas terroristas para polarizar as sociedades, até que o caos assim gerado se tornasse incontrolável e inadministrável por intervenções ocidentais. Acreditava-se que as intervenções ocidentais abririam as portas para uma grande batalha entre o ocidente e o mundo muçulmano.

Como Azzam, Zawahiri tampouco é excessivamente dogmático, mas pregou uma visão ideológica estreita dos movimentos de resistência como estratégia para fomentar revoltas contra estados de maiorias muçulmanas.

Das duas escolas de pensamento, a de Azzam jamais foi criticada e é integralmente respeitada por todos, enquanto a de Zawahiri está sob ataque pesado dos principais intelectuais e da intelligentsia muçulmana. Os partidários de Zawahiri não têm outro argumento a apresentar a favor de suas ideias, além da evidência de que tiveram de operar sob a lei da necessidade.

Discurso ideológico recente que está circulando entre quadros e dirigentes da al-Qaeda põe afinal abaixo os argumentos de Zawahiri. Essa etapa da discussão foi iniciada pelo trabalho teórico de alguns dos principais ideólogos e comandantes da al-Qaeda, entre os quais Sulaiman Abu al-Gaith (ver, sobre isso,
Uma revisão crítica da al-Qaeda pela al-Qaeda, 10/12/2010, orig. Asia Times Online), e Saif al-Adel.

Adel enfatizou que a polarização dentro do mundo muçulmano foi essencial depois do 11/9 para acumular forças por trás da al-Qaeda; mas que hoje, sobretudo à luz da grande revolta árabe de 2011, é preciso voltar ao ponto de vista inspirado em Azzam, para quem não seria preciso criar qualquer tipo de polarização nos estados de maioria muçulmana, na disputa pela hegemonia, contra o ocidente.

Depois disso, a al-Qaeda inaugurou nova fase, com a Fraternidade Muçulmana e os grupos palestinos, para reviver seus antigos contatos e estabelecer novos nexos para uma luta conjunta contra os interesses do ocidente no mundo muçulmano.

A reunião entre Bin Laden e Hekmatyar, com outros comandantes militantes no Hindu Kush pode ser vista como parte desse processo de mudança de estratégia para uma nova guerra, na qual a al-Qaeda quer envolver toda a nação muçulmana.

O grupo HIA de Hekmatyar foi parte do “Exército de Sombras” da al-Qaeda, que reúne a elite dos guerrilheiros. É possível que al-Qaeda planeje revitalizar suas operações no Afeganistão, e em todo o mundo, reativando os principais grupos da resistência (os Ibnul Balad ou “filhos da terra”) e em operações que se somariam aos partidos políticos islâmicos.

Enquanto crescem os medos disparados pela excepcional movimentação e ainda mais excepcional visibilidade de Bin Laden, de que esteja em preparação algum grande ataque, risco que não pode ser subestimado, o mais provável, de fato, é que al-Qaeda esteja considerando duas vias de ação: de um lado, ações de terror pelo mundo; de outro, a via de construir alianças com as principais forças políticas ativas no mundo muçulmano.

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