segunda-feira, novembro 14, 2005

A TÁTICA DA BADERNA:
o alvo agora é Palocci





Venho falando isso todo esse tempo, até que enfim alguém rompe a mediocridade galopante do debate político no Brasil.

Nem ruptura, nem conciliação!

Um equívoco segue sendo repetido sem cessar, da direita à esquerda. Trata-se do lugar comum: "a política econômica do governo Lula é continuísmo da praticada no segundo governo FHC". O debate é paradoxal sob o ponto de vista da lógica.
Um equívoco repetido sem cessar, da direita à esquerda, da imprensa à academia, pode aparentar ser verdade não por razão lógica, mas por ser simplesmente opinião fácil. Trata-se do lugar comum: “a política econômica do governo Lula é continuísmo da praticada no (segundo) governo FHC”. Na verdade, a caracterização de uma política econômica exige a análise da combinação de instrumentos utilizados e – importante – em que grau. Basta alterar-se a intensidade no uso de alguns deles e/ou incluir-se um novo instrumento para produzirem-se novos resultados macroeconômicos. Isto ocorre porque se trata de uma decisão crucial, que altera o contexto de maneira irreversível.
O debate é paradoxal sob o ponto de vista da lógica. A oposição, com sua arrogância de achar que ninguém pode ser mais competente do que ela, afirma: – “A política econômica atual é cópia da anterior”. A situação retruca: – “Mas por que então a atual produz resultados macroeconômicos tão superiores aos produzidos anteriormente?”. O contra-argumento, geralmente, é: – “O contexto internacional agora é favorável”. Logicamente, a sentença final seria: – “Bom, então, naquele contexto, a julgar pelos resultados então apresentados, a política econômica estava equivocada e seria irracional dar-lhe continuidade!”.
Mas não é só isso, as mídias (e os leitores de colunistas) têm grande dificuldade de detectar o novo, pois só acompanham opiniões alheias e não forjam suas próprias com base em novas evidências empíricas que iluminam o presente e o futuro. Em outras palavras, aprende-se mais sobre o país interpretando novas estatísticas e pesquisas do que lendo aqueles repetidores do senso comum.
Pior, o debate degenerou-se para a mera crítica de (falta de) manipulação dos dois preços básicos de referência, a taxa de juros (para baixo) e a taxa de câmbio (para cima). Muitas vezes, observam-se representantes da extrema-esquerda dizendo o mesmo que os da direita conservadora: – “Desce juros! Sobe câmbio!”. É o encontro de interesses reduzido a desgastar a imagem do governo.
Outros oposicionistas clamavam pela imediata expansão dos gastos governamentais, desde o início do governo, ignorando a fuga de capitais dos investidores amedrontados pela elevada relação entre a dívida pública e o PIB. Se o governo então gastasse mais, aí sim haveria uma necessidade de elevação superior da taxa de juros, para convencê-los a continuar carregando os títulos de dívida. Essa alta de juros provocaria uma entrada de capital que superaria a queda do saldo corrente derivado do aumento de importações, provocado pela elevação da demanda agregada. O predomínio do superávit no balanço de pagamentos levaria à apreciação da moeda nacional e a uma nova queda do saldo corrente. Enfim, o país não teria aproveitado nem do crescimento da economia mundial nem reduzido sua vulnerabilidade externa, como se conseguiu neste governo.
Qualquer (bom) manual de macroeconomia aberta diz que a política fiscal ativa é ineficaz para retomar o crescimento com câmbio flexível e forte mobilidade de capital, condições atualmente necessárias para um relacionamento proveitoso com o resto do mundo. Sugere também que a opção, nessas condições, deve ser por uma política fiscal mais rígida e uma de crédito expansiva. Este instrumento-chave de política econômica – política de crédito – nunca foi utilizado nos dois mandatos de FHC. A preocupação maior era controlar a demanda agregada e sanear os bancos públicos, preparando-os para uma futura privatização.
Pois bem, com a expansão do crédito – o saldo total cresceu mais de 40% em dois anos e meio, com uma variação absoluta de cerca de R$ 154 bilhões –, das operações de mercado de capitais – cerca de R$ 50 bi acumulados no ano corrente – e das operações de leasing – mais de R$ 18 bi em 2005 – adotou-se o instrumento adequado para retomar o crescimento econômico. O crédito, estimulando consumo e investimento, e o superávit comercial foram os grandes componentes do impulso à demanda agregada, que levou ao crescimento da renda e à queda do desemprego. Ora, mesmo sem pressionarem a inflação, essas políticas expansivas não fizeram parte do receituário da política econômica anterior.
Outro lugar comum desmentido pelos fatos foi o que se afirmava sobre a taxa de câmbio e as importações. Basta consultar de colunistas diaristas a conceituados acadêmicos para relembrar de seus prognósticos, sempre catastróficos, nunca conferidos (e desculpados). Diziam que uma baixa taxa de câmbio – inclusive muito favorável ao país não sofrer tanto com a atual alta do preço do petróleo e a baratear importações de máquinas e equipamentos para investimentos – levaria, inevitavelmente, à deterioração do saldo comercial. Esqueceu-se que há outros determinantes do fluxo comercial, particularmente, o crescimento de outros países, a produtividade (caso do agronegócio brasileiro) e a política comercial ativa, com o novo e estratégico papel da diplomacia brasileira, cuja crítica demagógica da oposição às viagens do Presidente Lula tenta desqualificar a importância.
O melhor desempenho do governo Lula em relação a todos indicadores macroeconômicos encontrados, quando assumiu a direção da política econômica, revela o cumprimento dos compromissos assumidos em sua campanha (ver quadro estatístico abaixo). Retomou a estabilidade inflacionária, que evita a corrosão do poder aquisitivo principalmente das classes populares. Propiciou o crescimento da renda e do emprego, inclusive com novidades históricas: crédito para os trabalhadores (ativos e inativos), crédito para os informais (microcrédito e cooperativas de crédito), bolsas-famílias para os extremamente pobres, que passavam fome.
As metas de curto prazo estão sendo alcançadas. Portanto, não se confirmaram as críticas ao uso dos instrumentos de política econômica.
Na verdade, os críticos privilegiam o ataque aos meios e não avaliam justamente se os fins – estabilização e condições para retomar o crescimento sustentado da renda e do emprego – estão sendo alcançados ou não. Revelam assim mais um rancor pelo fato ou de suas idéias não estarem sendo implementadas ou por não estarem eles mesmos participando da equipe econômica.
Alguns deles, geralmente posicionados à esquerda dentro do espectro ideológico, chegam a dizer que preferem ser seguidamente derrotados em eleições a reverem suas velhas idéias não aceitas pela sociedade. Para eles, a derrota eleitoral, “em uma sociedade burguesa”, seria a prova de que suas idéias estão certas!
Uma dessas velhas idéias que se choca com o trauma histórico da sociedade brasileira é a do “confisco da poupança” e/ou da “quebra dos contratos financeiros”, que suportam “a manutenção do rentismo na economia brasileira”. Por isso, a atual política econômica adotou um gradualismo processual ao invés de um tratamento de choque no elevado endividamento público. A demanda por “ruptura dos contratos”, aparentemente um ato de valentia, na verdade, seria própria daqueles que não medem a (má) conseqüência social de seus atos.
Infelizmente (ou não), não se pode tratar de situações complexas com palavras simples, estabelecendo dilemas tipo “socialismo ou fascismo”, “ruptura ou capitulação”, etc. O “fim do rentismo” não será, simplesmente, diminuir a taxa de juros. Será que os que propõem isso nunca se perguntaram: – “Se é tão fácil, por que não já fizeram isso? Será falta de inteligência, monopolizada pelos que estão fora do governo? Será que todos os administradores públicos ´se vendem´ ao mercado financeiro?”. Não basta se perguntar: – “Entre ruptura ou capitulação, para onde caminha o governo Lula?”. Só há esses dois caminhos?
Uns defendem as moratórias realizadas pela Argentina – o “corralito”, a da dívida pública e a da externa – como um bom exemplo para o Brasil. Outros acham que o melhor exemplo de “governo de esquerda” é o de Chavez, na Venezuela. Talvez imaginem que a sociedade brasileira prefira viver a fuga de capitais e o empobrecimento como ocorridos na Argentina ou os conflitos sociais acontecidos na Venezuela...
As comparações internacionais têm de ser muito cuidadosas. Não se pode diferenciar “espaços” ignorando as diferenças no “tempo”, isto é, não é correto simplesmente fazer um corte temporal no ano presente, para denunciar que “ocupamos uma posição inferior no ranking de crescimento”. Pois bem, e onde fica o “estruturalismo”, “a tradição do pensamento desenvolvimentista brasileiro”? Não há diferenças estruturais entre os países, então, como ignorá-las nessas comparações? Comparar o crescimento brasileiro com o de um país que se recupera agora de 20% de encolhimento em quatro anos de recessão?! Comparar com o de um país produtor de petróleo, durante um choque de preços?! Comparar com o da China?! Ora, “todos receberam o mesmo impulso”?!
Mas chega-se a argumentar que “o governo Lula teve muita sorte, devido ao excepcional cenário internacional”. De fato, o país está muito bem colocado no “ranking internacional da sorte”: obteve o 6º maior saldo comercial e a 3ª maior taxa de crescimento das exportações no mundo, no ano passado, e caminha para repetir essa “sorte” no ano corrente. Parece até que “Deus joga dado”... e é brasileiro! Dizem que uma reversão desse cenário internacional, já que dele depende todo sucesso alcançado até o momento, será o apocalipse! A esquerda brasileira, mais uma vez, se fraciona no presente em nome de divergência quanto ao futuro.
Outro problema no atual debate econômico é o do uso da conhecida arma retórica de embaralhar metas de curto prazo com as de longo prazo. As primeiras são as passíveis de serem implementadas em um mandato pela política econômica. As outras, historicamente, nunca foram possíveis ser alcançadas apenas em um único governo. É o caso de, quando se desfia o sucesso nas primeiras, o interlocutor contrapõe, por exemplo, o fato de o Brasil continuar ser o 8º país em termos de concentração de renda! Pela experiência histórica de outros países, exceto em casos de revolução socialista, a melhoria de distribuição de renda se alcançou depois de muitas lutas democráticas. Dependeram de sucessivos governos de origem trabalhista com programas de fortalecimento democrático das instituições – Estado, justiça, partidos, sindicatos, imprensa, contratos, etc. –, tributação progressiva e gastos sociais (em educação, saúde, saneamento, habitação, transporte) orientados para os mais pobres, além de reforma agrária quando a sociedade era ainda predominantemente rural. Essas são as lições dos países bem sucedidos, para a população obter uma melhor qualidade de vida.
Mais do que da bandeira “desapropriação dos expropriadores”, a melhoria da distribuição de renda dependerá da mobilidade social massiva – e não apenas de alguns poucos. No século passado, a urbanização talvez tenha sido o maior fator de aumento do status social dos filhos em relação ao de seus pais. Entre os fatores atuais, destaca-se o aumento do tempo de estudo – aqui, ao contrário de outros países, quase 3/4 da população ainda exerce ocupações manuais, sendo ¼ dos indivíduos no estrato mais baixo (ocupações manuais rurais) e 2/4 nos estratos manuais urbanos. Quando se completar a massificação do ensino, inverter-se-ão essas posições através da abundância de trabalhadores intelectuais e da escassez de trabalhadores manuais, diminuindo o leque salarial e, portanto, melhorando a distribuição de renda.
Outro fator de mobilidade social é o ingresso da mulher no mercado de trabalho, elevando a renda da família. Também é o controle da natalidade, conseqüência normal de maior nível educacional, com elevação da renda per-capita familiar.
Quanto ao empreendedorismo, há mais de 3 milhões de empresas formais sem empregados, ocupando quase 4.300.000 proprietários ou sócios, e cerca de 15 milhões de empreendedores, sendo 53% deles por oportunidade e o restante por necessidade. O Brasil possui a 7ª maior taxa de atividade empreendedora.
No que se refere à urbanização, a intensificação da migração rural-urbana com a abertura de oportunidades nas cidades impulsionou uma grande quantidade de indivíduos a atingir uma situação social mais alta do que a de seus pais. Mas significou uma explosão na demanda por residências urbanas.
Entretanto, na geração de nossos pais, antes de 1970, o Sistema Financeiro de Habitação era muito pouco desenvolvido. As despesas com Habitação ainda ocupam o primeiro lugar na lista das despesas nos orçamentos das famílias brasileiras, chegando a 37% na faixa de renda mais baixa, enquanto na mais alta ficam em 23% (só o item Aluguel consome em média 17% do total de despesas na mais baixa e 10% na mais alta). O financiamento da casa própria é um grande fator de impulso à mobilidade social. Graças às medidas empreendidas pelo governo Lula, o Brasil vive uma nova fase no crédito imobiliário e no setor habitacional. No total, alcançadas as metas, serão cerca de R$ 15 bilhões de financiamento imobiliário, em 2005, o maior valor da história do país. Mas isso também parece não ter importância para os críticos...
Alguns analistas acham que “o verdadeiro núcleo duro do problema distributivo” [da renda] está na “sua repartição crescentemente desigual em favor dos rentistas e em detrimento de lucros e salários”. Daí, inclusive, “a essencialidade da taxa de juros” ocorre pela sua capacidade “em definir a trajetória da economia e alterar a distribuição da renda e da riqueza”. Ora, novamente, parece que basta colocar um desses analistas na presidência do COPOM para se resolver em uma só tacada, definitivamente, esses problemas conjunturais e estruturais!
Para encerrar, vamos fazer apenas duas pequenas observações. Primeira, são “grandes rentistas” os fundos mútuos de investimento de varejo (onde estão “o seu, o meu, o nosso dinheiro”), os fundos de pensão (onde estão futuras aposentadorias de trabalhadores), as instituições financeiras públicas federais (onde o rendimento com os títulos públicos compensa a falta de rentabilidade com a missão social). Segunda, na origem da renda dos brasileiros mais ricos – assim como na dos mais pobres (ver TD 1014 IPEA, mar 2004) – predomina a do trabalho em relação à do capital, em outras palavras, eles recebem relativamente mais salários (75%), aposentadorias e pensões (18%), aluguéis (5%) do que juros e dividendos (2%). Nesse sentido, o controle da inflação, mesmo utilizando o instrumento da taxa de juros, é uma das metas mais importantes da política econômica de curto prazo, para não deteriorar ainda mais a distribuição de renda. Combinada com o acesso popular a bancos e crédito é uma arma poderosa para elevar o poder aquisitivo da população não rica, que antes recebia só o “dinheiro de pobre” não protegido da inflação. Só o “dinheiro de rico” tinha correção monetária contra a inflação, nos bancos. Esta realidade mudou, no governo Lula.
Talvez pudesse se fazer mais (e de maneira mais eficaz) se os economistas de esquerda não se dedicassem ao esporte de “dar tiro no pé” e “lavar as mãos”. Ficar apenas fazendo oposição à política econômica do governo, como ela fosse a mesma política neoliberal de FHC, e criticando a coalizão parlamentar com os “conservadores”, que constitui a base governista, é se esquivar da responsabilidade histórica de apoiar o primeiro governo de um partido de esquerda no Brasil. Esse esforço exige uma crítica construtiva, isto é, não destruir o existente sem propor uma alternativa econômica e política viável. Senão, estará somente aumentando-se a turbulência política que a direita deseja para derrubar o governo Lula e “acabar com nossa raça”.

Fernando Nogueira da Costa é professor licenciado do Instituto de Economia da Unicamp, vice-presidente da Caixa Econômica Federal. E-mail: fercos@uol.com.br

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