quinta-feira, janeiro 19, 2012

Os EUA carecem de (e merecem) presidente menos assustadiço

O Sunday Times publicou matéria investigativa, em que mergulha no mundo secreto dos Smileys. A revelação sensacional de que o Mossad israelense assassinou o cientista iraniano Mustafa Ahmadi Roshan, 32 anos, em Teerã, semana passada[1] baseia-se em fontes da inteligência. É história nuançada que cuidadosamente – e clinicamente – isola Israel como único perpetrador daquele ato terrorista, e separa a Grã-Bretanha e os EUA daquela prática criminosa.

É questão interessante, porque a reação de Teerá ao ataque terrorista de Israel está endurecendo. Nunca antes o Irá reagira com ameaça de retaliação. Dessa vez, sim. E o aviso foi emitido pelos mais altos escalões políticos e militares iranianos.

O porta-voz do Parlamento (Majlis) Ali Akbar Larijani é figura chave no establishment iraniano, muito próximo do Supremo Líder Ali Khamenei, com credenciais impecáveis aos olhos também dos Guardas Revolucionários. (Muitos dão por garantido que será eleito próximo presidente do Irã.) Larijani disse em tom enigmático: “Nós [Irã] não hesitaremos em castigar o regime sionista, para que entendam que ações como essa terão resposta clara. Haverá resposta, mas não responderemos com ato terrorista.” Sugere que coisa maior estaria em preparação.

O comentário do vice-comandante do Estado-maior das Forças Armadas do Irã Massoud Jazayeri é mais estridente. Disse que “Os que se opõem à Revolução Islâmica do Irã e ao progresso do Irã não duvidem que a resposta punitiva aos EUA, ao regime sionista e aos seus cúmplices criminosos será dada em momento oportuno.” [Itálicos meus.]

Interessante, o aviso de Larijani é dirigido especificamente a Israel. O do general Jazayeri inclui os EUA. Pode-se argumentar que o governo do Irã está sob pressão política para reagir, sobretudo em ano crucial, em que a disputa pela liderança da revolução está acelerada, com eleições parlamentares e presidencial marcadas para um período de 15 meses. Mas a questão não é essa.

O ataque dos terroristas israelenses coincide com uma ‘trégua’ na questão nuclear iraniana, com os dois lados, Teerã e os chamados “5+1
timidamente recomeçando a considerar a retomada das negociações. Até a vinda a Istanbul está sendo mencionada. Larijani fez produtiva visita a Ancara na 5a-feira passada, dias depois de o ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu ter visitado Teerã. (Entre os dois encontros Irã-Turquia, o vice-secretário de Estado dos EUA William Burns pousou em Ancara, para saber que notícias Davutoglu trazia de Teerã.)

Verdade é que Israel tem longa história de torpedear as rotas políticas de discussão da questão nuclear iraniana, e tanto mais torpedeia quanto mais o espectro de alguma normalização das relações EUA-Irã assombra Telavive.

Teerã disse agora que os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica que visitam Teerã de tempos em tempos (entre os quais há especialistas ocidentais com conhecidas relações com a inteligência) estão vazando a identidade de cientistas iranianos, informação da qual o Mossad ter-se-ia servido para organizar ataques terroristas pontuais. Se o Irã suspender a autorização para visitas dos inspetores da AIEA – outra missão está prevista para breve – a via política e diplomática será outra vez congelada. O objetivo do ataque terrorista israelense pode ter sido exatamente esse.

A questão é que os israelenses não são idiotas o suficiente para supor que o assassinato de três ou quatro cientistas iranianos, das dezenas de milhares de profissionais altamente qualificados com que o país conta, bastaria para impor qualquer dano significativo ao programa nuclear do Irã. Até o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu já reconheceu publicamente que as tão louvadas sanções não estão tendo qualquer efeito sobre o programa nuclear do Irã.

Mas, se a via diplomática que atualmente começa a ser considerada for novamente fechada, Israel venceu essa disputa. Parece que Washington está percebendo o plano de jogo israelense. Chegam sinais pelo vento. No final de semana, a OTAN resgatou um barco iraniano em perigo. Antes, a marinha dos EUA havia resgatado pescadores iranianos, das garras de piratas da Somália. O presidente Barack Obama escreveu a Khamenei (carta que o Irã, muito provavelmente, planejava responder).

Debka, o website israelense com ligações com a inteligência, publicou no fim de semana: “Obama pareceu desconfiar que Israel encenou o assassinato para torpedear mais um esforço secreto dos EUA para evitar confronto militar com o Irã através de canais secretos com Teerã, ao mesmo tempo em que a veemente condenação [do ataque terrorista israelense, pelo governo dos EUA] é vista como parte da campanha total para impedir que Israel ataque unilateralmente o Irã.”

O nó da questão é que “Bibi” pode interferir também na campanha eleitoral de Obama, embora dentro de Israel haja oposição à fúria belicista de Bibi, com a qual Obama, se quiser, pode jogar – como a do ex-chefe do Mossad, Dogan. Em Israel, as pesquisas mostram ampla maioria da população em oposição à guerra com o Irã, e disposta a coabitar na região, inclusive, com um Irã “nuclear”.
Recentemente, Dogan alertou contra o excessivo alarido dos tambores de guerra. “A comoção que cerca a alternativa de um ataque imediata [ao Irã] pode empurrar os iranianos para uma realidade [na qual estariam sendo encurralados] que os levaria a tentar adquirir capacidades nucleares ainda mais rapidamente, em vez de moverem-se com mais cautela, levando em consideração as demandas da comunidade internacional.”
Seja como for, os exercícios de manobras militares conjuntas de EUA e Israel, de enormes dimensões antes jamais vistas, e marcadas para abril próximo, foram abruptamente canceladas, em circunstâncias ainda não perfeitamente esclarecidas. Milhares de soldados dos EUA deveriam ter sido desembarcados em Israel, em notável demonstração da solidariedade dos norte-americanos.
Feitas todas as contas, tudo se resume à perseverança e ao desejo políticos de Obama de manter mão firme sobre o aventureirismo dos israelenses. A evidência de que Israel recorreu ao terrorismo nesse exato ponto vem carregada de consequências, todas perigosas. Até aí, se pode supor que Obama sabe o que está acontecendo.

Mas a grande pergunta é como Obama converterá em geopolítica esse seu poder de compreensão. São os interesses dos EUA versus a agenda israelense.

Comentário publicado em China Daily semana passada foi diretamente ao ponto, em avaliação muito ponderada da tortuosa paisagem política:
A paisagem política no Oriente Médio e no Norte da África passa realmente por mudanças dramáticas, o que piora o ambiente para Israel. Os governos pró-EUA e pró-Israel no Egito e na Tunísia caíram, e o conflito árabe-israelense foi reativado. Forças islâmicas crescem, nas eleições na Tunísia. O Egito endureceu em relação a Israel. Por sua vez, Israel quer atacar o Irã para consolidar sua segurança nacional e obter vantagens no Oriente Médio. E tudo parece confirmar que Israel conseguirá sequestrar a política dos EUA para o Irã, em ano de eleições presidenciais norte-americanas. (...) Hoje, é dever de Irã e EUA resolverem a questão por meio pacífico.
Se a opinião pública nos EUA opuser-se firmemente à ação militar contra o Irã, o governo Obama poderá impedir que Israel inicie uma guerra. Afinal, fazer-se surdo à opinião pública pode custar a Obama a reeleição. Mas, em sentido oposto, se lançar o país em uma guerra puder ajudar Obama a obter seu segundo mandato na Casa Branca, o Irã não escapará de ser atacado militarmente.[2]
Que cruel ironia! Dado o sistema político disfuncional dos EUA, será o povo norte-americano, enganado, mal informado, semianalfabeto, autocentrado, sem visão ampla de mundo, quem, em última instância, decidirá entre guerra e paz no Oriente Médio! De que adiantou elegerem presidente intelectual cerebrino, mas que tanto teme perder o emprego?

++++++++++++++++++++++++++