domingo, janeiro 01, 2012

Lá como cá, a arapongagem de Estado nunca é punida:

EUA: Liberdade e justiça só para alguns16/12/2011, Harpers, Gleen Greenwald, “With Liberty and Justice for Some: Six Questions for Glenn Greenwald”
(entrevista a Scott Horton, excerto) –
http://harpers.org/archive/2011/12/hbc-90008356
Harpers: (3) Nos governos Bush e Obama, os ‘vazadores’ de informação foram demitidos, perseguidos e até processados, nos termos de leis como a Lei Antiespionagem [ing. Espionage Act] com rigor antes jamais visto, sobretudo quando o que descobrem e divulgam sugere que agentes do Estado e do governo cometeram crimes graves. Esse zelo persecutório é movido pelos mesmos fatores que criam imunidades para as elites?

Gleen Greenwald: Sem dúvida alguma. Considere o caso dos crimes de escuta clandestina na Agência de Segurança Nacional, caso claro de crime cometido nos anos Bush. A coisa toda foi crime tão claro e evidente para todos, que dois jornalistas, James Risen e Eric Lichtblau, ganharam o Prêmio Pulitzer, pelo trabalho de expor tudo no New York Times[1]. Funcionários do governo foram apanhados em ações idênticas às que a lei tipifica como crime: instalar escutas clandestinas sem autorização de um juiz. Para cada crime cometido, naquele caso, a lei prevê pena de prisão de cinco anos e/ou multa de $10 mil dólares.

Mas nenhum dos agentes do governo Bush foi sequer investigado, imagine se alguém chegou a ser processado. As gigantes das telecomunicações nos EUA, que também cometeram crimes, especificamente, de cooperação entre empresas e governo em escutas ilegais, passaram até, depois, a ser protegidas: foram ‘imunizadas’, por lei aprovada no Congresso.

Ninguém jamais foi condenado no escândalo das escutas clandestinas na Agência de Segurança Nacional, exceto uma pessoa: Thomas Tamm, advogado do Departamento de Justiça, funcionário de nível médio, que descobriu as escutas ilegais e, num gesto de consciência, telefonou a Lichtblau [jornalista do New York Times] e contou o que descobrira. Nenhum dos criminosos foi investigado, mas Tamm, sim, foi investigado, perseguido, demitido, obrigado a contratar advogados para defender-se, gastou tudo o que tinha, foi reduzido à miséria e passou por grave crise de depressão. A única pessoa punida no escândalo das escutas clandestinas na Agência de Segurança Nacional, nos anos Bush, foi quem descobriu e denunciou os crimes.

É o que se vê sempre. E a guerra de Obama contra WikiLeaks e Brad Manning é exatamente isso. O único ato que o Departamento de Justiça de Obama tem interesse em punir é o ato de expor os crimes da elite governante, não os atos dos que praticam aqueles crimes. WikiLeaks e Brad Manning são ‘pré-condenados’ por denunciar crimes da elite.

Harpers: (4) Em discurso que fez recentemente, em Osawatomie, Kansas, o presidente Obama usou o conceito de “Novo Nacionalismo” de Theodore Roosevelt[2], como apoio retórico. Você acha que o pensamento de Roosevelt, de uma nação dedicada à “democracia real”, é adequado para uma nação que, hoje, padece sob o triunfalismo das elites? E você acha que Obama, num segundo mandato, dará qualquer passo significativo para enfrentar os problemas que você discute em seu livro – sobretudo as questões de transparência?

Gleen Greenwald: Vários dos temas sobre os quais Obama falou em Kansas são válidos e apropriados, mas nada disso faz qualquer diferença. Obama está em campanha eleitoral, e o que ele já mostrou, convincentemente, é que o que diz em seus magníficos discursos nada tem a ver com suas ações de governo.

Absolutamente nada, zero, faz supor que Obama mudará de curso, nesses assuntos, no segundo mandato. Sempre haverá outra eleição à frente, argumento que candidatos e apoiadores sempre usam para justificar o que não façam ou façam mal feito (o de sempre: é vitalmente importante que os Democratas vençam as eleições de meio de mandato em... 2014!). Obama não manifestou qualquer tipo de interesse em acusar formalmente, processar e julgar as elites. E não só as elites políticas: tampouco manifesta qualquer tipo de interesse em acusar, processar e julgar formalmente as elites das finanças.

De fato, é até menos provável que se decida a julgar as elites políticas e das finanças no segundo, que no primeiro mandato. Em novembro de 2008, o New York Times já explicou por que os presidentes são incentivados a acobertar e impedir que antecessores sejam processados: “Porque todos os presidentes, mais dia menos dia deixam a presidência, os altos executivos do mundo político e das finanças sempre são incentivados a nada investigar de mandatos anteriores.”[3] Em outras palavras, ao ajudar a acobertar os atos dos que vieram antes dele, Obama libera-se, ele também, para agir em total impunidade. Por isso, todas as elites – políticas, financeiras, a imprensa – são sempre motivadas a defender e a preservar essa ‘licença’ para cometer crimes, que protege as próprias elites, uma mesma classe” [Continua, no original].
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