Quinn Norton |
8/11/2011, Quinn Norton, “The Treat Level”, Wired (Parte I)
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Essa matéria é a primeira de uma série especial de Quinn Norton para a revista Wired.
Quinn Norton está vivendo com manifestantes #Occupy e quer ler por trás das manchetes, acompanhando os Anonymous.
O projeto de seu trabalho pode ser lido em: “Wired.com Embeds With #Occupy and Anonymous” (em inglês).
Nota dos editores: Cobertura decente do que são e fazem os Anonymous andará sempre muito próxima, em alguns pontos, de material NSFW [2]. Inclui imagens e linguajar não recomendáveis.
Anonymous manteve seu protesto mensal, inclusive esse, dia 13/10/2011, em frente ao templo principal da Igreja da Cientologia, no centro de San Francisco. |
Semana passada, a net e a mídia foram sacudidas por notícias de que os Anonymousatacariam o cartel de traficantes mexicanos Zeta [3], história que adiante se metamorfoseou em ampla matéria sobre drogas e corrupção [4], e levou à denúncia de um funcionário público na Carolina do Norte, acusado de formação de quadrilha.
Também em 2011, os Anons distribuíram documentos reservados (que intitulam “d0xed”; aprox. “descoberto”, “desvelado”, “revelado”) de várias organizações policiais e de um conhecido empresário, fornecedor da Polícia[5], como retaliação, depois de dura repressão policial contra ocupações associadas ao movimento Occupy Wall Street. Já invadiram páginas que promovem pornografia com crianças, várias vezes invadiram os computadores da Sony e até tentaram distribuir fotos comprometedoras, para chantagear o porta-voz da empresa Bay Area Rapid Transit (BART), Linton Johnson, e tentar forçá-lo a demitir-se (logo depois que Johnson declarou que havia autorizado o bloqueio de telefones celulares nas estações das linhas BART, de transporte público em San Francisco, como medida preventiva para impedir manifestações de protesto marcadas para as mesmas estações, contra a brutalidade policial. [6])
Criaram um frenesi punitivo, que beirou o pânico, num momento em que a logorreia da mídia e dos “especialistas” atingia o clímax, todos falando de “cyberterrorismo” e “cyberliberdade”. Mas safaram-se de tudo, com discurso que sempre está entre o engraçadíssimo, o extremamente perturbador e a autopromoção desenfreada, conforme o humor da “onda” dominante em cada momento.
Mas o que é “Anonymous”?
Na série que aqui se inicia – “Anonymous: Beyond the Mask” [Anonymous por trás da máscara] – faremos o possível para responder essa pergunta.
A professora Biella Coleman, da New York University, que há anos pesquisa os Anonymous, vê neles o arquétipo do herói (às vezes maldito) que zomba dos deuses[7], e que, pela astúcia e pela esperteza, consegue sobreviver à luta contra inimigos muito mais poderosos.
“O herói zombador ladino existe nos EUA, na Europa, em todo o mundo, não como mito, mas encarnado num grupo e na prática viva: é “o malandro” (versus “o otário”, “o Mané”, em português), a raposa (versus o leão); o hacker[8] (versus o especialista empregado), o que faz gambiarras e rouba sinais de telefonia ou de televisão por cabo, na fiação de rua (ing.phreaker, com “ph” de “phone”), o “trator” (que passa por cima de tudo, ing. troller, às vezes no sentido positivo, de “invencível”, às vezes no sentido pejorativo que aparece, em português, no verbo “patrulhar [ideias]”) – os quais, todos, têm traços próprios, como todos os ladinos ardilosos safos” – escreveu ela em Social Text [9].
O herói zombador ladino não é nem o mocinho nem o bandido. É o personagem que expõe contradições, inicia a mudança e faz avançar a narrativa. Num episódio o amado e heróico herói zombador ladino está salvando a civilização. Minutos depois, o mesmo herói zombador ladino mostra-se cruel e desalmado, chuta velhinhos e come criancinhas.
Conversar sobre os Anonymous é aproximar-se passo a passo da natureza desse herói zombador ladino, andar entre o elogio e o medo. E a imprensa, sempre perdida, sem saber como descrevê-los.
Tentamos várias formas: “grupo hacker”, “conhecido grupo hacker”, “hack-ativistas”, o Canal Fox – a Máquina de Ódio – da Internet”[10], “os cara de palhaço”, “adolescentes-militantes-de-porão”, “organização militante”, “um movimento”, “um coletivo”, “um grupo de vigilantes”, “terroristas online” e várias outras expressões fantásticas e coloridas. Nenhuma delas cobriu, realmente, o que é preciso dizer. Os Anonymous sempre nos obrigam a recorrer a dicionários e enciclopédias – o que mostra que a imprensa, toda ela, ainda não tem ideia do que realmente sejam ou signifiquem os Anonymous.
Só quando baixei e ouvi o álbum Corruption [11], segundo álbum de Lulz: A corruption of LOL [12], consegui afinal sacar o que são, realmente, os Anonymous.
Anonymous é uma cultura.
É preciso ser uma cultura para ter álbuns, palavras só suas e iconografia, exatamente tudo que me cercava e onde eu já estava nadando. E há muito mais. Anonymous é uma pequena cultura nascente, mas já tem estética e valores seus, além de arte e literatura, regras sociais e modos de produção, e tem, até, linguagem dialética própria.
Não surpreende que a imprensa e a cultura dominante estejam confusas, perdidas. Estudar os Anonymous tem de ser exercício de antropologia, que considere o modo como vivem as pessoas em sociedades diferentes. A mídia insiste em querer ver ali uma organização com um líder que explique àquela mídia por que os Anonymous só fazem coisas estranhas. E não só isso, porque os Anonymous parecem ter-se constituído em torno de fazer coisas estranhas e têm até expressão própria para dizer o que fazem: inventam lulz.
Esse lulz é o traço mais abstrato e mais importante que é preciso compreender sobre os Anonymous – e, talvez, sobre a própria internet. Lulz é rir, em vez de gritar. É uma risada que confunde e separa. É schadenfreude – é o malandro que ri da desgraça do otário. Não é o humor anestésico que ajuda a passar o dia. É humor que aguça todas as contradições. O lulz é riso que não esconde a dor (\o/). Obriga você a ver a injustiça e a hipocrisia, e não faz diferença de que lado você esteja de cada uma, no momento em que os Anonymous riem (\o/ \o/ \o/ [NTs]).
Na cultura dos Anonymous, o lulz é a razão pela qual fazem. Os Anonymous não são feitos para tempos fáceis; quando tudo está bem, o herói zombador ladino tira uma sesta.
Inevitabilidade
Nenhuma cultura emerge do vácuo, e Anonymous não é exceção. Os Anonymous nasceram no website 4chan[13] criado em 2003, que se converteu numa seção do tipo “cabe tudo” conhecida hoje como the /b/ board. O 4chan, por sua vez, vem de um antecessor em japonês, chamado 2chan, criado em 2001. E antes disso, o malho lulz e hacker estava já bem vivo nas velhas salas de bate-papo, na EFnet e na cena hacker dos anos 1990s [14].
Mas, se você já andou até aí, acrescente também, como influências, Mondo 2000[15] e publicações como RE/Search e um bilhão de zines babacas, já falecidos à altura de 1996. Mas nada disso tampouco nasceu do nada.
A cultura hacker e praticamente toda a cultura de computadores daqueles anos nascem na franja contracultural dos anos 1960/1970s e do Illuminatus! de Robert Anton Wilson e Robert Shea[16]. Portanto, para acompanhar o fluxo, temos ainda de entender os hippies, Andy Kaufmann e os Situacionistas. Ou vamos até o início do século 20, conhecer os absurdistas e dadaístas? Ou, quem sabe, vamos logo ao livro dos livros, obra máxima, o grande épico trator lulz, Tristram Shandy [17]? Então, estamos hoje muito longe, em 1759.
Talvez tudo isso signifique que os “Discordantes” dos anos 1960s sempre estiveram certos, e há uma gargalhadinha “He-He-He-Agora-é-Sério[18] de natureza cósmica. Talvez haja uma parte da realidade, uma força da física, que é Senso de Humor Fundamental. Nesse caso, a gravidade (a seriedade das gentes e o peso dos objetos) que enfrentamos sempre só se explicaria por uma quantidade ainda maior de Humor Negro, entretecida também no tecido do universo.
O que interessa é que Anonymous, apesar do falso choque que se vê nos jornais e jornalismos contemporâneos, não é sui generis. Não é surpresa e não brotou, já completamente formado [nem da cabeça de Júpiter, feito Vênus, nem] da cabeça do Gato no Teto [ing. Ceiling Cat [19]].
Aqui e agora, com a exaustão do discurso político [e do discurso jornalístico (NTs)], as tremendas pressões da vida moderna, o surgimento da internet, era inevitável que surgisse esse organismo de rede estocástica, os Anonymous.
Confesso ao mundo que amo os Anonymous, mas não os vejo como heróis.
Como o personagem “V” de Alan Moore[20] que inspirou os Anonymous a adotar a máscara de Guy Fawkes como ícone e item de moda, ninguém jamais pode decidir se Anonymous é herói ou anti-herói. O herói zombador ladino é atraído pela mudança e pela necessidade de mudar, e Anonymous vai por aí. Mas eles não são o seu exército pessoal – diz a Regra 44, e, sim, há regras [21]. E quando Anonymous fazem alguma coisa, ela nunca sai exatamente conforme os planos. A internet não tem limites claros.
O mito do herói zombador ladino mostrou-se tão sedutor que a rede lhe deu corpo, meteu-o na realidade. Anonymous, o herói zombador ladino da rede, emergiu como monstro sobrenatural de cinema, saído diretamente dos miasmas do pântano de ideias, diretamente para o mundo real.
“Ultra-coordinated motherfuckery” [22] – Sarro ultracoordenado [23]
“Caso alguém aí decida clicar no lado /b/”[24] . No cartaz: “Atenção! É perigoso entrar sozinho. Leve ele com você”. |
Mas para seguir o fio histórico, comecemos pelo 4chan.org, muitíssimo popular por distribuir imagens e falar delas, especialmente 4chan’s /b/ board (barra pesadíssima, realmente, muito, muito NSFW). /b/ é um fórum onde os postados não são assinados, não há arquivos e é fórum declaradamente sobre qualquer coisa e tudo. Esse formato tecnológico, unido à internet no início do século 21, fez nascer os Anonymous, e continua a ser a teta na qual os Anonymous mamam (Regra 22 [25]).
Se você tira a venda dos olhos e começa a olhar, é difícil parar de olhar o que /b/ lhe dá.
/b/ é o id da internet, versão inconsciente-coletivo do ponto do qual brota o pique da base. Nenhuma sofisticação nas passagens, sexualidade e destruição na paisagem selvagem de /b/ – é o homem-da-rede em estado selvagem.
Nisso, há ali uma espécie de inocência e pureza. “Negro” e “viado” são palavras frequentes, mas não por racismo ou homofobia – embora também haja muito racismo e homofobia por ali. Essas palavras aparecem ali como uma espécie de barreira, para manter você afastado [Na porta de entrada do Inferno, na Divina Comédia, de Dante, lia-se bom aviso semelhante: “Deixai toda a esperança, vós que entrais!” (Canto III) (NTs)]. Palavras duras, ali, como placas, avisando que, adiante, a coisa piora. E piora.
Aceitam-se praticamente todos os apetites humanos, todas as nódoas são exploradas e provavelmente, fotografadas. Mas /b/ nos obriga a lembrar que o id é a fonte da energia criativa. Muito, muito, muito, mesmo, é inócuo, às vezes até doce. Muita gente busca socorro em /b/, e muita gente encontra amparo e aconselhamento. O id e /b/ são como tocas onde se podem abrigar os muito fracos e desamparados por todos.
Em /b/ você encontrará os não-ditos. Os “/b/tards” [de “bastardo”, equivalente, em inglês, a “filho da puta”] como são chamados e se chamam os “gurus” daquela página, criam pornografia de incesto, fantasiam espancamento de mulheres, procuram dataviz [26] e mais. São adultos, homens, e querem, sim, conversar sobre “My Little Pony: Amizade é pura Magia”. [27] Talvez seja engraçado, talvez não (um daqueles marmanjos me diz que a coisa é muito melhor do que estou pensando.)
Em algum momento perdido nessa história que ninguém escreve, /b/ e Anonymous chegaram a um ponto de inflexão, e o id respingou para o resto da rede, sob a forma de “um sarro ultracoordenado” – como um Anon descreveu-o para Coleman.
Foi graças à competência para usar muito bem e muito rapidamente ferramentas tecnológicas de coordenação social, que os Anons, trabalhando juntos, podem atacar coletivamente qualquer alvo, entrando por praticamente qualquer brecha, ou só para divertir-se, sem que os alvos tenham nem a mais remota chance de antecipar algum ataque ou de se proteger.
Esses ataques passaram a ser conhecidos como “raids.”
Com o tempo, os raids assumiram várias formas, em alguns casos mudaram-se para o mundo normal. Às vezes, são como protestos em massa coordenados, ataques de DDOS (distributed-denial-of-service, quando vários hackers sobrecarregam um determinado site e o derrubam), invasões diretas de quebra de segurança e invasão (hacking, literalmente) de websites ou bancos de dados ultraprotegidos. Vazamentos (“D0xing”) de dados protegidos, falsas encomendas de pizzas, inscrever outros para que passem a recebem toneladas de e-mails não solicitados, rapidamente viraram rotina.
Há um tipo de raid que todos conhecem, seja como participante seja como vítima: o rickroll. [28] O rickroll começou como ferramenta de um raid dos /b/tard/Anonymous, antes de espalhar-se tanto, que o governo do Oregon [29] e até o porta-voz da Câmara de Deputados dos EUA [30] rickrollearam meio mundo.
Os Anonymous espalharam outros memes, como lolcats e pedobear que se afastaram muito da origem, mas que tiveram pouco efeito no resto do mundo.
Mas, sempre, os Anonymous mantêm alguma coerência de atitude, embora, às vezes, envenenada. Distribuíram dados sigilosos de alguém que maltratou um gato. Em geral, perseguem quem maltrata gatos, porque os Anonymous adoram gatos e imagens de gatos. Bloquearam o acesso à piscina, num jogo para crianças (Habbo Hotel), com avatares de negros musculosos cobertos de jóias, que informavam “A piscina está fechada por causa de AIDS” –, em protesto contra o que lhes pareceu atitude racista, nos proprietários da Habbo.
Mas os Anonymous nunca tiveram qualquer alvo-foco claro. Os “raids” eram ou devastadores ou engraçados, mas, nos dois casos, apareciam e sumiam com a mesma rapidez, no tornado característico do próprio sistema. Anonymous nunca foi o exército pessoal de ninguém e nunca esquentou lugar em nenhuma causa.
Foi preciso que aparecesse Tom Cruise para mudar tudo isso e dar uma consciência política aos Anonymous. Especificamente, Tom Cruise encarnado em Cientologista fanático (a seguir, vídeo integral, sem cortes:
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O nascimento dos “Moralfags” [31]
Em janeiro de 2008, vazou da Igreja da Cientologia um vídeo em que se via um Tom Cruise em surto. Aquela igreja tentou pressionar vários provedores de acesso e Gawker a censurar o vídeo a tirá-lo da rede, usando todos os tipos de artimanhas legais.
Mas o vídeo era lulz épico em estado puro, e os Anonymous não o deixariam morrer. Os esforços da Igreja da Cientologia para fazê-lo desaparecer enfureceram de tal modo os Anons, que decidiram destruir, de vez, toda a Igreja [32]. Os Anons ficaram “furiosos” o que significou, como sempre, inventar ação engraçadíssima, de chorar de rir, de mijar de rir, de cuspir de tanto rir. Para os Anonymous, “ficar furioso” significou decidir tratorar a Igreja, mas sem deixar, nem por um segundo, que a coisa soasse séria. Porque soar sério, para os Anons, significa perder a guerra.
Para essa “op” [“operation”, operação], os Anons criaram o Projeto Chanology [33], o qual, pode-se dizer, marcou o nascimento de uma consciência política para os Anonymous, e o desenvolvimento de métodos próprios para ações de massa.
Destruir a igreja seria hiper mega engraçado, e requeria muito trabalho. Muitos se perguntam, desde então, se eles falavam a sério, sobre destruir a igreja, ou se tudo não passava de piada. A resposta é sim. Entender isso é crucial para entender os Anonymous.
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Não há prova de que o pessoal que iniciou o Projeto Chanology tivesse qualquer questão pessoal contra a Igreja da Cientologia, além do incômodo indireto que muitos sentem, ante a longa história de litígios legais promovidos pela Igreja e repetidas tentativas para cercear opiniões divergentes. Mas o mais importante, provavelmente, é o fato de que a Igreja da Cientologia foi considerada culpada, sem possibilidade de remissão, do crime de “dar comida aos trolls” [34] (Regra 14 [35]).
Mas o Projeto Chanology foi o que faltava, como abrigo, aos muitos que tinham histórias pessoais com a Igreja da Cientologia, que acorreram a abrigar-se sob as asas do arrogante e lulz coletivo. A Cientologia perseguiu seus detratores com virulência e mesquinharia, vasculhou a vida pessoal dos críticos, perseguiu-os com investigadores privados e arruinou várias reputações.
Os Anonymous não se assustaram. Se alguém os acusa de estuprar, eles respondem que estupram criancinhas. Acuse-os de qualquer crime, e eles responderão com coisa pior, no blog /b/. O anonimato e a ética de “palavras nunca me atingirão” que herdaram da estética de extremos do 4chan tornaram os Anonymous imunes ao arsenal da Igreja da Cientologia.
Mas alguns Anons, e alguns que se juntaram a eles, saídos da comunidade de inimigos da Cientologia, esses, sim, queriam vencer aquela guerra. Queriam sair dela como os mocinhos, deixando a Cientologia no papel de bandidos. A Igreja, raciocinaram eles, feriu pessoas, roubou dinheiro e mentiu a muita gente, apresentando-se às pessoas fantasiada de assistentes e professores.
Os Anonymous dizem que fazem quase a mesma coisa, mas, de fato, não fazem. E com certeza jamais prometeram cuidados e ensinamentos a ninguém, mas, vez ou outra, cuidam de gente e ensinam muito.
Como Coleman escreve em seu estudo sobre os, eles são a nêmesis perfeita. Mas Anons, Anonymous preocupados com fazer a coisa certa, entram no mundo da moralidade, e a moralidade – ou, pelo menos, com certeza, o moralismo arrogante – é o contrário do lulz. Para muitos Anons veteranos, a briga contra a Igreja da Cientologia corrompeu a pureza dos Anonymous – e com o fim da pureza, cresceria o câncer que acabaria por matar o lado /b/.
Dia 10/2/2008, os “moralfags” levaram a coisa toda a um novo patamar. Marcaram reuniões, hora e local, em cidades em todo o mundo, compraram máscaras e escreveram cartazes.
Milhares de Anons abandonaram a Internet e apareceram na rua, em frente às igrejas e centros da Cientologia em todo o mundo, muitos deles usando as máscaras de Guy Fawkes recém compradas – item da campanha de marketing que a produtora Warner Brothers fazia então, promovendo o filme “V for Vendetta”, para ocultar o rosto e a identidade.
Tocaram e dançaram com seus cartazes, os quais, simultaneamente, acusavam a Igreja da Cientologia e faziam referência a obscuros memes de internet. Encontraram-se em carne e máscara, na rua, pela primeira vez. Festejaram o encontro, ante Cientologistas irados, em mais de 90 cidades do mundo.
Pela primeira vez, a internet aparecia na rua real, em massa. E, claro, os Anonymous levaram o Gato Comprido (“Long Cat [36] ).
Continuação na:
PARTE II, “Anonymous 101, PARTE 2: A moral derrota o Lulz”, 30/12/2011, Quinn Norton, Wired (em tradução).
Notas dos tradutores
[1] Corruptela de “LOL” (na taquigrafia da comunicação online, significa “gargalhada”, “risos, risos, risos”. Também grafado “\o/” e \O/). “Lulz” é também um grupo de hackers que operam, segundo eles, na “antissegurança”. Em junho de 2011, atacaram vários sites do governo brasileiro. Sobre isso, ver O Estado de S.Paulo, 21/6/2011, em: “Lulz Sec e Anonymous anunciam aliança”.
[2] NSFW, Not Safe For Work (Não Seguro para Ambiente de Trabalho). No mundo da internet, a sigla é usada para indicar que o website inclui material que o chefe ou os colegas considerarão inadequado para ser visto/lido em ambiente de trabalho (o oposto de SFW, Safe For Work, Seguro para Ambiente de Trabalho).
[8] O verbo to hack, em inglês, é usado, com conotação positiva, para designar o movimento que se faz, com um facão, para abrir uma trilha numa floresta densa; mas usa-se também, com conotação negativa, para o ato de cortar drasticamente um orçamento, sem considerar qualquer efeito que não seja gastar menos; ou para cortar texto escrito, para fazê-lo caber num dado espaço, sem considerar muito o que seja excluído. Nas duas acepções, hacker é o sujeito ativo do verbo (em inglês).
[13] Em 4chan s regras para interagir nessa página estão em “Rules”. A regra 14 diz: “Lembre-se: usar o 4chan é um privilégio, não um direito. O 4chan reserva-se o direito de cancelar o acesso e remover o conteúdo sem qualquer aviso”.
[16] “The Illuminatus” (em inglês) é uma trilogia: três romances publicados em 1975, sem tradução para o português.
[17] STERNE, Laurence, A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, São Paulo: Companhia das Letras. Tradução [totalmente magnífica!] de José Paulo Paes. E é romance totalmente sensacional, sensacional, e foi leitura de cabeceira de ninguém menos que Machado de Assis. Aliás, depois de ler Tristram, vê-se bem facilmente o quanto há dele, no grande, grande, imenso Machado de Assis. Que voo! Dos Anonymous, diretamente ao Machado de Assis, no Cosme Velho, na Rua do Matacavalos, no Rio de Janeiro do II Império! Que voo! Que viagem! \o/ \o/ \o/.
[18] Glossário onde se lê: ha ha only serious – [da gíria de San Francisco, orig. como mutação deHHOK, ‘Ha Ha Only Kidding’ (“He, he, é piadinha, tava só brincando”)]. A expressão (quase sempre abreviada, HHOS) captura o sabor de boa parte do discurso hacker. Aplica-se, sobretudo a paródias, absurdos e piadas que são feitas para, e percebidas como, contendo alguma perturbadora quantidade de verdade ou verdades construídas como piada ‘interna’ e autoparódia. Esse glossário contém muitos exemplos de “He-he, é piadinha, tava só brincando” e “He-he, agora é sério”, tanto na forma como no conteúdo. De fato, toda a cultura hacker é muito frequentemente interpretada como “He-he, agora é sério” pelos próprios hackers; rir demais ou levá-los demasiadamente a sério marca quem assim reaja como “gente de fora”, um “quem-me-dera-eu-fosse-ele” ou um “nunca-será, em estado larval”. Para mais esclarecimentos sobre esses problemas, consulte qualquer mestre Zen. Ver também hacker humor e koan (em inglês).
[19] “Ceiling Cat” (em inglês)
[21] Escritas pelos Anonymous; podem ser lidas em: “Regras da internet”, (em inglês). A regra 44 diz: “/b/ sucks today” (aproximadamente, mas não exclusivamente: “[a página] /b/ enche o saco deles hoje”).
[22] Há zilhões de ocorrências dessa expressão, quase intraduzível [lit. “filha-da-putagem ultracoordenada”] na internet. Várias são falas de Anonymous convidados para encontros com alunos em escolas e universidades pelo mundo, nas quais a expressão ocorre como pára-definição do que os Anonymous fazem. Mas a ocorrência em que a expressão mais dá conta de muitos outros significados muito complexos parece ser, das que encontramos até agora, o postado de um músico blogueiro, procurando emprego em alguma banda: “Se alguém aí tá pensando num sarro ultracoordenado, eu tenho o tamborim” (\o/ \o/ \o/.
[25] A Regra 22 (ver nota 21) diz: “Cortar-colar foi feito para matar a última gota de originalidade que restava”.
[27] Seriado infantil, lançado no Brasil dia 21/11/2011 e transmitido pelo canal “Discovery Kids”, da programação da Rede Globo por assinatura, o canal mais assistido no Brasil da televisão por assinatura. Lê-se sobre o seriado, “My Little Poney” por ex., (em português).
[28] Rickroll envolve o videoclipe da música “Never Gonna Give You Up” [Nunca desistirei de você], de 1987, de Rick Astley. Alguém envia um link, dizendo que tem a ver com a discussão em curso; mas o link só abre o vídeo de Rick Astley. Quando alguém abre esse link “hackeado”, diz-se que foi “rickrolleado”. Com o tempo, o Rickroll deixou de depender de links e abria repentinamente, em qualquer situação.
[31] “Moralfag” [lit. “viado moralista”] Gente que chega ao 4chan's /b/ board (também chamados “newfag” [lit, “viado novo”] e que não aceita algumas das imagens ou atividades mais extremas. A maioria dos moralfags protesta contra tortura de animais e discussões sobre o tema, e fazem de tudo para manifestar seu desagrado. A expressão tem sido associada à onda de newfags que apareceram em /b/, contra o “Projeto Chanology” criado contra a Cientologia. Resposta típica de um moralfag, contra tortura de animais é: “Cara, não é engraçado mostrar tortura de animais. Estamos acostumados a ver cadáveres humanos na televisão, e ok, mas, animais?! Vamos iniciar uma campanha contra tortura de animais. Totalmente “Clube da Luta” (em inglês).
[33] “Chanology” - “Palavra não definida até agora”, com formulário para que se proponham definições). “Todo o projeto”, comentado em detalhes , em inglês.
[34] “Não dê comida aos trolls”. Quando se responde a um troll ou grupos de troll na internet, quase sempre zangado e com sinais de estar ofendido. Ao fazer isso, você dá ao troll a atenção que ele procura. Você fez o que o troll queria que você fizesse. Por favor, não dê comida aos trolls. Mande as ideias deles para o setor de Controle de Qualidade e esqueça.
[35] Ver nota 21. A regra 14 diz: “Não se discute com trolls. Discutir com eles é prova de que eles venceram”.
[36] “Long Cat”.
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