sábado, setembro 17, 2011

O que querem os EUA no Iraque?

Entreouvido na Vila Vudu:

A melhor resposta estratégica, aprofundada, à pergunta acima, que se leu em português do Brasil, até aqui, pode ser encontrada em “Legados gêmeos do 11/9”, Mahan Abedin, Asia Times Online, 12/9/2011 (em português, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2011/09/legados-gemeos-do-119.html).

Aqui também: http://grupobeatrice.blogspot.com/2011/09/legados-gemeos-do-119.html

Lá se lê que os EUA estão em todo o Oriente Médio e norte da África, como força militar de invasão e ocupação, hoje, “para conseguir acumular o máximo poder possível nessa primeira metade do século 21, tentando assegurar melhores condições para administrar o próprio declínio,
que os EUA preveem para a segunda metade do século”.

Não se leu esse argumento em nenhum outro comentário ou reflexão publicada no Brasil, sobre o que querem os EUA com tantas guerras. Aquele artigo é necessário e imperdível.

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Legenda da imagem: Muqtada al-Sadr fez três exigências, com a ajuda de uma manifestação gigante.
O que querem os EUA no Iraque?
16/9/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
http://english.aljazeera.net/indepth/opinion/2011/09/2011914115920267606.html

Imaginem a reação de Dick Cheney, ao receber o seguinte ‘informe’.

O clérigo xiita Muqtada al-Sadr, líder nacionalista iraquiano conhecido e reconhecido e o verdadeiro fazedor de reis no Iraque, acaba de pedir o fim que qualquer “resistência armada” contra as forças do “invasor” norte-americano, antes de uma total retirada dos EUA do país em dezembro de 2011 – como estabelece o Tratado sobre a Situação das Tropas [ing. Status of Forces Agreement (SOFA)] assinado pelo parlamento iraqueano e o governo Bush em 2008.

Há um importante “mas”: se, até aquela data, os EUA não se retirarem completamente do país, e se prosseguir o que uma vasta maioria dos iraquianos veem como “a ocupação”, as operações armadas recomeçarão “com outros meios”.

Muqtada sempre disse que os sadristas não tolerariam a presença de soldados dos EUA depois de 21 de dezembro. A novidade está na atitude de “esperar para ver”.

Para não haver dúvidas, os sadristas organizaram manifestação monstro em Bagdá na 6ª-feira, quando apresentaram três exigências:

Empregos
O governo de Nouri al-Maliki deve dar uma de Obama e apresentar imediatamente um programa de empregos que atenda pelo menos 50 mil iraquianos de todas as etnias e filiações religiosas.

Justiça Social
O governo de al-Maliki deve transferir royalties dos fabulosos ganhos que o país aufere do petróleo a cada um dos cidadãos iraquianos.

Soberania
Nenhum soldado dos EUA, de nenhum tipo, pode permanecer em solo iraquiano depois de 31 de dezembro.

Os sadristas ocupam 40 cadeiras no parlamento do Iraque. Sem esses votos, a coalizão de governo de al-Maliki está frita. O próprio Al-Maliki só está no poder por efeito de um acordo construído, por Teerã, com os sadristas.

Não se trata apenas de al-Maliki não poder ignorar os sadristas: a constituição do Iraque determina que o parlamento pode impor voto de desconfiança ao governo, no caso de o voto ser aprovado por 50 membros. O homem que al-Maliki derrotou depois das últimas eleições, ex-quadro da CIA e ex-“açougueiro de Fallujah" Iyad Allawi, já anda propondo esse voto de desconfiança.

Entram os 3.000

Sem tomar conhecimento das exigências dos sadristas – para nem falar dos ouvidos moucos que fez aos nacionalistas iraquianos ou sunitas fundamentalistas – o presidente Barack Obama dos EUA venceu uma minibatalha contra o Pentágono e, unilateralmente, tomou a decisão de manter no Iraque “apenas” 3.000 soldados depois de 31 de dezembro, atropelando qualquer decisão que venha do primeiro-ministro ou do parlamento do Iraque.

No mesmo passo, o Departamento de Estado dos EUA engajou-se “negociações formais” – como foram oficialmente descritas –, para convencer al-Maliki a aceitar a permanência desses agora famosos 3.000.

O Pentágono e os senadores linha-dura dos EUA, como John McCain e Lindsay Graham, queriam que fossem, no mínimo, 25.000.

É como se Washington em massa esteja apostando que os políticos iraquianos por-se-ão a cantar algo como “”Oh, plííííííz... me ocupem um pouco mais”.

Al-Maliki já disse incontáveis vezes que esse acordo SOFA não é negociável – que não pode ser alterado. Seria preciso negociar outro acordo, que teria de ser aprovado pelo parlamento do Iraque.

A Arábia Saudita e as monarquias do Conselho de Cooperação do Golfo – consumidas por medo irracional de Teerã – entendem que, se os soldados dos EUA ficaram lá, manterão em xeque o regime iraniano. Mas os sauditas não votam em Bagdá.

Os curdos iraquianos – que, basicamente, querem ser deixados em paz em seu quase-estado [orig. statelet] independente – talvez queiram um novo acordo SOFA. Assim como boa parte da lista da coalizão Iraqiyam de maioria sunita. Mas, juntos, jamais terão os 163 votos necessários para aprová-lo no parlamento iraquiano.

Portanto, não acontecerá, por mais que Washington deseje-delire que aconteça.

O que abre caminho para o plano B de Washington: um jogo semântico.

Na mais pura neolíngua ‘de mídia’, os soldados dos EUA passaram a ser chamados de “instrutores” – como se fossem necessários para treinar iraquianos para pilotar os jatos e helicópteros de combate que o governo de al-Maliki comprou recentemente do complexo industrial-militar dos EUA.

E haverá também cerca de 7.000 “assessores militares privados”, codinome “mercenários”, para fazer a segurança da embaixada dos EUA no Iraque, gigantesca, maior que o Vaticano, codinome “Fortaleza Bagdá”, além de um sortimento variado de assessores extras.

Alguém aí pode ajudar, com um pouco de “consciência situacional”?

Influências regionais

O jogo de Washington não paga, se comparado ao que Teerã e Ancara têm posto na mesa, nem que se contabilize a favor de Washington uma divisão letal entre sunitas e xiitas que atravessa todo o Oriente Médio – insuflada, em larga medida, pela Casa de Saud.

A invasão e a ocupação pelos EUA, no Iraque, destruiu completamente um regime secular, árabe e nacionalista controlado pelos sunitas. A invasão e a ocupação pelos EUA inflaram um governo menos secular, menos nacionalista e controlado pelos xiitas. Não são, de modo algum, khomeinistas. Mas viveram exilados no Irã e, sim, querem manter boas relações com Teerã.

O governo de Al-Maliki não exatamente apreciará que a maioria sunita dos que protestam na Síria derrubem o regime de Bashar al-Assad, de xiitas alawitas.

Os xiitas iraquianos, sobretudo, foram profundamente tocados pelo suplício da maioria xiita no Bahrain, brutalmente reprimida pela dinastia sunita al-Khalifa, com a ajuda crucial da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.

Até o argumento de que o Iraque é “fraco” ou “frágil” por conta das divisões sectárias e étnicos é argumento oco. Foi a ocupação pelos EUA, desde o início, que aprofundou aquelas divisões, em tática clássica de “dividir para governar”. Não é difícil que, por uma causa nacionalista – como repelir a ocupação –, se unifique uma maioria de árabes iraquianos, sunitas e xiitas.

Por mais soldados, “instrutores” ou mercenários que os EUA consigam manter no Iraque, é improvável que, em futuro previsível, o eixo Teerã-Bagdá-Damasco se desfaça. E, se acontecer, nos momentos de dificuldade os iraquianos antes olharão na direção de Ancara, como modelo, que na direção de Washington.

Seja como for, os EUA não desistirão. Agora, estão apostando num mix de velha escola – enxames de agentes da CIA, que operarão a partir da embaixada dos EUA – e nova escola – enxames de mercenários paramilitares.

O mapa do caminho, do ponto de vista de Washington, está em “The United States in Iraq: Options for 2012” [Os EUA no Iraque: Opções para 2012, em inglês, em http://www.usip.org/files/resources/The_United_States_in_Iraq.pdf]: pelo menos 17.000 agentes em campo, gerenciados pelo Departamento de Estado, para garantir “consciência situacional”, “administrar crises políticas” e “fornecer assessoria econômica, para o desenvolvimento e de segurança”.

Outros mapas podem ser lidos em “U.S. Presence and Reconstruction. Management” [Presença dos EUA e Reconstrução. Gerenciamento, em inglês, em http://www.sigir.mil/files/quarterlyreports/July2011/Section3_-_July_2011.pdf#view=fit], onde se veem os detalhes de como o Departamento de Estado espera gerenciar “uma operação planejada de 6,8 bilhões de dólares”, que se pode traduzir numa linha: sem a rapina do petróleo, a ocupação só não dará prejuízo se o Iraque converter-se em regime cliente.

Assim sendo, aí estão os fatos em campo. Muqtada al-Sadr versus Hillary Clinton. Tremenda briga. Alguma aposta?