1/4/2013, Sergio
Amadeu da Silveira, FSP, "Tendências e debates", p. 3
Os dois filósofos suecos Alexander Bard e Jan Söderqvist já haviam detectado que em uma rede distribuída como a internet, "todo ator individual decide sobre si mesmo, mas carece da capacidade e da oportunidade para decidir sobre qualquer dos demais atores".
Essa tese foi testada pelo poderoso governo
norte-americano quando, em dezembro de 2010, agiu de modo contundente sobre os
provedores para retirar o site do Wikileaks da rede. Em menos de dois dias,
foram criados mais de 800 "sites espelhos" nos cinco continentes, que replicavam
exatamente o conteúdo do site bloqueado.
Se a liberdade de expressão e de opinião distribuídas
pelas plataformas da rede incomodam sobremaneira os setores que definem as
razões de Estado como princípio superior, a liberdade de criação de novas
tecnologias, aplicações ou formatos têm preocupado e colocado em risco os velhos
modelos de negócios de grandes corporações erguidas no mundo industrial.
Assim, a natureza aberta da internet torna-se alvo de
parte da indústria de intermediação cultural e de grandes corporações de
telecomunicações.
Em 1989, Tim Berners-Lee desenvolveu o modo gráfico
da internet. Até 1999, Shawn Fanning e Sean Parker não haviam criado o Napster,
considerado um dos precursores das redes P2P, que mudaram o modo dos jovens
acessarem arquivos digitais em todo o mundo. Foi em abril de 2001 que Bram Cohen
lançou o protocolo BitTorrent; Janus Friis e Niklas Zennström desenvolveram o
Skype, em 2003. Hurley, Chen e Karim criaram o YouTube em fevereiro de 2005.
Jack Dorsey deu vida ao microblogging Twitter em 2006.
Nenhum desses criadores teve que pedir autorização
para governos ou corporações para desenvolver e distribuir na rede suas
invenções e plataformas tecnológicas.
A internet, até o momento, é uma rede aberta, não
proprietária e desenvolvida colaborativamente, a partir dos esforços de
empresas, universidades, técnicas e técnicos de órgãos públicos e da comunidade
hacker. Para acessá-la, não precisamos recorrer a centros obrigatórios, tal como
ocorria na rede de computadores francesa chamada Minitel. São os protocolos da
internet que asseguram esse fantástico arranjo comunicacional.
Entretanto, quem controla a infraestrutura de conexão
pode controlar o fluxo de informações. Dito de outro modo: os donos dos cabos e
fibras ópticas por onde passam os fluxos de informação podem filtrar e bloquear
os pacotes de dados.
Se o dono da infraestrutura de cabos e fibras ópticas
não for neutro em relação aos conteúdos e aplicativos que nela trafegam,
estaremos subordinando a liberdade de criação aos seus interesses, sejam
econômicos ou políticos.
Na internet, não pedimos autorização para nenhuma
corporação ou Estado para criarmos e lançarmos um novo aplicativo ou plataforma.
A liberdade tem sido a maior força e fonte de inventividade e criatividade.
Emprestando os termos do jurista Lawrence Lessig, perderemos diversidade e
intensidade criativa se substituirmos a lógica da liberdade pela lógica da
permissão.
A possibilidade de criar livremente um novo
aplicativo, uma nova tecnologia ou um novo protocolo será gravemente afetada e
comprometida com a quebra da neutralidade da rede.
Hoje, em todo o mundo, há um grande embate entre as
operadoras de telecomunicação e os defensores da liberdade e diversidade
culturais. O oligopólio da telecom pressiona os Estados nacionais e suas
agências reguladoras para aprovarem legislações que assegurem a possibilidade
deles filtrarem, bloquearem e pedagiarem o fluxo de informações no ciberespaço.
Isso implicará na permissão para que se tornem "gatekeepers" da criatividade.
Precisamos defender a liberdade de criação tecnológica.
SERGIO
AMADEU DA SILVEIRA, doutor em ciência política, é professor da Universidade
Federal do ABC e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil