22/11/2012, Rami
Zurayk e Anne
Gough, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Os
agricultores estão hoje no meio do período crucial de colheita de azeitonas e
produção de azeite; e a destruição dos pomares é golpe terrível contra a segurança alimentar e econômica de Gaza. [EPA] |
Rami Zurayk |
Desde a criação do estado, em
1948, Israel sempre usou a comida e a nutrição (ou a falta de comida e a
desnutrição) como meio para implantar-se militarmente e realizar a ocupação
territorial da Palestina. Enquanto todos os olhos voltam-se hoje para a matança
de crianças e a erradicação de famílias inteiras [1], em Gaza na operação “Pilar de
Nuvem”, Israel continua em seu plano de longo prazo para dizimar os meios de
produção de comida, de criação de animais e as capacidades dos habitantes de
Gaza para tomar decisões econômicas e políticas sobre o que plantar e o que
comer.
Anne Gough |
Gaza e toda a
Palestina Ocupada está sendo “re-estruturada” como entidade na qual a
desnutrição seja endêmica, o acesso à comida negado e as pessoas forçadas a
viver sob o medo constante de não ter comida suficiente para si e para a
família.
Nos últimos
oito anos, o setor de alimentos e criação de animais em Gaza foi
severamente agredido, o que fez piorar as condições do setor agrícola, já
gravemente abaladas por seis anos de sítio e bloqueio impostos por Israel, além
das campanhas militares e décadas de ocupação.
Nos primeiros cinco dias do
assalto, o Ministério da Agricultura de Gaza que as perdas nos setores de
agricultura e pesca sejam superiores a US $50 milhões. Segundo nosso colega
Mohammad El Bakri, que trabalha com o Sindicato das Comissões de Trabalho
Agrícola [2] e outros especialistas em Gaza, os
agricultores estão hoje no meio do período crucial de colheita de azeitonas e
produção de azeite; e a destruição dos pomares é golpe terrível contra a
segurança alimentar e econômica de Gaza.
A crise da água
Os ataques aéreos dos israelenses
contra os túneis [3] limitaram o
fluxo de entrada de alimentos e combustível em Gaza. Poucas lojas permanecem
abertas e a ONU já alertou para o risco de crise de água. Há notícias de
bombardeios que visam diretamente aos poços de irrigação. O Ministério de Saúde
de Gaza já está sem estoque de 40% dos remédios
essenciais [4] e com estoque muito baixo de
seringas e bandagens.
A terrível
situação em que Gaza sobrevive hoje começou em 1948, quando milícias sionistas
armadas expulsaram mais de 700 mil palestinos das áreas em que viviam, 200 mil
dos quais fugiram para Gaza, onde a população triplicou nesses mais de 60
anos.
Historicamente, Gaza sempre foi
conhecida pelo oásis de água fresca de Wadi Gaza [5] , importante ponto de parada nas
rotas comerciais entre o Egito e a Síria. Já não é um oásis, as terras arrasadas
e absolutamente esterilizadas pelas escavadeiras e niveladoras de Israel ao
longo de toda a fronteira leste de Gaza (29% da terra
arável [6]) é terra inacessível. Barcos
israelenses atiram com canhões de água contra pescadores palestinos,
impedindo-os de trabalhar além da distância de três milhas náuticas da
praia.
Esgotos poluídos estão vazando
dentro do aquífero do litoral, das redes de água e esgoto e dos prédios
bombardeados no ataque israelense de 2009-9 contra Gaza, na Operação Chumbo
Derretido. [7]
Israel também impediu a entrada em
Gaza do equipamento necessário para reparar a infraestrutura danificada. Sem
acesso a água para beber, muita gente em Gaza sobrevive hoje com 20
litros/dia/pessoa [8], quando, em Israel, o consumo
médio de água é de 300 litros/dia/pessoa. [9]
Todas as 10 mil pequenas
propriedades e granjas de Gaza foram danificadas no massacre de
2008-9 [10], meio milhão de árvores foram
arrancadas, mais de um milhão de frangos e galinhas foram
mortos [11], além de ovelhas, bois, vacas e
cabras. Os israelenses destruíram 60% da indústria agrícola em Gaza, provocando
perdas da ordem de US$ 268m.
A proporção da população de Gaza
que vive sob condições de insegurança alimentar aumentou 75% depois do massacre
de 2008-9, e muitas casas já são classificadas hoje como em situação de
insegurança alimentar crônica, em Gaza. Dois anos depois dos ataques de
2008-9, a taxa de desemprego em Gaza era de
45,2%. [12]
Campos isolados
Na
Cisjordânia a situação também é desesperadora. Os Acordos de Oslo de 1995
dividiram a Cisjordânia em uma Área A, sob controle
da Autoridade Palestina, representando 3% da Cisjordânia; uma Área B, sob
controle conjunto, equivalente a 25%; e uma Área C, equivalente a 72% da área,
sob total controle de Israel, inclusive os campos agricultáveis do vale do rio
Jordão.
De fato, o exército de Israel pode
invadir qualquer área a qualquer tempo. A bifurcação da terra palestina e a
construção de muros e cercas separaram os agricultores de seus campos plantados
e dos mercados; [13] garantiram
impunidade aos colonos israelenses fanáticos e violentos; e desfiguraram
completamente a paisagem.
O objetivo de
longo prazo de Israel em Gaza não é só o sítio e o bloqueio, mas, também,
implantar naquela região condições e práticas de des-desenvolvimento que forcem
os palestinos a depender completamente, ou da potência israelense ocupante, ou
da ajuda internacional.
Em 2007, os militares israelenses
produziram um cálculo do número mínimo de calorias/dia autorizadas para os
habitantes de Gaza. [14] O mecanismo de controle da
ingestão calórica caracteriza punição coletiva e eterno sofrimento, mas não leva
à morte por fome. Não pode haver qualquer dúvida de que essa política de
des-alimentação criada por Israel e implantada contra os palestinos é do
conhecimento e conta com o apoio do governo dos
EUA.
As
consequências do mais recente assalto israelense contra Gaza, em 2012, só se
tornarão plenamente visíveis depois que a poeira assentar. Mas não se afastarão
muito do objetivo já declarado de Dov Weisglass em 2006: “A ideia é pôr os
palestinos em dieta, mas sem matá-los de
fome”.
Notas de
rodapé
[1] 18/11/2012, The Guardian, UK,
Harriet Sherwood (de Jerusalém) em: “Gaza: four children killed in single
Israeli air strike”
[2] Ver
em: “Union of Agricultural Work
Committees”
[3] 18/11/2012, ONU,
em: “Gaza situation report, 18
November”
[4] 18/11/2012, The Independent, UK,
Jeremy Laurance em: “Overwhelmed Palestinian doctors run
out of life-saving medicines”
[5] 6/4/2007, NYTimes,
Mark Zeitoun em: “A Gaza Tragedy: Complicity when the
dam breaks”
[6] Ver “Agricultura na Cisjordânia
Ocupada” (em inglês)
[7] 27/10/2009, Anistia
Internacional, em: “Israel rations Palestinians to
trickle of water”
[8] Idem
item [7]
[9] Idem
item [7] e [8]
[10] 23/1/2009, Food
and Agriculture Organization of the United Nations (FAO)
em: “The humanitarian situation in Gaza
and FAO’s response”
[11] 12/2006 –
1/2009, United Nations Environment
Programme em: “Environmental Assessment of the Gaza
Strip”
[12] UNRWA – United Nations Agency for Palestine
Refugees, em: “Labour Market Briefing /Gaza Strip –
2nd Half 2010”
[13]
13/11/2012, UNRWA – United Nations Agency for Palestine
Refugees,
em: “Farmer's income stuck on the ‘other’
side of the Barrier”
[14] Idem
nota [13]