Berna (Suiça) - Daqui de longe, vendo o tumulto
provocado com o processo Mensalão e a grande imprensa assanhada, me parece
assistir a um show de hospício, no qual os réus e suspeitos financiam seus
acusadores. O Brasil padece de sadomasoquismo, mas quem bate sempre é a direita
e quem chora e geme é a esquerda.
Não vou sequer falar do Mensalão, em si mesmo, porque aqui
na Suíça, país considerado dos mais honestos politicamente, ninguém entende o
que se passa no Brasil. Pela simples razão de que os suíços têm seu Mensalão,
perfeitamente legal e integrado na estrutura política do país.
Cada deputado ou senador eleito é imediatamente contatado
por bancos, laboratórios farmacêuticos, seguradoras, investidores e outros
grupos para fazer parte do conselho de administração, mediante um régio
pagamento mensal. Um antigo presidente da Câmara dos deputados, Peter Hess, era
vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças e faturava
cerca de meio-milhão de dólares mensais.
Com tal generosidade, na verdade uma versão helvética do
Mensalão, os grupos econômicos que governam a Suíça têm assegurada a vitória
dos seus projetos de lei e a derrota das propostas indesejáveis. E nunca houve
uma grita geral da imprensa suíça contra esse tipo de controle e colonização do
parlamento suíço.
Por que me parece masoca a esquerda brasileira e nisso
incluo a presidente Dilma Rousseff e o PT ? Porque parecem gozar com as
chicotadas desmoralizantes desferidas pelos rebotalhos da grande imprensa. Pelo
menos é essa minha impressão ao ler a prodigalidade com que o governo Dilma
premia os grupos econômicos seus detratores.
Batam, batam que eu gosto, parece dizer o governo ao
distribuir 70% da verba federal para a publicidade aos dez maiores veículos de
informação (jornais, rádios e tevês), justamente os mais conservadores e
direitistas do país, contrários ao PT, ao ex-presidente Lula e à atual
presidenta Dilma.
Quando soube dessa postura masoquista do governo, fui logo
querer saber quem é o responsável por essa distribuição absurda que exclui e
marginaliza a sempre moribunda mídia da esquerda e ignora os blogueiros,
responsáveis pela correta informação em circulação no país.
Trata-se de uma colega de O Globo, Helena Chagas, para quem
a partilha é justa – recebe mais quem tem mais audiência! diz ela.
Mas isso é um raciocínio minimalista! Então, o povo elege um
governo de centro-esquerda e quando esse governo tem o poder decide alimentar
seus inimigos em lugar de aproveitar o momento para desenvolver a imprensa
nanica de esquerda ?
O Brasil de Fato, a revista Caros Amigos,
o Correio do Brasil fazem das tripas coração para sobreviver,
seus articulistas trabalham por nada ou quase nada, assim como centenas de
blogueiros, defendendo a política social do governo e a senhora Helena Chagas
com o aval da Dilma Rousseff nem dá bola, entrega tudo para a Veja, Globo,
Folha, SBT, Record, Estadão e outros do mesmo time ?
Assim, realmente, não dá para se entender a política de
comunicação do governo. Será que todos nós jornalistas de esquerda que votamos
na Dilma somos paspalhos ?
Aqui na Europa, onde acabei ficando depois da ditadura
militar, existe um equilíbrio na mídia. A França tem Le Figaro, mas
existe também o Libération e o Nouvel Observateur. Em todos os
países existem opções de direita e de esquerda na mídia. E os jornais de
esquerda têm também publicidade pública e privada que lhes permitem manter uma
boa qualidade e pagar bons salários aos jornalistas.
Comunicação é uma peça chave num governo, por que a
presidenta Dilma não premiou um de seus antigos colegas e colocou na sucessão
de Franklin Martins um competente jornalista de esquerda, capaz de permitir o
surgimento no país de uma mídia de esquerda financeiramente forte ?
Exemplo não falta. Getúlio Vargas, quando eleito, sabia ser
necessário um órgão de apoio popular para um governo que afrontava interesses
internacionais ao criar a Petrobras e a siderurgia nacional. E incumbiu Samuel
Wainer dessa missão com a Última Hora. O jornal conseguiu encontrar a boa
receita e logo se transformou num sucesso.
O governo tem a faca e o queijo nas mãos – vai continuar
dando o filet mignon aos inimigos ou se decide a dar
condições de desenvolvimento para uma imprensa de esquerda no Brasil ?
Rui Martins – Berna
Jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a
ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual
Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos
Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça.
Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas suíças secretas de
Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.