Por Luciano Martins Costa em
18/04/2012 na edição 690
O noticiário do Distrito Federal
acrescenta, a cada dia, novas evidências de que o senador Demóstenes Torres, de
Goiás, não atuava simplesmente como um parlamentar, mas como sócio do
contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlos Cachoeira.
Em sua expressão “legal”, a associação teria como face institucional a
construtora Delta e o laboratório Vitapan, apontada como a maior indústria de
medicamentos genéricos do país.
Em torno desse esquema, dizem os
jornais, funcionaria uma extensa rede de outras empresas, algumas legais, outras
apenas de fachada, cuja atividade principal seria dar um aspecto de normalidade
a operações financeiras destinadas a “lavar” o dinheiro do jogo e da
corrupção.
O ponto de partida dos negócios, ao
que tudo indica, é a indústria da jogatina ilegal, tolerada em Goiás à base de
propinas e estendida até o Tocantins com o apoio de políticos cujas campanhas
eleitorais têm sido financiadas pelo dinheiro de máquinas de apostas.
Suspeita-se agora que o senador Demóstenes Torres pode ter se associado ao
contraventor ainda antes de abraçar a carreira parlamentar, quando atuava como
procurador de Justiça e secretário de Segurança no estado de
Goiás.
Manifestações
antirrepublicanas
Se o caso é verdadeiro, temos aqui o
modelo exemplar para uma investigação jornalística que pode desvendar um dos
mais típicos esquemas de corrupção em prática no país – e quem sabe inspirar
políticas de prevenção e contenção. Mas, a julgar pelo que dizem os jornais de
quarta-feira (18/4), não é isso que está ocorrendo.
Como se tornou prática desde a
eclosão do chamado escândalo do “mensalão”, a imprensa brasileira não parece
interessada em investigar coisa alguma. A amostra de declarações colhidas sobre
o caso Cachoeira-Demóstenes e sua hierarquização nas páginas dos diários revela
que a imprensa já começou a dirigir o noticiário com o propósito claro de
manipular as evidências.
O núcleo do escândalo começa a se
deslocar lentamente da dupla principal para protagonistas secundários, com a
proliferação de acusações que, dando a impressão de alcançar um número
indefinido e muito amplo de suspeitos, acaba por instalar a ideia de que tudo
estaria contaminado pela ação do grupo criminoso.
Ao dar curso a qualquer denúncia de
relacionamento com um dos acusados, sem avaliar a frequência e o teor de
conversas gravadas pela polícia e confrontar esse conteúdo com fatos reais, como
a concessão de obras ou transferências de dinheiro, a imprensa dilui o efeito da
investigação e reforça a sensação geral de descrença na democracia
representativa. Assim, começam a pulular nas redes sociais digitais
manifestações condenando genericamente as instituições
republicanas.
Evidentemente, o comportamento de
muitos parlamentares e representantes do poder Executivo e do Judiciário não tem
contribuído para erigir em nome dos três poderes da República as estátuas de
integridade que se espera deles.
Os paladinos da
Justiça
A manifestação do presidente do
Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, que deve deixar a presidência
da Corte Suprema na quinta-feira (19), é uma dessas oportunidades em que o
estadista se retira do recinto e deixa atrás de si um rastro em que se podem
identificar claramente os sinais de despeito, onipotência, ciúmes e outros
sentimentos humanamente rasteiros.
Por trás dos destempero do ministro
ressoam seus desentendimentos com a corregedora Eliana Calmon e sua frustração
por não ter conseguido, em dois anos no cargo, concretizar o aumento de
vencimentos do poder Judiciário.
Mas o conjunto de notícias também
induz o leitor atento a notar que há uma disputa de bastidores no Supremo
Tribunal Federal em torno do julgamento do caso intitulado
“mensalão”.
Depois de muito barulho, período em
que a corte se manteve no centro das atenções do país, com a construção de
verdadeiros “pais da pátria”, a imprensa revela que os ministros provavelmente
não serão capazes de dar um esclarecimento à nação sobre o que foi tudo
aquilo.
Os jornais levantam a hipótese de que
alguns dos supostos crimes apontados pela acusação poderão prescrever antes de
vir uma sentença. Algumas notas publicadas aqui e ali dão a entender que certos
personagens demonizados pela imprensa simplesmente vão passar incólumes pelo
julgamento, pela falta absoluta de provas para incriminá-los.
No meio do noticiário, há evidências
de ligações entre o processo inicial do caso “mensalão” e o caso Cachoeira. Mais
um pouco e vamos descobrir que Demóstenes Torres, o antigo paladino da Justiça,
tinha outros sócios nesse processo, que a imprensa se verá obrigada a manter no
anonimato.