15/3/2012, Ruan Zongze, China Daily, Pequim
http://usa.chinadaily.com.cn/opinion/2012-03/15/content_14838556.htm
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Ruan Zongze é vice-presidente do Instituto China de Estudos Internacionais.
Qualquer intervenção humanitária autorizada pela ONU deve procurar proteger civis inocentes. Em nenhum caso pode buscar mudança de governo.
Em anos recentes, o “neointervencionismo” ocidental sob a bandeira da “responsabilidade de proteger” tem causado tremenda controvérsia na arena internacional. Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China deve defender, inequivocamente, a “proteção responsável”.
A doutrina da responsabilidade de proteger, que visava a impedir genocídios, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade, foi exposta pela primeira vez pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado do Canadá, em relatório apresentado à ONU em 2001. Em seguida, foi incluída no Documento Final da Cúpula Mundial de 2005.
No início de 2011, forças multinacionais lideradas pela OTAN lançaram ataques aéreos contra a Líbia e provocaram uma mudança de regime. Para o ocidente, teria sido a primeira implementação da responsabilidade de proteger.
A partir dos anos 1990s, o ocidente introduziu uma gama de ideias, entre as quais,”intervenção humanitária”, “direitos humanos acima da soberania” e “excepcionalismo”, na tentativa de construir alguma base teórica para intervir em assuntos internos de outros países. “Responsabilidade de proteger” é apenas uma ideia a mais, nessa lista.
Apoiadores da responsabilidade de proteger argumentam que a intervenção armada seria “responsabilidade moral”, dado que seria feita por “razões humanitárias”. Mas, na prática, como a Líbia mostra claramente, a intervenção armada jamais foi além de busca de hegemonia, em nome da humanidade.
O ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, Miguel d'Escoto Brockman, diplomata nicaraguense, disse que a suposta imparcialidade que haveria na responsabilidade de proteger não passa de disfarce para legitimar a intervenção armada pelas ricas potências ocidentais, em países pobres. E que nome correto para aquele conceito seria “direito de intervir”.
Como a Líbia já demonstrou, a responsabilidade de proteger pode ser usada perversamente para forçar mudança no governo de um país – e esse movimento é claramente oposto aos objetivos da Carta da ONU, ao princípio da soberania nacional e ao princípio da não interferência em assuntos nacionais internos.
A quem responsabilizar pelas consequências de qualquer intervenção humanitária? Dados da ONU mostram que há centenas de milhares de pessoas vivendo sem casa e na miséria, na Líbia, em parte como resultado da ação militar do ocidente; e que há hoje na Líbia mais de 5.000 grupos armados, completamente fora do controle do estado, o que fez com que violentos confrontos armados entre grupos e milícias têm sido a causa de incontáveis mortes de civis.
Relatório distribuído pela Comissão de Direitos Humanos da ONU dia 4 de março comprova que, na Líbia, os dois lados cometeram “crimes contra a humanidade e crimes de guerra”. A Rússia está insistindo em que as ações da OTAN na Líbia sejam investigadas e que todos os considerados culpados sejam julgados e punidos.
Alguns analistas, referindo-se às guerras no Afeganistão e no Iraque, que causaram mais de 100 mil mortes de civis, chegam a dizer que esse tipo de intervenção humanitária é “solução brotada do inferno”. O uso frequente de forças militares em nome de oferecer “proteção” só tem feito estimular reações belicosas nas relações internacionais e já dá sinais de ter aberto uma caixa de Pandora de desastres.
Com tudo isso em mente, a comunidade internacional já está reconsiderando a doutrina da responsabilidade de proteger.
Em 2011, a Representante Permanente do Brasil na ONU, Maria Luiza Ribeiro Viotti, introduziu o conceito de “responsabilidade enquanto protege”, que busca refletir sobre os graves defeitos de só se implementarem medidas militares no contexto da responsabilidade de proteger. Para o Brasil a “responsabilidade enquanto protege” deveria ser hoje o foco de toda a comunidade internacional.
Especialistas sugerem que, em vez de intervenção humanitária mediante intervenção militar, melhor seria fortalecer a “diplomacia humanitária”, provendo-se fundos para que se ofereçam serviços públicos de saúde e condições de relocalização para os refugiados, como meios para atender à responsabilidade de proteger sem recorrer a meios violentos – solução que terá impacto mais duradouro e menos negativo.
Mas, considerando as consequências provocadas pela responsabilidade de proteger quando foi posta em prática, vários países já começam a abraçar o conceito de “proteção responsável”, que inclui alguns elementos básicos:
(1) Toda e qualquer intervenção deve proteger civis inocentes no país alvo, e promover a paz e a estabilidade regionais, em vez de promover uma ou outra facção política ou um ou outro exército ou grupo armado.
(2) O Conselho de Segurança da ONU é o único organismo legítimo para implementar qualquer “intervenção humanitária”. Nenhuma outra organização, organismo ou estado pode confiscar para si o direito de fazer “intervenção humanitária”.
(3) A precondição necessária para a implementação da força deve ser que todos os meios diplomáticos e políticos tenham-se esgotado, sem que se tenha alcançado algum acordo. Embora os esforços diplomáticos e outros meios não militares quase sempre exijam tempo até gerar resultados, sempre têm efeitos menos perniciosos que a guerra.
(4) O objetivo da proteção deve ser impedir ou aliviar um desastre humanitário. Em nenhum caso se falará de proteção, quando se tratar de derrubar governos por meios militares.
(5) A reconstrução nacional, depois da intervenção para proteger, deve ser firmemente apoiada. Em nenhum caso se falará de responsabilidade para proteger se o país ‘protegido’ for deixado em ruínas, sem governo e sem meios para se sustentar.
(6) A ONU estabelecerá um mecanismo de monitoramento, de avaliação efetiva e de cobrança e prestação de informações sobre a situação existente no país ‘protegido’.
Em resumo, a proteção responsável pode refletir mais fielmente os objetivos e princípios da Carta da ONU e as normas básicas que regem as relações internacionais, e é conceito mais bem alinhado com a busca da paz e do desenvolvimento em todo o mundo.