Sobre “State of the Union” (SOTU), 2012Obama jura promover o império 25/1/2012, Glen Ford (vídeo e entrevista transcrita), The Real News Network, TRNNhttp://therealnews.com/t2/index.php?option=com_content&task=view&id=31&Itemid=74&jumival=7842
Glen Ford é conhecido radialista e comentarista político. Em 1977, Ford co-fundou, produziu e animou o programa “America's Black Forum” [Fórum Negro dos EUA], primeiro programa de entrevistas produzido por negros na televisão comercial dos EUA. Em 1987, Ford criou o primeiro programa nacional de Hip Hop, retransmitido para 65 rádios em todo o país. Em 2002, criou o programa Black Commentator e, em 2006, lançou Black Agenda Report. É também autor de The Big Lie: An Analysis of U.S. Media Coverage of the Grenada Invasion [A grande mentira: análise da cobertura, na mídia dos EUA, da invasão de Grenada].
PAUL JAY, editor sênior de TRNN: Você está em New York ou New Jersey, Glen?
GLEN FORD, diretor executivo de Black Agenda Report: New Jersey.
JAY: E qual é sua primeira impressão do discurso?
FORD: Bem, foi discurso sobre banqueiragem e império, porque são os únicos temas que existem para Barack Obama. O que não foi isso, foram jogos de palavras, fumaça e metáforas, nada que valha a pena comentar. Abriu e fechou o discurso com elogios à própria política externa. Temos aqui um presidente que disse ser candidato pela paz, mas que apresenta aos eleitores, como trunfo eleitoral, o número de pessoas que matou e quantos mais está disposto a continuar matando.
JAY: Surpreendeu-me muito, já na abertura do discurso, quando Obama falou sobre o Iraque e disse que a guerra do Iraque nos tornou mais seguros e mais respeitados... Não sei. Quero dizer, pode parecer que estou levantando a bola para você chutar, mas... O que você achou disso?
FORD: É até engraçado. George Bush deve ter-se sentido aliviado de todas as culpas. Obama reescreveu a história. Obama vangloriou-se de ter feito a guerra do Iraque, guerra tão nobre, e também se vangloriou de um suposto papel que teria sido dele, e também muito nobre, de estar retirando os soldados de lá. Obama sempre faz isso, quando fala para os Democratas. Todos sabemos que Obama fez de tudo, usou os seus generais e todos os seus diplomatas, até o último momento, para tentar manter uma presença forte dos militares dos EUA no Iraque. Pena que os iraquianos não colaboraram. Os iraquianos, com resistência armada, obrigaram George Bush a assinar um acordo de retirada. Agora, Obama está saindo, cumprindo aquele mesmo acordo, no qual os iraquianos nunca aceitaram introduzir nenhuma mudança. Por isso os EUA estão saindo de lá. E, acho eu, nem o governo Maliki teria conseguido manter-se no poder no Iraque, se tivesse tentado mudar o acordo.
Quero dizer: temos um presidente que quer ganhar pontos pelos dois lados. Obama, de fato, sempre faz isso. Por um lado, apresenta-se como o formidável imperialista que diz que os EUA são o “número 1”, e ‘todos conhecerão minha mão pesada’, ‘para que vocês se orgulhem do que são’. E por outro lado, diz ‘vocês sabem, estou realmente me esforçando para trazer os soldados de volta para casa, e, quando voltarem, o herói serei eu’.
JAY: Tive a impressão de que Obama não deu sinal de qualquer incômodo por os EUA estarem agindo com mão pesada – quero dizer, por estarem tentando influenciar os desdobramentos da rebelião e os rumos da resistência que se vê no mundo árabe. Obama falou de “valores americanos”, mas evidentemente estava falando de interesses americanos.
FORD: Não há dúvida alguma de que, com Barack Obama, os EUA voltaram à ofensiva. Os EUA são hoje tão agressivos militarmente no mundo, quanto eram antes de serem derrotados no Iraque. É a promessa que Obama fez aos militares. Se se analisassem suas palavras quando falou ao equivalente da Comissão de Relações Exteriores em Chicago, todos saberíamos que Obama prometeu devolver os EUA a uma posição em que possam usar impunemente a força em todo o mundo, sem arruinar as interrelações com os aliados. Basicamente, essa é a missão que Obama se autoatribuiu. Agora, se pavoneia, dizendo que fez o que prometeu fazer. De fato, em vários sentidos, ele fez. A OTAN está transformada em força expedicionária que já atacou sem qualquer provocação, e destruiu, um país africano soberano. E Barack Obama conseguiu safar-se sem sequer ter de admitir que os EUA estavam engajados na guerra na Líbia. Mas é tentar enganar todos todo o tempo.
JAY: E sobre afirmar os “valores americanos” na região, vê-se no Egito, onde o governo militar, como muitos já dizem, atacou os manifestantes com mais violência do que a própria polícia de Mubarak – e com pleno apoio do governo Obama.
FORD: De minha parte, não sei quais seriam esses “valores americanos”. Conheço os valores do mundo corporativo. Sei que se trata de encurralar mercados e criar monopólios, e sei que toda a política externa dos EUA só faz trabalhar a favor dessas corporações monopolísticas. Se se trata do que os EUA fazem, os valores americanos são esses, e só esses. A impressão que tenho é que Obama fala uma espécie de linguagem cifrada, que pouco significa mas é a linguagem da maioria dos norte-americanos. Acho que os americanos estão pouco preocupados – a maioria, com certeza, não está preocupada – com democracia em outros países. Menos ainda, se são países ‘não brancos’. A maioria dos norte-americanos pensa mais, sempre, no poder e no prestígio dos EUA.
JAY: Voltando ao que você disse, que Obama é sempre isso. No discurso, ele disse, literalmente, que continuaremos a ser “nação indispensável no mundo dos negócios”. E afirmou: “vou manter as coisas nessa trilha”. Sabemos o que isso significa. Por outro lado, se você procura a via alternativa... quero dizer: não sei se podemos eleger Newt Gingrich, que quer John Bolton como secretário de Estado. Parece que, por aqui, estamos forçados a escolher entre o neoliberalismo imperial e os sociopatas.
FORD: É. Você citou John Bolton, que significa abolir a diplomacia. E acho que ele pensa exatamente nesses termos. “Nação indispensável”... Que frase! Pense bem. Qualquer outro país que tivesse a arrogância de proclamar-se indispensável, seria imediatamente odiado por 99,9% dos americanos e dos demais povos do mundo. Os EUA dizem isso, assim, sem mais nem menos, como se fosse normal, evidente, que os EUA sejam indispensáveis. Claro que, se são a única nação indispensável, estão dizendo que todos os demais países do mundo são dispensáveis. Depois, os norte-americanos não entendem por que somos tão odiados em todo o mundo.
JAY: Se se pensa na situação no Irã, Obama acaba de cancelar exercícios militares agendados com Israel. Para alguns analistas, teria sido mensagem a Israel, de que os EUA não apoiaríamos qualquer tipo de ataque militar preventivo de Netanyahu contra o Irã. Sabe-se que há opiniões divergentes sobre atacar o Irã também dentro de Israel. Até ex-chefes de agências de inteligência de Israel já disseram que Netanyahu é temerário e capaz de agir por sua conta. E, se se considera a alternativa eleitoral nos EUA, os Republicanos estão cada vez mais próximos de Netanyahu ideologicamente, politicamente, e no que tenha a ver com o Irã. Um presidente Republicano não estaria mais próximo de atacar o Irã? Não haveria alguma melhor racionalidade no modo como Obama conduz as coisas, se se pensa na alternativa eleitoral, hoje?
FORD: Bem, para começar, não estou convencido de que o governo Obama deseje atacar o Irã. Obama está em campanha eleitoral. Ele sabe que atacar o Irã teria consequências econômicas catastróficas, as quais, por sua vez, podem custar-lhe a reeleição. Mas esses navios de guerra gigantes... Depois que são postos em movimento, é difícil fazê-los dar meia volta. Se o país for induzido a crer que exista alguma real ameaça existencial contra os EUA, será difícil abortar um ataque no último instante, sobretudo se, do seu lado, há gente como Netanyahu, com agenda própria. Claro que, de um momento em diante, pode tornar-se impossível fazer abortar um ataque militar – mesmo que você não quisesse atacar ninguém. O que quero dizer é que os EUA já criaram uma situação extremamente perigosa, que não sei se poderão controlar.
JAY: Volto ao meu ponto. Quando as pessoas estão resolvendo em quem votar nessa eleição – e falo de gente que deseja movimento político independente, que não quer ver-se como apêndice do Partido Democrata – e se se pensa na questão do Irã... Você acha que há alguma diferença essencial aí, entre o que poderá acontecer em mais quatro anos de Obama, e num governo dos Republicanos, no que tenha a ver com o Irã?
FORD: Acho que há aí diferentes níveis de competência. Claro que entregar a política exterior a John Bolton é completa estupidez. Mas, sim, concordo que não haja muitas diferenças de objetivos. Acho que Obama é dos políticos mais inteligentes que jamais chegou à presidência. É também dos mais espertos, dos mais ‘lisos’, e, sim, muitos espertos conseguem passar por inteligentes em algumas circunstâncias. Acho que pode estar havendo algum excesso de esperteza, se alguém pensa que pode bater tambores de guerra dia e noite sem parar, ‘porque’ poderá declarar a paz de repente, quando bem entender.
JAY: Muito obrigado pela entrevista ao The Real News Network
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