Sobre “State of the Union” (SOTU), 2012 (2)GM é o pior modelo possível para ‘recuperar’ os EUA25/1/2012, Frank Hammer, The Real News Network (vídeo e entrevista traduzida)
http://therealnews.com/t2/index.php?option=com_content&task=view&id=767&Itemid=74&jumival=7847
http://therealnews.com/t2/index.php?option=com_content&task=view&id=767&Itemid=74&jumival=7847
Frank Hammer é empregado aposentado da General Motors de Detroit, onde trabalhou durante 32 anos, e ex-presidente de Local 909 em Warren, MIchigan. Atualmente, está organizando a Auto Worker Caravan [Caravana dos Trabalhadores da Indústria Automobilística], associação de trabalhadores ativos e aposentados, que viajará a Washington para apresentar suas reivindicações ao governo.
PAUL JAY, editor sênior de TRNN: Pode-se dizer que a peça central do discurso do presidente Obama foi restaurar as fábricas norte-americanas. E o modelo de sucesso da intervenção do governo Obama teria sido a ‘salvação’ da General Motors e da indústria automobilística. Que lhe parece?HAMMER: Acho que o modelo é ruim, é péssimo. Acho que se alguém soubesse o que realmente foi feito, que fomos jogados à falência pela crise financeira e, claro, Wall Street traçou o plano e ditou os termos do que fazer para tirar os bancos da falência. Resultado disso, os empregos desapareceram na indústria automobilística. Mais ainda: para recuperar a GM, foi preciso atar mãos e pés e amordaçar os trabalhadores. E tudo, a partir do mito inicial: de que a causa da falência teriam sido os salários. Não foram. A causa da falência foi a crise financeira.
JAY: O que você quer dizer, quando fala em atar mãos e pés e amordaçar os trabalhadores?
HAMMER: O presidente Obama mencionou que seu governo deixou que as empresas e os trabalhadores resolvessem suas diferenças. É. O que o governo Obama fez foi, primeiro, acabar com o direito de greve. Segundo, o governo Obama fixou, como salário máximo aqui em Detroit, o salário das fábricas do sul onde os trabalhadores não são sindicalizados. Assim reduziram nossos salários e nossa expectativa de vida decente. As fábricas em Detroit foram equiparadas às fábricas dos sul, cujos trabalhadores não são sindicalizados. Tudo isso foi feito pelo governo Obama, sim. Que obedeceu ordens de Wall Street.
E se esse é o modelo que Obama usou em seu discurso, o que Obama disse, de fato, é que todos devem reduzir o padrão de vida dos trabalhadores, equipará-los ao padrão de vida de trabalhadores do Terceiro Mundo, para que os EUA – lembre-se ele citou o exemplo de Master Lock[1]. O presidente Obama disse, isso sim, é que os trabalhadores chineses têm tido aumentos no salário mínimo e, portanto, é agora melhor negócio para a Master Lock voltar para os EUA, onde os salários dos trabalhadores são menores a cada dia. O que ele de fato disse é que está convertendo os EUA em país do Terceiro Mundo. E que, assim, seremos mais competitivos e que assim criaremos empregos. Mas só se os trabalhadores dos EUA aceitarem trabalhar por salários de Terceiro Mundo e sem direito de greve.
JAY: Obama também falou sobre desenvolver energia limpa. O que lhe pareceu?
HAMMER: Pareceu-me que ele mencionou a mudança climática uma vez. E só disse, sobre mudança climática, que o Congresso talvez esteja excessivamente dividido para discutir o problema. Foi muito pouco, uma droga de concessão, se se sabe que os cientistas têm dito que é preciso agir rapidamente. E continua repetindo aquelas bobagens, energia nuclear, biocombustíveis e petróleo. Quer dizer: Obama não parece ter ideia clara de que a questão central, definitória desse nosso tempo, são as energias renováveis, não os bicombustíveis, nem a energia nuclear, mas energia limpa. Para Obama, a questão definitória desse nosso tempo é se os EUA conseguirão manter o padrão de vida da classe média dos EUA. E ninguém manterá padrão algum de vida de classe média alguma, se não começar a preocupar-se com a mudança climática.
JAY: Um dos temas sobre os quais conversamos em outras entrevistas é que a recuperação da indústria de transportes poderia ser ponto de partida para outro tipo de economia. Mas Obama voltou ao modelo de Detroit.
HAMMER: Ele mencionou, a certa altura, que entende que as empresas devem receber incentivos para construir novas fábricas, nas áreas que foram mais duramente atingidas pela crise. Em 2009, Obama disse que cuidaria de áreas como Detroit como o governo Bush deveria ter cuidado de New Orleans depois do Katrina. Gostei daquela ideia, achei que ia na direção certa. Mas nesse discurso já nem apareceu um tópico que aparecera nos outros discursos Estado da União: a questão de construir transporte público, linhas férreas, transporte leve. Há muito tempo nós repetimos que algumas das grandes fábricas que foram fechadas em Detroit deveriam ser convertidas em fábricas de vagões, vagões leves, para linhas de alta velocidade. Em 2012, o presidente nem falou sobre isso. Tenho esperança de que se possa ver algum movimento na direção de utilizar energia solar e eólica, para reabrir algumas das fábricas que continuam fechadas. E que apareçam os incentivos que Obama mencionou no discurso.
JAY: Em termos gerais, qual foi sua impressão do discurso? Alguns dos que entrevistei hoje disseram que estão felizes de Obama ter falado, pelo menos, da desigualdade de renda. Quero dizer... Alguma coisa que se ouviu nesse discurso permite esperar que algum dia apareça um Obama diferente do que se viu?
HAMMER: Olhe, francamente, discordo muito de alguns dos meus queridos amigos afro-americanos, que ainda creem que, no segundo mandato, Obama será presidente diferente. Acho que, se for reeleito, veremos mais do mesmo Obama. O momento perfeito para um discurso que incendiasse a base foi ontem, naquela fala do Estado da União. E não aconteceu. Sei disso, porque minha filha, por exemplo, trabalhou muitíssimo para eleger Obama em 2008. Falei com ela hoje, e com meu genro, e nenhum dos dois estava muito entusiasmado com o discurso. Essa era a base de Obama. São os jovens que votaram aos milhões e o elegeram. E não acho que Obama os tenha emocionado, com o discurso de ontem. Fiquei com a impressão de que Obama cantava pelo livro de salmos dos Republicanos. Perdi a conta de quantas vezes repetiu que regulações são péssimas. Acho que o que se viu foi mais rendição, mais um passo na direção do que para muitos seria o centro, mas que cada dia mais é mais à direita, à direita, à direita, mais a cada ano que passa. Acho que Obama teria de tentar incendiar a sua base, em ano eleitoral. Fiquei com a impressão de que Obama está dando por garantidos os votos de sua base. Obama nem falou, nenhuma vez, sobre Occupy Wall Street – e é o movimento que está varrendo todo o país. Aliás... não falou de 99%, mas falou de 98% (os que estão com os salários estagnados). Entendeu?
JAY: Talvez tenha redefinido a base. Talvez esteja jogando para a base. Só que não é a base que acredita que ainda seja a base de Obama.
HAMMER: Pode ser. Mas a base de Obama em 2008 foi fonte de energia e entusiasmo para a campanha. Se Obama redefiniu sua base... Escolheu caminho terrivelmente perigoso.
JAY: Obrigado pela entrevista, Frank.
++++++++++++++++++++++++++++++++
[1] Master Lock fabrica produtos de segurança, com sede em Milwaukee; há pouco tempo a empresa declarou que traria de volta os empregos que exportou para a China, se encontrasse condições de apoio econômico. Desde meados de 2010, a empresa ‘reimportou’ 100 postos de trabalho, que voltaram à fábrica em Milwaukee (25/1/2012, em http://www.fox11online.com/dpp/news/wisconsin/obama-mentions-master-lock-in-2012-state-of-the-union) [NTs].