Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Quinn Norton |
Ver também:
“Anonymous 101: Introdução ao Lulz” (Parte I)
8/11/2011, Quinn Norton, “The Treat Level”, Wired
Essa matéria é a segunda de uma série especial de Quinn Norton para a revista Wired.
Quinn Norton está vivendo com manifestantes #Occupy e quer ler por trás das manchetes, acompanhando os Anonymous.
O projeto de seu trabalho pode ser lido em: “Wired.com Embeds With #Occupy and Anonymous” (em inglês).
Nota dos editores: Cobertura decente do que são e fazem os Anonymous andará sempre muito próxima, em alguns pontos, de material NSF [2]. Inclui imagens e linguajar não recomendáveis.
No começo eram lulz, pranks e uma cultura de “tratorar” [orig. troll] só para tirar um sarro de todo mundo. Mas, apesar dos melhores esforços de muitos Anons “antigos”, Anonymous havia crescido e tornara-se o sistema imunológico da rede, revidando sempre que a sensibilidade geral dos Anons indicava que as instituições que mandam no mundo haviam cruzado a linha e entrado, sem qualquer constestação, no território da pura hipocrisia.
No outono-inverno de 2010, começou um padrão que persiste: quando o exercício do poder torna-se suspeito, muito mais gente aproxima-se e une-se aos Anonymous. Mas essa resposta ‘imunológica’ também modificou os Anonymous. O lulz teve de ceder espaço para a indignação “correta” – que não era, sequer, falsa indignação.
A voz da onda geral, embora continuasse a ser voz gerada em computador, mudou de tom.
Negócio Sério
Ao final de 2011, membros de Anonymous Antisec passaram os feriados hack-eando empresas conectadas ao governo federal e expuseram dados reservados, como parte de sua campanha de LulzNatal [orig. LulzXmas [3]]. Antisec, que emergira como tropa de choque dos Anonymous, caçando organizações policiais e empresas como Monsanto e Sony, representa já uma voz nova e mais poderosa, na política da internet. Era a culminação de uma tendência. Anonymous andara, de rickrollear [4] a internet e da produção em massa de lolcats, e já invadia, por meios legais e ilegais, websites de governos e empresas, invadindo os sistemas que controlam o mundo.
Um participante do coletivo, que se juntara a eles no final de 2010, absolutamente já não era movido a lulz.
“Senti que Anonymous era o melhor lugar para os que odeiam a censura à informação (...) dando voz à minhas queixas contra o governo e o mundo, sem ter de lidar com represálias nem do governo nem do meu patrão” – disse ele. – “E quando WikiLeaks foi censurado, por bloqueio financeiro extrajudicial e pela tirania geral do governo dos EUA, decidi que era hora de arrancá-los da toca.”
Mas como um grupo, criado em torno de risadas e coisa-e-tal, converteu-se num negócio assim tão sério?
Slickpubes [5] fracassa
Quando pela última vez falamos diretamente dos Anonymous (“Introdução ao Lulz”, Parte I), estávamos no início de 2008. Os Anonymous haviam pela primeira vez saído à rua, para começar o sítio à Igreja da Cientologia. Chamavam aqueles “raids” de “Raep”, rape [estupro] com erro de ortografia. Apelidaram a Igreja da Cientologia de “Buttchurch” [aproximadamente “Igreja intrometida”, dentre outras possibilidades] e começaram o que parecia ser campanha infinita contra ela.
Chamado em termos gerais de “Projeto Chanology”, o ataque à Igreja da Cientologia usou um impressionante conjunto de técnicas de protesto e intervenção, por mais estúpidas, engraçadas, grosseiras ou elegantes que fossem. Essa operação tornou-se campo de treinamento político e prático para os Anons.
O “raeping” da Igreja da Cientologia começou com dose normal dos raids-padrão dos Anonymous: chamadas telefônicas, entregas de pizzas não solicitadas, e-mails ameaçadores, faxes de páginas pretas, para consumir a tinta das máquinas, sobrecarregar os servidores etc. O arsenal clássico da guerra online de “tratoração” [orig. online troll fare].
Mas os raids evoluíram.
Um ativista da Anti-Cientologia, Mark Bunker, falou diretamente aos Anonymous [6], exortando-os a mudar as táticas, na direção de tornarem-se mais legais. Os Anonymous gostaram dele – que passaram a chamá-lo de “Wise Beard Man” [Sábio de Barba]: “suas palavras têm sabedoria; a cara dele tem barba”. Em parte em resposta a Bunker, os Anonymous ajustaram suas táticas, de modo a incluir meios mais tradicionais e legais, e pela primeira vez os Anonymous começaram a ter cara de movimento de protesto. O Projeto Chanology tornou-se educação prática em coordenação online para ação política.
Alguns Anons iniciaram a rede WhyWeProtest.net [7], rede social e fórum de discussão previstos para permitir que todos se manifestassem, anonimamente, sobre as manifestações contra a Igreja da Cientologia. Alguns, como Gregg Housh [8] de Boston, fez contato até com a polícia local, e aprendeu a obter autorização para passeatas. Mas outros mantiveram-se do outro lado da legalidade, mantendo as táticas de “atormentar” e os ataques DDOS contra os servidores da Igreja.
O protesto mais extremo talvez tenha sido a Operação Slickpubes [aprox. “Pentelhos Grudentos”] [9], na qual um Anon de 18 anos (Mahoud Samed Almahadin, também conhecido como Matt Connor) cobriu o próprio corpo com vaselina, lascas de unhas cortadas e pelos pubianos e entrou na seda da Cientologia em New York, onde se pôs a esfregar-se em tudo que encontrava, até uma pilha de caixas.
Mas a Slickpubes não foi operação perfeitamente clara. Tinha dois objetivos: atormentar a Igreja da Cientologia, mas também, e talvez mais importante, criticar o que muitos “oldfags” [“viados velhos”] (os Anons que vinham do 4chan) dos velhos tempos dos raids movidos exclusivamente pela força do lulz, viam como corrupção da pureza de seu “sarro ultracoordenado” [“motherfuckery” [10], [11]] movido a lulz. Visava a lembrar aos Anons que Anonymous não é cruzada moralista (chamada então de “moralfaggotry” [lit. “viadagem moralista”] [11a], e só tem a ver com sarro.
Esperava-se dos Anonymous que derrubassem a Igreja em nome do lulz; vigilantismo moralista arrogante, só se fosse parte da piada.
Slickpubes de fato falhou. Os Anonymous já não agiam exclusivamente pelo lulz. O empoderamento que os Anons ganharam do vigilantismo moralista fez o movimento derivar permanentemente na direção da “viadagem moral”. E muitos Anons gostaram.
“A Cientologia tentou ferrar a nossa internet, tentando derrubar o vídeo de Cruise. E foi castigada duramente e continuou a ser castigada por quase quatro anos” – respondeu um Anon, em whyweprotest.net, em resposta a uma pergunta de Wired. “Anonymous nasceu da necessidade da justa retribuição (...). Os alvos são mais amplos, mas a mensagem essencial é a mesma.”
Almahadin foi condenado a prestar serviços comunitários e concordou em manter-se afastado de todos os prédios da Igreja da Cientologia por cinco anos. E outros Anons estavam sendo presos pelos ataques online aos servidores da Igreja, alguns condenados a prisão. Mas os protestos continuaram e tornaram-se parte da vida normal dos Anons da Chanology e de muitos prédios da Igreja da Cientologia.
O LOIC
O LOIC (“Low Orbit Ion Cannon” [lit. Canhão de Íons de Baixa Órbita), nome absurdo de uma ferramenta para testar o carregamento de redes, foi incorporado ao arsenal coletivo dos Anonymous nos websites de derrubar [orig.DDOSing] websites da Cientologia, mas rapidamente se converteu na mais conhecida e controversa ferramenta dos Anonymous.
O LOIC fora criado para sobrecarregar servidores, a partir, em boa parte, do que um programador teria de fazer para garantir que um website continuasse ativo no caso de muitos usuários o acessarem ao mesmo tempo. Mas o LOIC também foi criado, especificamente, tendo em vista os denizens do 4chan.
Cada “braço” do LOIC manda tráfego comum só para um servidor-alvo, o que, em si, não significa muito. Mas se um grande número de pessoas baixam o LOIC e o dirigem todos para o mesmo alvo, cria-se o equivalente humano a uma botnet de hackers, e todos juntos podem, com altíssimo número de entradas, derrubar um servidor. É como se um website de repente se tornasse muito popular, exceto pelo detalhe de que todos que mirem nele o LOIC odeiam aquele site.
No início de 2008, o LOIC começou a ser usado contra os servidores da Igreja da Cientologia, mas a ferramenta ainda era rudimentar, sem recursos para buscar automaticamente o alvo, o que se conhece como “comando e controle” no mundo dos botnets, constituído de dezenas de milhares de computadores zumbis que buscam, numa fonte central, os comandos para distribuir spam e atacar websites. Em vez disso, o LOIC programado pelos Anonymous listava simplesmente endereços de IP dos servidores da Igreja e convidava os Anons a copiar-colar os endereços e passá-los adiante.
O “Canhão de Íons de Baixa Órbita”, LOIC, foi criado por um hacker norueguês e frequentador assíduo do 4chan, conhecido como Praetox. Praetox (ele ou ela) parece ter sumido em 2009, mas a página de Praetox continuou ativa, e o código-fonte do LOIC continuou a poder ser baixado.
Versões posteriores acrescentaram um mecanismo para buscar automaticamente o alvo; Anons que rodassem o LOIC podiam pô-lo num canal IRC de onde os administradores podiam dirigi-lo e dispará-lo.
Mas, embora qualquer um pudesse baixar o LOIC e mirá-lo para onde quisesse, e fosse possível pô-lo num slave mode, para ser disparado a partir do consenso de um canal IRC anonops, mesmo assim havia um grande problema.
O LOIC não escondia nem ele próprio nem os endereços de IP do atacante, o que significava que os atacantes eram “vistos” pelos servidores que estavam sendo atacados, e podiam ser identificados e processados judicialmente, se o site atacado entregasse seus arquivos de dados às autoridades. Os Anons não se sentiram ameaçados, porque entendiam que eram muitos e que seria impossível rastreá-los todos; era verdade, mas nem por isso ajudava a proteger os que fossem rastreados.
Muitos Anons ingênuos jamais perceberam que praticavam atos ilegais e rastreáveis; os que sabiam dos riscos pouco falavam sobre eles e, em vários casos, mentiram muito sobre a segurança da ferramenta.
O LOIC, com nome engraçado e iconografia de canhão, viveu seu grande momento quando, em setembro de 2010, definiu-se um novo alvo.
Operation Payback
No início de setembro, uma empresa indiana AiPlex [12] anunciou que fora contratada para atacar sites de pirataria e para derrubar por DDOS [13] os que não respondessem, como o “infame The Pirate Bay” rastreador de sites BitTorrent, que se orgulhava de detectar ataques. A história virou lenda: a AiPlex teria sido contratada pela Motion Picture Association of America (MPAA) e pela Alliance Against Copyright Theft (AACT) – não por algum grupo de Hollywood/Bollywood – para usar meios ilegais contra sites acusados de usar meios ilegais.
Os Anons, coletivamente, adoraram. Para eles, os estúdios em Hollywood não só escreviam as leis de direitos autorais que cerceavam as liberdades online (tornando ilegal, por exemplo, desmontar aparelhos de telefone e consoles de jogos), como já estavam usando – sem temor de serem punidas – as mesmas técnicas proibidas, por cujo uso tantos Anons haviam sido presos.
Ao longo de anos, os que se preocupavam com os efeitos das leis de direitos autorais sobre a liberdade online só haviam conhecido derrotas na luta contra as instituições e empresas, e viram ser aprovadas, uma após outra, as leis que a própria indústria do entretenimento escrevia e que reduziam direitos, ao mesmo tempo em que se legitimavam acordos secretos para controlar sempre mais os computadores e as conexões de internet. Muitas dessas leis haviam fracassado, mas, para a política digital, os diferentes ataques ao Grande Conteúdo sempre foram sentidos como um único grande ataque continuado.
O Anonymous não tinha qualquer opinião unificada sobre copyright em si. Mas quando medidas destinadas a conter a pirataria apareceram com ameaça contra toda a liberdade online, as opiniões convergiram para uma mesma onda. Declaração contra o Acordo Antipirataria [orig. Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA)] [14] e sua abordagem tipo “três-ataques-confirmados-e-você-será-expulso-da-rede” para crimes contra as leis de autor, dizia:
“Nossa principal reclamação é que essas medidas restringirão as possibilidades dos usuários da internet (...). Ameaçar amputar as pessoas, separando-as da consciência global, como vocês ameaçam fazer, é criminoso e repugnante. Tentarem censurar conteúdos na internet, baseados nos seus próprios preconceitos é, no mínimo, comicamente impossível; no máximo, é vergonhoso, moralmente repreensível”.
A voz gerada por computador que se ouvia no vídeo – então já parte da estética profunda dos Anonymous – concluía com um riff da assinatura tradicional dos Anonymous, que resumia suas motivações e já deixava antever a direção que sua atenção tomaria no futuro. Como ouvia-se lá:
“Não perdoamos a censura na internet. Não esquecemos nossa liberdade de dizer”.
Pelo 4chan e IRC, muitos Anons coordenaram simultaneamente uma nova espécie de ataque: retaliação direta, mirada declaradamente contra importantes atores políticos. Carregaram o LOIC e dispararam a convocação para derrubar os websites da empresa AiPlex e da Motion Picture Association of America (MPAA). Foi a Operação “Troco Filho-da-puta” [orig. “Payback is a bitch”], assim anunciada:
19/9/2010
A QUEM INTERESSAR POSSA
Escrevemos para informar que nós, Anonymous, estamos organizando a Operação “Troco Filho-da-puta” [orig.“Payback is a bitch”].
Os Anonymous atacaremos também a RIAA (Recording Industry Association of America), a MPAA (Motion Pictures Association of America) e a AIPLEX, mercenários alugados para atacar Piratebay (sic) conhecido site de compartilhamento de arquivos.
Impediremos que os usuários entrem naqueles sites inimigos e os manteremos derrubados pelo maior tempo possível.
Querem saber por quê?
Os Anonymous nos cansamos de ver interesses corporativos controlando a internet e silenciando os direitos do povo, de distribuir informação, mas, mais importante que esse, silenciando o direito de PARTILHAR informação entre todos.
A RIAA e a MPAA fingem que ajudam os artistas e a causa dos artistas; de fato, não ajudam nada e ninguém. Não se vê esperança nos olhos delas: só cifrões. Anonymous não mais aceitará isso.
Desejamos muito boa sorte a todos.
Atenciosamente,
Anonymous,
Somos legião.
A resposta foi espetacular; milhares de pessoas que jamais se haviam visto elas próprias como Anons, e que provavelmente pouco sabiam sobre o coletivo, uniram-se a ele, criando assim uma nova geração de “moralfags” [lit. “viados moralistas”]. Por menos envolvidos que estivessem na luta contra a Igreja da Cientologia ou na história das discussões no 4chan, esses recém chegados partilhavam um traço muito importante, com seus predecessores já ativos nos raids do 4chan.
Os novos viram, na chance de atuar como Anonymous, de assumir a iconografia dos Anonymous, de unir-se a uma operação dos Anonymous, uma chance de autoempoderamento. Afinal conseguiam fazer mais que assinar abaixo-assinados online ou doar dinheiro para manter blogs de amigos.
O website da empresa AiPlex caiu quase instantaneamente. Pouco depois, caiu também owebsite da MPAA (Motion Pictures Association of America) [15]. O ataque foi expandido contra a RIAA (Recording Industry Association of America) e outros grupos ligados àquelas associações, grupos de trolls e de “patrulha” em todo o mundo. Escreveram Manifestos [16] e distribuíram vídeos, mas o mais importante: atraíram muita atenção da mídia. Com a divulgação pela imprensa, mais gente aproximou-se dos Anonymous.
Os Anonymous incharam, converteram-se numa massa de moralfags [“viados moralistas”], muito maior, então, do que a “legião” de antes. A cobertura continuou na imprensa, os Anonymous atacaram outros websites, de vários diferentes personagens ativos nas discussões sobre direitos de autor, e retaliaram contra comentários negativos. Os ataques incorporaram algumas técnicas tradicionais de hacking (SQL injection) e desmonte dewebsites.
Depois de semanas de ataques, a Operação “Troco” parecia estar-se esgotando. Novembro transcorreu praticamente tranquilo, os novos participantes de Anonymous arranjando-se no coletivo, habituando-se a usar o IRC e abrindo contas Anonymous-cêntricas no Twitter.
Operação Vingar Assange [orig. Operation Avenge Assange]
Quando tudo levava a supor que os Anonymous fariam uma pausa, em dezembro de 2010 o governo dos EUA iniciou ataque extrajudicial contra WikiLeaks, em retaliação por causa da divulgação de centenas de milhares de telegramas diplomáticos que teriam sido vazados para o website por Bradley Manning. O Senador Joe Lieberman [17] conclamou a empresa Amazon a pressioná-los e conseguiu que deixassem de hospedar os arquivos WikiLeaks. Mas não houve qualquer acusação formal contra WikiLeaks nem contra seu rosto mais conhecido, Julian Assange. Mastercard, Visa e Paypal bloquearam as contas nas quais WikiLeaks recebia contribuições de todo o mundo, alegadamente por violação do contrato de serviços; e um banco suíço congelou contas de Assange. A Operação “Troco” voltou à vida, já rebatizada como “Operação Vingar Assange”.
Os Anonymous carregaram o LOIC e, com muitos canais cheios de participantes muito ativos, mais gente, até, do que na Operação “Troco”, logo derrubaram os websites das empresas MasterCard e Visa (que foi boa publicidade [18], embora não tenham tocado nas redes de pagamento e saiba-se que praticamente todos que usam cartões emitidos por aquelas empresas jamais visitaram os websites). O ataque também dificultou as operações de Paypal durante algum tempo – nesse caso, o ataque foi dirigido ao sistema de processamento de pagamentos da empresa. E um ataque iniciado contra a Amazon foi logo abortado, quando vários Anons decidiram que suas ferramentas não funcionariam contra a massiva e resistente arquitetura do servidor daquela empresa.
Mas os Anonymous estavam de volta às manchetes. No momento em que parecia que todo o mundo voltava-se contra WikiLeaks [19], os Anonymous entraram em cena como a Cavalaria, não ocultaram seu pleno apoio e ofereceram uma voz que, em pouco tempo, converteu-se em voz planetária, para todos, em todo o mundo, que não apoiavam que se perseguissem vazadores, vazamentos e aquele específico site.
Com os ataques simultâneos a várias empresas e aos que haviam abandonado WikiLeaks sob os mais frágeis pretextos, Anonymous reagia contra ações extremamente agressivas, nas quais instituições extrapolavam o direito legal. Visa e MasterCard aceitam doações para partidos de neonazistas, mas não aceitam doações para WikiLeaks. Foi ficando cada dia mais visível que o poder conspirava nas coxias. E a onda de opinião da hora, com o novo moralismo recém incorporada, já não se satisfazia com reclamar nas seção de “Cartas do Leitor”
Fundamentalmente, os Anonymous produzem duas coisas: espetáculo e infraestrutura a ser usada por hackers. Criam cenas às quais a mídia não consegue resistir, mas, simultaneamente, são personagens que a mídia absolutamente não entende. No resto do tempo, os Anonymous estão ou inventando ou detonando infraestrutura online, trabalho técnico que jamais mereceu qualquer atenção da mídia. As operações “Troco” e “Assange” combinaram as duas faces do trabalho dos Anonymous, mas foram, principalmente, espetáculo.
Nenhum dos ataques conseguiu interromper por muito tempo a operação das empresas atacadas, embora poucos jornalistas tenham sequer percebido isso; a maioria dos jornalistas só fez assustar as pessoas, sugerindo que não conseguiriam usar seus cartões para comprar gás ou comida congelada, por culpa dos Anonymous.
Os Anonymous não deixariam e não deixaram de capitalizar os erros da imprensa: fizeram entusiásticas proclamações de vitória, o que reforçou a narrativa sem pé nem cabeça dos jornalistas, e o jogo foi avançando, dezembro adentro.
Alguns Anons perceberam que, afinal, pouco dano haviam causado aos atacados e que, apesar do grande número de ataques, pouco conseguiriam por aquela trilha. Iniciaram a Operação Leakspin, que cobrava de todos os Anons que lessem, analisassem, distribuíssem e protegessem a disseminação dos telegramas diplomáticos que tanta confusão haviam causado. Andando na mesma direção do objetivo inicial de WikiLeaks – permitir que cidadãos lessem e analisassem os documentos vazados e passassem a operar como contrainteligência, como uma espécie de contra-CIA ativa em toda a população – a Operação Leakspin pouco avançou.
Os novos moralfags [“viados moralistas”] preferiam continuar a atirar com o LOIC, a converterem-se em bibliotecários analistas de documentos. Mas cumpriram, pelo menos, a função de distribuir os documentos pelo mundo e torná-los acessíveis a praticamente toda a humanidade, reproduzindo-os “em espelho” pelos servidores, apesar dos ativos esforços de vários governos, interessados em censurar o conteúdo, muitas vezes muito comprometedor, dos telegramas diplomáticos dos EUA. E os Anons rastrearam também vários dos que estavam tentando censurá-los.
Dia 17/10/2010, um tunisiano pobre, vendedor de frutas, de nome Mohamed Bouazizi, que vivia em Sidi Bouzid, na área rural, ateou fogo ao próprio corpo, como protesto contra uma corrupção que já invadia tudo em seu país, e contra a qual sentiu que já não conseguiria lutar. Foi ato de desespero, e Mohamed Bouazizi nunca supôs que viesse a ter o efeito que teve. Mas, desde aquele dia, o mundo nunca mais foi o mesmo. Nem o Oriente Médio, nem a Internet, nem a sociedade nos EUA passariam incólumes pelo autoimolação de Bouazizi. E aquele ato nada anônimo também teria efeito sobre os Anonymous.
A seguir: Part III, “The freedom ops, HBGary Federal, and Occupy Wall Street in 2011, the year Anonymous reached over 9,000” [ainda não publicado].
Notas dos tradutores
[1] Corruptela de “LOL” (na taquigrafia da comunicação online, significa “gargalhada”, “risos, risos, risos”. Também grafado “\o/” e \O/). “Lulz” é também um grupo de hackersque operam, segundo eles, na “antissegurança”. Em junho de 2011, atacaram vários sites do governo brasileiro. Sobre isso, ver O Estado de S.Paulo, 21/6/2011, em: “Lulz Sec e Anonymous anunciam aliança”.
[2] NSFW, Not Safe For Work (Não Seguro para Ambiente de Trabalho). No mundo da internet, a sigla é usada para indicar que o website inclui material que o chefe ou os colegas considerarão inadequado para ser visto/lido em ambiente de trabalho (o oposto de SFW,Safe For Work, Seguro para Ambiente de Trabalho).
[3] Em: “Antisec Hits Private Intel Firm; Millions of Docs Allegedly Lifted” (em inglês)
[4] Rickroll envolve o videoclipe da música “Never Gonna Give You Up” [Nunca desistirei de você], de 1987, de Rick Astley. Alguém envia um link, dizendo que tem a ver com a discussão em curso; mas o link só abre o vídeo de Rick Astley. Quando alguém abre esse link “hackeado”, diz-se que foi “rickrolleado”. Com o tempo, o Rickroll deixou de depender de links e abria repentinamente, em qualquer situação. (em inglês)
[10] Há zilhões de ocorrências dessa expressão, quase intraduzível [lit. “filha-da-putagem ultracoordenada”] na internet. Várias são falas de Anonymous convidados para encontros com alunos em escolas e universidades pelo mundo, nas quais a expressão ocorre como pára-definição do que os Anonymous fazem. Mas a ocorrência em que a expressão mais dá conta de muitos outros significados muito complexos parece ser, das que encontramos até agora, o postado de um músico blogueiro, procurando emprego em alguma banda: “Se alguém aí tá pensando num sarro ultracoordenado, eu tenho o tamborim” (\o/ \o/ \o/).
[11] “Operation Lioncash” (em inglês). [11a] “Moralfag” [lit. “viado moralista”] Gente que chega ao4chan's /b/ board (também chamados “newfag” [lit, “viado novo”] e que não aceita algumas das imagens ou atividades mais extremas. A maioria dos moralfags protesta contra tortura de animais e discussões sobre o tema, e fazem de tudo para manifestar seu desagrado. A expressão tem sido associada à onda denewfags que apareceram em /b/, contra o “Projeto Chanology” criado contra a Cientologia. Resposta típica de um moralfag, contra tortura de animais é: “Cara, não é engraçado mostrar tortura de animais. Estamos acostumados a ver cadáveres humanos na televisão, e ok, mas, animais?! Vamos iniciar uma campanha contra tortura de animais. Totalmente “Clube da Luta” (em inglês).
[12] “Bizarre Indian Anti-Piracy Group Says It Does DoS Attacks On File Sharing Operations” (em inglês).
[14] Vídeo em: “Operation Payback – Anonymous Message About ACTA Laws, Internet Censorship and Copyright”