Veja como dois banqueiros levam a Europa à ruína
Durante um ano, o Deutsche Bank e o Banco Central Europeu fizeram-nos acreditar que o que se passa na Grécia seria desastroso para a Europa. Estavam a mentir com quantos dentes têm na boca.
Por Jérôme E. Roos [15.06.2011 18h45]
Durante um ano, o Deutsche Bank e o Banco Central Europeu (BCE) fizeram-nos acreditar que o que se passa na Grécia seria desastroso para a Europa. Estavam mentindo com quantos dentes têm na boca.
Em Frankfurt, dois dos homens mais poderosos da Europa sentam-se, virtualmente, um de cada lado da rua, nos arranha-céus sede de duas das mais importantes instituições no continente. Ninguém elegeu estes homens para que governem sobre nós. Ninguém votou nas suas instituições para que ditassem a nossa política econômica. No entanto é o que fazem.
Apresentamos Jean-Claude Trichet e Josef Ackermann. O primeiro é o líder do Banco Central Europeu, está de saída, e foi recentemente considerado pela Newsweek uma das cinco pessoas mais importamtes do mundo. O segundo é o líder do maior banco privado da zona euro, o Deutsche Bank, e foi recentemente considerado pelo The New York Times "o banqueiro mais poderoso da Europa". Nenhum deles foi eleito para liderar a economia. No entanto, juntos é o que fazem.
De fato, ambos têm sido decisivos na definição da resposta a dar pela União Europeia à grave crise da dívida que continua a assombrar a zona euro. Como noticiou o Times em uma poderosa análise, o senhor Ackermann "encontra-se no centro do círculo mais concêntrico do poder, mais do que qualquer outro banqueiro do continente". Assim, ele aconselha regularmente políticos e decisores políticos sobre os assuntos econômicos mais candentes do momento: a latente crise da dívida grega; a crescente tensão entre fortes economias europeias como a Alemanha, e as mais fracas, como a Irlanda e Portugal; e o futuro da Europa como união econômica e monetária e esse grande e expressivo empreendimento, o euro.
Ao mesmo tempo, nota o NYT, Ackermann é também "possivelmente o mais perigoso" banqueiro na Europa. Afinal, "não é segredo onde estão as alianças financeiras do senhor Ackermann: nos bancos". Por exemplo, Ackermann "tem insistido que seria um grave erro proporcionar algum alívio à dívida grega".
Qual seria o problema da reestruturação da dívida da Grécia? A Argentina e o Equador demonstraram amplamente na última década que a reestruturação da dívida soberana pode, na verdade, libertar o país das medidas de austeridade e inibidoras do crescimento impostas por líderes estrangeiros, permitindo uma recuperação mais rápida enquanto as necessidades e preocupações internas são acauteladas.
Mas, claro, temos de nos recordar que o senhor Ackermann não é um observador neutro. Existe uma agenda por detrás do seu discurso apocalíptico. O Times nota apropriadamente que "os bancos europeus, incluindo alemães como o Deutsche Bank, detêm muitos milhões de euros nas obrigações financeiras do governo grego e os bancos perderiam bastante se essas dívidas fossem reestruturadas".
No entanto, como conseguiu Ackermann convencer Merkel, Trichet e outros líderes da UE que a reestruturação da dívida grega levaria a uma situação como a da Leman Brothers? “A solução da Europa para a Grécia é, essencialmente”, segundo o senhor Ackermann, “mais dinheiro de resgate e mais austeridade”, uma estratégia que alguns analistas admitem que permita apenas ganhar tempo sem oferecer nenhuma esperança de recuperação.
Assim, cego pela sua própria ganância e indisponibilidade para assumir responsabilidades pelos empréstimos irresponsáveis concedidos pelo seu banco e que se relacionam com a criação da crise, Ackermann apenas agrava a crise. Alerta de forma incisiva para a probabilidade do aumento das consequências desastrosas e a Europa está paralisada. Os nosso dirigentes compraram a mentira. Por que?
Uma das razões para o sucesso de Ackermann é o fato de ter tido, durante a crise, o apoio dos seus vizinhos do Banco Central Europeu. Desde que a Grécia se afundou no abismo dos mercados de capital globais no início do ano passado, Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE, bajulou cuidadosamente os interesses dos maiores bancos europeus qualificando a reestruturação como "demasiado arriscada".
Não por acaso, o senhor Ackermann parece desfrutar de boas relações com Jean-Claude Trichet. Quando a senhora Merkel sugeriu que os credores privados assegurem uma parte do fardo, Ackermann opôs-se ao governo alemão e colocou-se ao lado do seu amigo, o senhor Trichet, argumentando que contra reestruturação da dívida grega porque forçaria os investidores - e os bancos - a “partilhar as dores da Grécia”.
Hoje, a maioria dos especialistas em economia - quer da esquerda quer da direita - chegaram à conclusão de que a Grécia é insolvente. Simplesmente não pode, realisticamente, reembolsar a sua dívida esmagadora enquanto a economia continuar a contrair-se em resultado das medidas de austeridade prescritas por Ackermann e Trichet.
Até o governo alemão e o presidente da zona euro, Jean-Claude Juncker, falam agora na chamada "reestruturação suave" da dívida grega. Mas o BCE recusa-se a financiá-la. Se esta atitude de teimosia era previsível por parte do interessado Deutsche Bank, pelo contrário, é surpreendente num suposto agente "neutro" como o BCE.
Então porque continua o BCE a opor-se à única e real solução para a crise da dívida grega? Porque é que continua a empurrar a Grécia, e com ela toda a zona euro, para o abismo? É apenas porque Trichet e Ackermann e companhia são amigos próximos? Ou passa-se mais alguma coisa?
Claro que se passa. Trichet cometeu o seu maior erro no ano passado quando decidiu ficar ao lado do seu amigo Ackermann ao se opor ao início da reestruturação da dívida. Em vez de permanecer na sua objetividade neutral enquanto líder do BCE, Trichet envolveu-se diretamente na crise da dívida grega: começou por comprar grande quantidade de obrigações gregas através de mercados secundários só para permitir que a Grécia ficasse à tona e assim evitar que bancos e investidores europeus tivessem de fazer corte de cabelo.
Como resultado, já não são só os bancos privados europeus mas é também o seu Banco Central que estão afundados até ao pescoço na crise grega. Em outras palavras, a reestruturação da Grécia já não prejudicaria apenas os bancos privados; forçaria Trichet a assumir grandes prejuízos no folha de balanços do BCE a escassos meses de passar a pasta a Mario Draghi.
É hora de os dirigentes europeus acordarem para a dolorosa realidade que tem sido ignorada durante todo este tempo. A Europa não enfrenta uma crise da dívida soberana, como Ackermann e Trichet nos querem fazer crer. Na realidade, a Europa enfrenta uma crise financeira no seu setor bancário. Não apenas a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas a maioria dos grandes bancos europeus estão insolventes.
Pior ainda, o fato de os líderes europeus, para enfrentar a crise da dívida grega, terem permitido um resgate no ano passado, agravou os problemas. O BCE está em risco de se torna, a maior "vítima" da crise financeira global no momento. Com uma exposição de mais de 440 mil milhões de euros nos países periféricos, perdas patrimoniais de 4,25% podiam conduzir o BCE à insolvência.
De acordo com uma reportagem do Open Europe, pesadas perdas para o BCE já não são um risco remoto. Mesmo com mais resgates da UE e do FMI é pouco provável que a Grécia saia da crise nos próximos anos, o que também deitaria abaixo os bancos do país. Calcula-se que as perdas resultantes para o BCE estejam entre 44,5 bilhões de euros e 65,8 bilhões de euros, o que equivale a ativos entre 2,35% e 3,47%, isto é, por pouco não acaba com o capital base do BCE.
A única forma de esconder da população esta terrível realidade tem sido continuar os resgates aos países periféricos e impor medidas de austeridade draconianas.
Durante a crise, os muito apregoados mitos sobre a preguiça da Grécia e os comportamentos laxistas nos países do Sul apenas serviram como pretexto para distrair os contribuintes alemães da verdade incontornável de que são eles que estão resgatando os seus próprios bancos. A raiva dos populistas do norte tem sido dirigida diretamente contra os trabalhadores em luta no sul enquanto quem beneficia são os banqueiros.
Na verdade, os contribuintes da Europa nunca resgataram a Grécia, Portugal ou a Irlanda. Resgataram o senhor Ackermann e os seus amigos. E em breve serão igualmente chamados a resgatar o senhor Trichet. E, suprema das ironias, a mentira inicial de que a reestruturação da dívida grega traria consequências desastrosas para a Europa foi repetida tantas vezes que se transformou em realidade. Se tivéssemos agido há um ano e meio para permitir à Grécia uma reestruturação da dívida, a falência financeira teria sido limitada.
Mas agora que o BCE está seriamente exposto, o alarmismo de Ackermann transformou-se numa profecia auto-cumprida. Permitamos então que esta singela verdade seja revelada a todos: ainda estamos a viver sob uma ditadura do capital financeiro na qual dois banqueiros têm o poder de configurar a nossa realidade. E até que afrontemos esses banqueiros e nos levantemos para quebrar a sua ligação invisível estaremos a ser firmemente conduzidos à ruína.
Em Frankfurt, dois dos homens mais poderosos da Europa sentam-se, virtualmente, um de cada lado da rua, nos arranha-céus sede de duas das mais importantes instituições no continente. Ninguém elegeu estes homens para que governem sobre nós. Ninguém votou nas suas instituições para que ditassem a nossa política econômica. No entanto é o que fazem.
Apresentamos Jean-Claude Trichet e Josef Ackermann. O primeiro é o líder do Banco Central Europeu, está de saída, e foi recentemente considerado pela Newsweek uma das cinco pessoas mais importamtes do mundo. O segundo é o líder do maior banco privado da zona euro, o Deutsche Bank, e foi recentemente considerado pelo The New York Times "o banqueiro mais poderoso da Europa". Nenhum deles foi eleito para liderar a economia. No entanto, juntos é o que fazem.
De fato, ambos têm sido decisivos na definição da resposta a dar pela União Europeia à grave crise da dívida que continua a assombrar a zona euro. Como noticiou o Times em uma poderosa análise, o senhor Ackermann "encontra-se no centro do círculo mais concêntrico do poder, mais do que qualquer outro banqueiro do continente". Assim, ele aconselha regularmente políticos e decisores políticos sobre os assuntos econômicos mais candentes do momento: a latente crise da dívida grega; a crescente tensão entre fortes economias europeias como a Alemanha, e as mais fracas, como a Irlanda e Portugal; e o futuro da Europa como união econômica e monetária e esse grande e expressivo empreendimento, o euro.
Ao mesmo tempo, nota o NYT, Ackermann é também "possivelmente o mais perigoso" banqueiro na Europa. Afinal, "não é segredo onde estão as alianças financeiras do senhor Ackermann: nos bancos". Por exemplo, Ackermann "tem insistido que seria um grave erro proporcionar algum alívio à dívida grega".
Qual seria o problema da reestruturação da dívida da Grécia? A Argentina e o Equador demonstraram amplamente na última década que a reestruturação da dívida soberana pode, na verdade, libertar o país das medidas de austeridade e inibidoras do crescimento impostas por líderes estrangeiros, permitindo uma recuperação mais rápida enquanto as necessidades e preocupações internas são acauteladas.
Mas, claro, temos de nos recordar que o senhor Ackermann não é um observador neutro. Existe uma agenda por detrás do seu discurso apocalíptico. O Times nota apropriadamente que "os bancos europeus, incluindo alemães como o Deutsche Bank, detêm muitos milhões de euros nas obrigações financeiras do governo grego e os bancos perderiam bastante se essas dívidas fossem reestruturadas".
No entanto, como conseguiu Ackermann convencer Merkel, Trichet e outros líderes da UE que a reestruturação da dívida grega levaria a uma situação como a da Leman Brothers? “A solução da Europa para a Grécia é, essencialmente”, segundo o senhor Ackermann, “mais dinheiro de resgate e mais austeridade”, uma estratégia que alguns analistas admitem que permita apenas ganhar tempo sem oferecer nenhuma esperança de recuperação.
Assim, cego pela sua própria ganância e indisponibilidade para assumir responsabilidades pelos empréstimos irresponsáveis concedidos pelo seu banco e que se relacionam com a criação da crise, Ackermann apenas agrava a crise. Alerta de forma incisiva para a probabilidade do aumento das consequências desastrosas e a Europa está paralisada. Os nosso dirigentes compraram a mentira. Por que?
Uma das razões para o sucesso de Ackermann é o fato de ter tido, durante a crise, o apoio dos seus vizinhos do Banco Central Europeu. Desde que a Grécia se afundou no abismo dos mercados de capital globais no início do ano passado, Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE, bajulou cuidadosamente os interesses dos maiores bancos europeus qualificando a reestruturação como "demasiado arriscada".
Não por acaso, o senhor Ackermann parece desfrutar de boas relações com Jean-Claude Trichet. Quando a senhora Merkel sugeriu que os credores privados assegurem uma parte do fardo, Ackermann opôs-se ao governo alemão e colocou-se ao lado do seu amigo, o senhor Trichet, argumentando que contra reestruturação da dívida grega porque forçaria os investidores - e os bancos - a “partilhar as dores da Grécia”.
Hoje, a maioria dos especialistas em economia - quer da esquerda quer da direita - chegaram à conclusão de que a Grécia é insolvente. Simplesmente não pode, realisticamente, reembolsar a sua dívida esmagadora enquanto a economia continuar a contrair-se em resultado das medidas de austeridade prescritas por Ackermann e Trichet.
Até o governo alemão e o presidente da zona euro, Jean-Claude Juncker, falam agora na chamada "reestruturação suave" da dívida grega. Mas o BCE recusa-se a financiá-la. Se esta atitude de teimosia era previsível por parte do interessado Deutsche Bank, pelo contrário, é surpreendente num suposto agente "neutro" como o BCE.
Então porque continua o BCE a opor-se à única e real solução para a crise da dívida grega? Porque é que continua a empurrar a Grécia, e com ela toda a zona euro, para o abismo? É apenas porque Trichet e Ackermann e companhia são amigos próximos? Ou passa-se mais alguma coisa?
Claro que se passa. Trichet cometeu o seu maior erro no ano passado quando decidiu ficar ao lado do seu amigo Ackermann ao se opor ao início da reestruturação da dívida. Em vez de permanecer na sua objetividade neutral enquanto líder do BCE, Trichet envolveu-se diretamente na crise da dívida grega: começou por comprar grande quantidade de obrigações gregas através de mercados secundários só para permitir que a Grécia ficasse à tona e assim evitar que bancos e investidores europeus tivessem de fazer corte de cabelo.
Como resultado, já não são só os bancos privados europeus mas é também o seu Banco Central que estão afundados até ao pescoço na crise grega. Em outras palavras, a reestruturação da Grécia já não prejudicaria apenas os bancos privados; forçaria Trichet a assumir grandes prejuízos no folha de balanços do BCE a escassos meses de passar a pasta a Mario Draghi.
É hora de os dirigentes europeus acordarem para a dolorosa realidade que tem sido ignorada durante todo este tempo. A Europa não enfrenta uma crise da dívida soberana, como Ackermann e Trichet nos querem fazer crer. Na realidade, a Europa enfrenta uma crise financeira no seu setor bancário. Não apenas a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas a maioria dos grandes bancos europeus estão insolventes.
Pior ainda, o fato de os líderes europeus, para enfrentar a crise da dívida grega, terem permitido um resgate no ano passado, agravou os problemas. O BCE está em risco de se torna, a maior "vítima" da crise financeira global no momento. Com uma exposição de mais de 440 mil milhões de euros nos países periféricos, perdas patrimoniais de 4,25% podiam conduzir o BCE à insolvência.
De acordo com uma reportagem do Open Europe, pesadas perdas para o BCE já não são um risco remoto. Mesmo com mais resgates da UE e do FMI é pouco provável que a Grécia saia da crise nos próximos anos, o que também deitaria abaixo os bancos do país. Calcula-se que as perdas resultantes para o BCE estejam entre 44,5 bilhões de euros e 65,8 bilhões de euros, o que equivale a ativos entre 2,35% e 3,47%, isto é, por pouco não acaba com o capital base do BCE.
A única forma de esconder da população esta terrível realidade tem sido continuar os resgates aos países periféricos e impor medidas de austeridade draconianas.
Durante a crise, os muito apregoados mitos sobre a preguiça da Grécia e os comportamentos laxistas nos países do Sul apenas serviram como pretexto para distrair os contribuintes alemães da verdade incontornável de que são eles que estão resgatando os seus próprios bancos. A raiva dos populistas do norte tem sido dirigida diretamente contra os trabalhadores em luta no sul enquanto quem beneficia são os banqueiros.
Na verdade, os contribuintes da Europa nunca resgataram a Grécia, Portugal ou a Irlanda. Resgataram o senhor Ackermann e os seus amigos. E em breve serão igualmente chamados a resgatar o senhor Trichet. E, suprema das ironias, a mentira inicial de que a reestruturação da dívida grega traria consequências desastrosas para a Europa foi repetida tantas vezes que se transformou em realidade. Se tivéssemos agido há um ano e meio para permitir à Grécia uma reestruturação da dívida, a falência financeira teria sido limitada.
Mas agora que o BCE está seriamente exposto, o alarmismo de Ackermann transformou-se numa profecia auto-cumprida. Permitamos então que esta singela verdade seja revelada a todos: ainda estamos a viver sob uma ditadura do capital financeiro na qual dois banqueiros têm o poder de configurar a nossa realidade. E até que afrontemos esses banqueiros e nos levantemos para quebrar a sua ligação invisível estaremos a ser firmemente conduzidos à ruína.