Julian Assange: crise do jornalismo
Por Emiliano José
Ainda estamos longe de entender a complexidade do significado da divulgação dos documentos secretos pelo site WikiLeaks e a prisão de seu principal dirigente, Julian Assange, detido, segundo as alegações, por ter mantido relações sexuais com duas mulheres, em momentos diferentes, e tê-las forçado a tanto. Não se entre no mérito de tais acusações, mas se diga com toda a clareza que a verdadeira razão da prisão é bem outra. Não foi por acaso, não mesmo, que o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, comemorou a prisão de Assange (A Tarde, 8/12/2010, p. B9). A comemoração obviamente está ligada à circunstância política de que o site WikiLeaks tem se tornado uma pedra no sapato para o Império.
Assange, neste momento, é um perseguido político, vamos ser claros. O que está em jogo, aqui, é a liberdade de expressão, o direito de publicação de fatos de interesse público, como obviamente o são os documentos que revelam as vísceras da diplomacia norte-americana. Não estou sendo original, devo registrar, mas a repetição, nesses casos ajuda. Essa mesma opinião foi manifestada pela alta comissária para direitos humanos da ONU, Navi Pillay, ao tratar do cerco ao WikiLeaks, expresso, sobretudo, pela suspensão de todos os pagamentos e doações dirigidos ao site na Europa (A Tarde. 10/12/2010, p. B11). Ao se cortar laços do site com o Amazon, Visa, Mastercard e PayPal tenta-se “violar a liberdade de expressão”, como afirma Navi Pillay, sufocar a imprensa, – o site obviamente se classifica, nem que heterodoxamente no conceito de imprensa, não?.
Não houve, até hoje, no caso, nenhuma movimentação da imprensa mundial tradicional, que se limitou, por absoluta imposição dos fatos, a noticiar a prisão de Assange, com detalhes especiais sobre a acusação que pesa sobre ele quanto a supostos crimes sexuais. Não houve a tradicional denúncia de um evidente ataque à liberdade de expressão. O trabalho do site dirigido por Assange está desnudando uma crise do jornalismo tradicional. A imprensa americana, famosa por episódios históricos como Watergate, agora reage a Assange, tanto por sua filiação ou submissão aos interesses do Império como, também, por ter sido nitidamente furada pelo trabalho do WikiLeaks. Creio mesmo que boa parte da imprensa tradicional, e não me refiro apenas à imprensa norte-americana, torce para que Assange seja deportado para a Suécia e que lá seja condenado por suas relações sexuais com as duas mulheres.
Jornalistas independentes, intelectuais como Noam Chomsky, se colocaram ao lado do prisioneiro político, denunciando que “a retórica cada vez mais violenta contra Assange gera graves preocupações com a segurança do fundador do WikiLeaks”. (A Tarde, 8/12/2010). O trabalho do WikiLeaks, no caso, teve o mérito de revelar a natureza da diplomacia americana, secularmente acostumada a desdenhar dos outros países, a formular juízos apressados sobre personalidades políticas, a querer sempre desacreditar lideranças que a incomodam, a dar lições ao mundo, a zombar da soberania das nações.
Tudo isso e muito mais veio à tona com a revelação dos documentos denominados secretos. Puro jornalismo. A mídia tradicional deve compreender que nunca mais será a mesma, especialmente depois do episódio do WikiLeaks. Ou ela se adapta, se moderniza, volta a iluminar as zonas de segredo, ou será sempre superada por esse jornalismo independente que cresce assustadoramente com a internet.
Lula, que enfrenta volta e meia a calúnia de que não gosta da liberdade de expressão, fez uma crítica dura ao fato de ter havido um silêncio sepulcral em torno da prisão de Assange, de não ter acontecido um protesto claro contra a liberdade de expressão. (A Tarde, 10/12/2010, p. B11). O jornalismo que apenas ecoa os interesses do Império em escala mundial está em causa. Ou ele se recicla, se moderniza no melhor sentido, voltando à idéia de buscar a verdade, doa a quem doer, ou então vai sendo enfrentado, e com êxito, por esse novo jornalismo que provém da internet. E deveria ainda fazer coro em defesa de Assange. Será pedir demais? Será ingenuidade minha? Penso que não.
Publicado no jornal A Tarde (20/12/2010)
Ainda estamos longe de entender a complexidade do significado da divulgação dos documentos secretos pelo site WikiLeaks e a prisão de seu principal dirigente, Julian Assange, detido, segundo as alegações, por ter mantido relações sexuais com duas mulheres, em momentos diferentes, e tê-las forçado a tanto. Não se entre no mérito de tais acusações, mas se diga com toda a clareza que a verdadeira razão da prisão é bem outra. Não foi por acaso, não mesmo, que o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, comemorou a prisão de Assange (A Tarde, 8/12/2010, p. B9). A comemoração obviamente está ligada à circunstância política de que o site WikiLeaks tem se tornado uma pedra no sapato para o Império.
Assange, neste momento, é um perseguido político, vamos ser claros. O que está em jogo, aqui, é a liberdade de expressão, o direito de publicação de fatos de interesse público, como obviamente o são os documentos que revelam as vísceras da diplomacia norte-americana. Não estou sendo original, devo registrar, mas a repetição, nesses casos ajuda. Essa mesma opinião foi manifestada pela alta comissária para direitos humanos da ONU, Navi Pillay, ao tratar do cerco ao WikiLeaks, expresso, sobretudo, pela suspensão de todos os pagamentos e doações dirigidos ao site na Europa (A Tarde. 10/12/2010, p. B11). Ao se cortar laços do site com o Amazon, Visa, Mastercard e PayPal tenta-se “violar a liberdade de expressão”, como afirma Navi Pillay, sufocar a imprensa, – o site obviamente se classifica, nem que heterodoxamente no conceito de imprensa, não?.
Não houve, até hoje, no caso, nenhuma movimentação da imprensa mundial tradicional, que se limitou, por absoluta imposição dos fatos, a noticiar a prisão de Assange, com detalhes especiais sobre a acusação que pesa sobre ele quanto a supostos crimes sexuais. Não houve a tradicional denúncia de um evidente ataque à liberdade de expressão. O trabalho do site dirigido por Assange está desnudando uma crise do jornalismo tradicional. A imprensa americana, famosa por episódios históricos como Watergate, agora reage a Assange, tanto por sua filiação ou submissão aos interesses do Império como, também, por ter sido nitidamente furada pelo trabalho do WikiLeaks. Creio mesmo que boa parte da imprensa tradicional, e não me refiro apenas à imprensa norte-americana, torce para que Assange seja deportado para a Suécia e que lá seja condenado por suas relações sexuais com as duas mulheres.
Jornalistas independentes, intelectuais como Noam Chomsky, se colocaram ao lado do prisioneiro político, denunciando que “a retórica cada vez mais violenta contra Assange gera graves preocupações com a segurança do fundador do WikiLeaks”. (A Tarde, 8/12/2010). O trabalho do WikiLeaks, no caso, teve o mérito de revelar a natureza da diplomacia americana, secularmente acostumada a desdenhar dos outros países, a formular juízos apressados sobre personalidades políticas, a querer sempre desacreditar lideranças que a incomodam, a dar lições ao mundo, a zombar da soberania das nações.
Tudo isso e muito mais veio à tona com a revelação dos documentos denominados secretos. Puro jornalismo. A mídia tradicional deve compreender que nunca mais será a mesma, especialmente depois do episódio do WikiLeaks. Ou ela se adapta, se moderniza, volta a iluminar as zonas de segredo, ou será sempre superada por esse jornalismo independente que cresce assustadoramente com a internet.
Lula, que enfrenta volta e meia a calúnia de que não gosta da liberdade de expressão, fez uma crítica dura ao fato de ter havido um silêncio sepulcral em torno da prisão de Assange, de não ter acontecido um protesto claro contra a liberdade de expressão. (A Tarde, 10/12/2010, p. B11). O jornalismo que apenas ecoa os interesses do Império em escala mundial está em causa. Ou ele se recicla, se moderniza no melhor sentido, voltando à idéia de buscar a verdade, doa a quem doer, ou então vai sendo enfrentado, e com êxito, por esse novo jornalismo que provém da internet. E deveria ainda fazer coro em defesa de Assange. Será pedir demais? Será ingenuidade minha? Penso que não.
Publicado no jornal A Tarde (20/12/2010)