sexta-feira, abril 17, 2009

O APAGÃO TUCANO

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) transformou-se no principal alvo de críticas do relatório da organização do Fórum Econômico Mundial, elaborado em conjunto com a Fundação Dom Cabral, sediada em Belo Horizonte.

"O PAC não vai acelerar nada, é programa de recuperação do crescimento", disse o diretor da Fundação Dom Cabral Paulo Resende, especialista em transportes e logística e responsável pela análise do quesito infraestrutura para o Brasil no relatório do fórum.

Resende vê o programa federal com poucos investimentos para fazer frente às demandas. Seu relatório tomou como base o plano nacional de logística da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e o estudo dos sistemas de energia dos Estados Unidos, China, Austrália e Canadá, países de grandes dimensões como o Brasil.

Na área de distribuição de energia, o Brasil precisaria investir US$ 10 bilhões até 2010 e previsão do PAC para isso é de US$ 5,6 bilhões. Nas rodovias, o investimento deveria chegar a US$ 25 bilhões até o ano que vem. O programa federal prevê US$ 14 bilhões para o segmento. No setor portuário, a necessidade estimada pelo professor é de US$ 15 bilhões, montante três vezes superior aos investimentos citados no PAC. "Se, em cinco anos, o Brasil crescer de 4% a 5%, vai sofrer um apagão logístico", afirmou.

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Não quero faltar com a ética e criticar o Sr. Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, que é apresentado como especialista em transporte e logística. Mas, como tentarei mostrar a seguir, é difícil aceitar tranquilamente os absurdos que são veiculados na matéria do Valor e é possível que ela não tenha sido fiel ao que ele escreveu e disse. Assumo a presunção de que a  matéria pode ter distorcido tudo. Então, fica entendido que a crítica será feita ao que a matéria leva a supor que faz parte do referido relatório.

Com que autoridade faço essa crítica? Me sinto à vontade para fazê-la por ter sido o coordenador do Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), do Ministério dos Transportes, cujos estudos iniciais foram realizados em 2006, com atualizações periódicas. Naquela época, eu ocupava a pasta de Secretário de Política Nacional de Transportes, de onde saí em junho de 2007, para me tornar empresário nessa área.

1. Nenhum especialista em logística e transportes se baseará no Plano de Logística da CNT e nas analogias com outros países. Quem faz isso é exatamente o não especialista. O verdadeiro especialista procurará estudos científicos do governo ou nas Universidades, feitos com base em dados objetivos. Assim, o Sr. Paulo Resende e os responsáveis pelo relatório não poderiam deixar de consultar o PNLT que, até hoje, é o único estudo existente no país , de âmbito nacional e com base científica. As pessoas podem não gostar do que ali está e podem questionar o método científico utilizado. Só não podem trocar um trabalho com base objetiva por outro trabalho, que embora inclua o PNLT, acrescenta reivindicações legítimas mas subjetivas dos representados pela CNT. 

2. O PNLT é um trabalho com base científica, indicando os investimentos necessários até 2023, discriminando as necessidades até os anos de 2011, 2015 e até 2023. O PAC de logística foi estruturado com base no PNLT.

3. Ao contrário do que diz a matéria do Valor, o PAC só não acelera nada para quem não sabe o que é o PAC. Por incrível que pareça, houve tanta desinformação de parte da imprensa em relação ao PAC que, mesmo com as inúmeras tentativas de mostrar o que é e como está se desenvolvendo, feitas pela ministra Dilma Roussef e pelo ministro Guido Mantega, não se conseguiu esclarecer a sociedade brasileira.

4. Por conta desses inúmeros erros de qualificação do PAC, escrevi um artigo intitulado "A ignorância de grande parte da imprensa em relação ao PAC". Nele procuro mostrar de pronto que o PAC é muito mais do que os investimentos federais. Muito mais, inclusive, que os investimentos dos governos estaduais, municipais e da iniciativa privada. Não sei se o especialista Sr. Paulo Resende ao dizer que o PAC não acelera nada esqueceu disso. Fica a impressão de que ele não leu - ou leu e não entendeu - e não gostou. As medidas institucionais, como mostro no artigo, são tão ou mais importantes, para acelerar o crescimento do país, do que os investimentos financeiros da União, dos Estados, dos Municípios e da iniciativa privada. Dou apenas o exemplo da prorrogação do Reporto - que significará investimentos pesados dos operadores portuários (iniciativa privada) - e a extensão do Reporto ao modal ferroviário, que terá o mesmo impacto que nos portos. Esses investimentos, ao contrário do que diz o Relatório, aceleram sim o crescimento, porque aumentam muito a eficiência das operações logísticas.

5. A frase cunhada pela CNT, colocada na boca do Sr. Paulo Resende, que diz "Se, em cinco anos, o Brasil crescer de 4% a 5%, vai sofrer um apagão logístico" é mais antiga profecia não realizada. Houve, de fato, um real "apagão" na área de energia, ao final do governo FHC. Os partidos que governavam o país quando desse comprovado e vivenciado apagão não se conformaram de perder as eleições em 2002 e resolveram cunhar várias expressões com o jargão "apagão", acreditando que um desejo repetido frequentemente cria a realidade desejada. Infelizmente para eles, para a oposição, até hoje não aconteceu a profecia do "apagão logístico", anunciada desde os primeiros dias do governo Lula.

6. Os dados objetivos do crescimento econômico acelerado e do comércio exterior demonstraram que a situação não estava caótica do jeito que eles apregoavam. Embora o governo Lula tenha recebido rodovias abandonadas e esburacadas (clique aqui para ler o post "Pesquisa Rodoviária da CNT, em 2003, mostra a situação dramática das rodovias brasileiras, após anos de abandono"), concessionárias de ferrovias em situação financeira crítica, portos com problemas de acesso, pouco calado, excesso de burocracia e coisas do gênero.

7. E o que aconteceu? O PIB não pode crescer? O comércio exterior ficou travado? A competitividade dos nossos produtos foi prejudicada? Não, ocorreu o contrário disso.

8. O PIB brasileiro cresceu de R$ 1,5 trilhão em 2003 para R$ 2,9 trilhões em 2008 (mesmo com efeitos da crise). A partir de 2002, a corrente de comércio exterior quase triplicou, passando de cerca de US$ 100 bilhões em 2002 para cerca de US$ 280 bilhões em 2007. A quantidade de contêineres (cargas de maior valor agregado) aumentou 2,5 vezes, passando de cerca de dois milhões, em 2002, para cerca de cinco milhões, em 2007.

9. Essas cargas chegaram aos portos, em grande parte, através de caminhões e trens. Se houve esse crescimento, em apenas cinco anos, significa que as exportações e importações fluiram e tinham custos logísticos suficientemente baixos para se tornarem competitivos e atraentes, respectivamente. Ainda que possam e devam ser menores no futuro.

10. Quando alguém não entende de um assunto mas, ao mesmo tempo, precisa criticar o governo, utiliza o absurdo mecanismo de comparar países. Quem ler todo o PNLT não encontrará isso. Encontrará um estudo de expansão da produção e do consumo e seus respectivos fluxos de cargas e pessoas. É isso que aponta a necessidade da infra-estrutura. Os EUA, a China, a Austrália e o Canadá não têm nada em comum com o Brasil, a não ser que são países de grandes dimensões territoriais. Esse ponto em comum não quer dizer absolutamente nada. A formação econômica foi diferente, o patamar de desenvolvimento, a ocupação e o adensamento demográfico, o clima, a topografia, os tipos de solos, tudo é diferente. E tudo isso, em conjunto, explica as decisões certas e erradas, nos momentos históricos em que foram tomadas, que levaram à rede de infra-estrutura de transportes diferentes. 

11. Como um exemplo disso: quem se der ao trabalho de estudar o PNLT verá que as áreas de produção e de consumo do país estão concentradas. O conjunto dessas áreas de maiores fluxos talvez não chegue a 1/3 da extensão territorial do país. Logo, não há o que comparar com nenhum país. O Brasil só pode ser comparado com ele mesmo: o que foi, o que é e o que pretende ser.

Finalizando, não há o que aproveitar do conteúdo dessa matéria. O PAC não é o que eles pensam e escrevem, os números que eles apresentam não vieram de estudos científicos, não houve e, provavelmente, não haverá "apagão logístico" porque medidas institucionais e investimentos estão sendo realizados pela União, pelos Estados, por Municípios estratégicos e pela iniciativa privada, visando prover a infra-estrutura necessária para o crescimento do país.

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Postado por José Augusto Valente no
Logística e Transportes em 4/17/2009 12:30:00 PM

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