segunda-feira, janeiro 16, 2006
Sobre "A vida íntima do Opus Dei", Revista Época, Edição 400 - 17/01/06, nas bancas e na Internet, em http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1106776-1653,00.html
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'Mídia' minada não é jornalismo: é pura arapuca
De agora até as eleições, os brasileiros teremos de andar todo o tempo em terreno totalmente minado -- sob uma 'mídia' também, correspondentemente, totalmente minada.
Não sei o que haverá oculto -- e que levantou suspeitas em tanta gente -- na matéria publicada em "Época" sobre a Opus Dei. O que sei é que pode ser tudo -- de marketing do "Código da Vinci", o filme, até marketing pró-Serra, na luta de foice contra Alckmin, dentro do PSDB paulista.
Afinal, filme por filme, o mais importante filme em que se denunciam os contatos entre a Igreja Católica e o mundo das finanças-com-bandidagem é "O poderoso Chefão" (sobretudo o "Chefão III"), como se sabe. E, no caso de "Chefão III", não se ouviu nenhuma reação, nem 'de marketing', nem política, nem 'jornalística'... para 'defender' a Igreja contra o gênio total de Coppola e de Al Pacino.
O marketing jornalístico pode muito mas não pode tudo e, no caso de "O poderoso chefão", não haveria marketing jornalístico que desse conta de minar a denúncia que o filme fazia, sobretudo porque foi feita num GRANDE filme, a partir de um GRANDE livro, com um GRANDE ator (de fato, com vários grandes atores), não num filmeco e a partir de um livreco e com um atorzeco. Nesse caso, o marketing jornalístico escondeu-se. Mas "Código da Vinci", o filme, é perfeito para essa marketação-arapuca, em que o 'jornalismo' é usado para criar, para o público, a ilusão de que o público estaria conhecendo os 'meandros' 'verdadeiros' de uma complexa trama política.
O mesmo tipo de engambelação 'marketada' pode estar ativada, também, no modo como a disputa interna, no PSDB paulista, está sendo exposta, pela 'mídia' brasileira minada, aos leitores-eleitores brasileiros e paulistas.
Uma disputa política, entre grupos e interesses políticos, ocultados no PSDB -- e que se manifesta como pura guerra de mata-mata entre aspirantes ao poder político dentro do partido --, pode estar sendo oferecida, na mídia minada, como a falsa disputa entre 'tucanos avançados' (marketados na mídia minada para parecerem representados por Serra) e 'tucanos atrasados' (marketados, na mídia minada para parecerem representados por Alckmin).
A farsa
Aí está uma disputa completamente falsa -- uma total mascarada, uma absoluta farsa -- na qual, aí sim, o marketing tem papel importante. Nesse marketing, afinal, é que o 'jornalismo-de-marketação' pode ser usado com muita eficácia, como instrumento de engambelação do leitor-eleitor. Essa 'mídia' de engambelação do leitor, e usada como ferramenta de marketing político, corresponde, perfeitamente, ao que, aqui, estou chamando de 'mídia' minada.
Por exemplo, e pra destacar apenas duas 'minas' de alto poder destrutivo, das várias que há aí, nessa entrevista-matéria de Época, sobre a Opus Dei alckiminista:
(1) Aí adiante, nesse texto, lê-se: "O encontro, apelidado de ‘Palestra do Morumbi’, reúne um seleto grupo de empresários e profissionais do Direito, entre eles o vice-presidente da Fiesp, João Guilherme Ometo."
Aí está uma informação que parece perfeitamente 'jornalística' e objetivamente clara e correta. Mas a informação tb seria 'jornalística' e tb seria objetivamente clara e correta, se disesse: "O encontro, apelidado de ‘Palestra do Morumbi’, reúne um seleto grupo de empresários e profissionais do Direito, entre eles o usineiro paulista e líder da UDR, João Guilherme Ometo. QUERO DIZER: Onde essa mídia-arapuca, essa mídia minada, diz uma coisa, ela simultaneamente esconde outra e nunca diz, completamente, nem tudo nem, sequer, o mais possível, da informação objetiva que o leitor-eleitor não tem e continua sem ter, mesmo depois de ler "Época".
Glória Pires em "A partilha" [1997]
(2) Aí adiante, nesse texto, lê-se também: "‘A Igreja Católica não é uma democracia’, diz a numerária Maria Lúcia Alckmin."
Aí está uma fala que parece ter só uma e a mesma leitura para todos os democratas, vale dizer: se a Igreja Católica não é uma democracia, então... ela é uma ditadura e todos temos de combater a Igreja Católica, furiosamente. OK. É possível que a Igreja Católica seja exatamente isso, mesmo. Em nenhum caso, contudo, a Igreja Católica, no Brasil, será EXCLUSIVAMENTE só isso. E nem a 'democracia' de que fala a mãe da atendente-chique da Daslu&bandalheira é a única democracia pensável, no mundo; nem para ser a favor dela, nem para ser contra ela.
Prova disso é que a mesma fala apareceu há algum tempo, em outro contexto, e significava exatamente o contrário do que parece estar 'obviamente' dito pela primeira dama paulista da Opus Dei, e que a mídia minada reproduz, sem comentar.
A fala a que me refiro, nesse segundo caso, foi: "Pare com esse besteirol de democracia só pra ouvir "As Frenéticas", nos meus ouvidos! Isso aqui não é uma democracia. Isso aqui é uma família!"
Essa fala aparece, dita pelo personagem de Glória Pires, em "A partilha" (1997), filme adaptado de uma peça de Miguel Falabella (e a mesma fala aparece também na peça). Nesse contexto, a personagem Selma (Glória Pires) é casada com com um militar (Herson Capri) e leva uma vida disciplinadíssima na Tijuca-chata... condenada aos rigores da tal de 'redemocratização' dessossada, assexuada, triste, estéril e esterilizante, dos anos 80. Uma 'redemocratização' de fachada. Assim como se pode dizer que a Constituição de 88 nos deu muito... assim também se pode dizer que a constituição de 88 nos deu, ainda, POUCO.
Selma, em "A partilha", quando fala, reivindica MAIS e MELHOR democracia. Mme. Alckmin reinvindica MENOS e PIOR democracia. E nem Serra, nem Alckmin, nem FHC, até agora, ofereceram qualquer discussão sobre QUE democracia e democracia PARA QUEM, precisamente, interessa mais a cada um deles.
Nessa fala, da personagem Selma, algum Brasil muito vital, ainda, reclama, de fato, e muito, porque só lhe interessa reconstruir uma determinada democracia, mais visceral, mais radical. E, de fato, pouco lhe interessa que haja ou não haja só alguma democracia de fachada, falsa, insuficiente e insatisfatória como o sexo-chato que a personagem conhece, com aquele marido chato, naqueles dias.
Selma, em "A Partilha", reinvindica uma democracia verdadeiramente ampla, visceralmente ampla; e, com essa frase, a personagem RESPONDE -- com uma bela resposta-na-ponta-da-língua -- à tal de redemocratização lenta, gradual e segura... que a ameaçava tanto quanto a ditadura do dia anterior e que, muito provavelmente, ainda nos ameaça até hoje.
Serra, Alckmin, a 'democracia' d'As Frenéticas e a Opus Dei
Pode-se dizer que, seja com Serra seja com Alckmin, de fato, aquela democracia-de-ouvir-rock-das-Frenéticas (e sexo-chato) apenas continuará o seu MESMO processo de construção lenta, gradual e segura, sempre a mesma.
Com Serra, aquela democracia superficial será lenta, gradual e segura, como sempre foi; com Alckmin, aquela mesma democracia superficial será ainda MAIS chata, MAIS lenta, MAIS gradual e MAIS segura; "segura", nos dois casos, exclusivamente para a tucanaria; e seja a tucanaria-uspeana-letrada, seja a tucanaria brucutu; seja à moda FHC-Serra, seja à moda FHC-Alckmin, seja à mida FHC-Bornhausen; não muda nada; são todas idênticas, da mesma raça.
Nesse impasse, que permanece intocado há anos, no Brasil pós-tucanaria, a mídia minada, ainda em 2006, quer induzir o leitor-eleitor a discutir... a Opus Dei (?!) Não. Não dá. É intolerável. Isso é golpe. [Caia Fittipaldi, 15/1/2006]
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