segunda-feira, dezembro 05, 2005


Nas asas da morte

Escândalo dos vôos da CIA revolta europeus


Não é apenas cólera o sentimento que cresce na Europa em torno das possíveis prisões americanas secretas no continente, seqüestros de suspeitos de terrorismo e transferências de prisioneiros realizadas em aviões da CIA.
Também existe um clima crescente de constrangimento, na medida em que aumenta a suspeita de que os EUA tenham operado com o conhecimento ou consentimento de governos locais.
"Alguém estava sabendo de tudo isso", disse Daria Pesce, advogado de um ex-chefe da CIA em Milão, um dos 22 americanos formalmente acusados do seqüestro de um suposto terrorista islâmico que foi levado da Itália para o Egito em 2003. "Não é possível que um americano entre na Itália e seqüestre uma pessoa. Isso parece realmente improvável."
Nas últimas semanas, uma gama de alegações confusas e explosivas vem assumindo o contorno de fatos na consciência da Europa, todas apontando para a preocupação de que os europeus, em grande medida céticos em relação ao esforço dos EUA para prevenir o terrorismo, possam ter se envolvido mais do que imaginavam no projeto, e de várias maneiras.
O furor imediato foi desencadeado por um relatório segundo o qual, desde o 11 de Setembro, a CIA teria criado um sistema de prisões secretas em oito países, incluindo vários na Europa do leste. Desde então surgiram relatos segundo os quais aviões da CIA teriam feito escalas em vários países europeus. Os vôos levantaram a desconfiança de que esses aviões pudessem ter transportado suspeitos para prisões americanas secretas, embora os vôos não provem que tais transferências tenham de fato ocorrido.
Entretanto os temores não se limitam à existência de prisões secretas. A maior pergunta que está no ar diz respeito às chamadas transferências extraordinárias, nas quais suspeitos de terrorismo capturados no exterior são enviados pelos EUA a seus países de origem ou a terceiros países, alguns dos quais possuem histórico de tortura de prisioneiros.
As operações são por sua própria natureza sigilosas, de modo que vem sendo difícil distinguir os fatos das especulações que os cercam. Mas as perguntas vêm sendo movidas por algumas evidências concretas: centenas de vôos registrados de aviões da CIA e pelo menos um seqüestro, o que ocorreu na Itália e que foi documentado com detalhes por promotores. Tudo indica que essa questão dominará a visita da secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, à Europa na próxima semana.
Somando-se ao coro de pedidos de informação vindos de outros países europeus, o chanceler britânico, Jack Straw, enviou uma carta a Rice pedindo esclarecimentos. Escrevendo em nome da União Européia, ele fez perguntas específicas sobre as prisões secretas e sobre os vôos da CIA.
O Departamento de Estado anunciou que vai cooperar com os pedidos de esclarecimentos e afirmou ter agido dentro dos limites das leis internacionais.
A questão é carregada de emoção, em vista do alto nível de indignação na Europa diante de relatos de torturas praticadas por interrogadores americanos sobre prisioneiros no Iraque, em Guantánamo e outros locais. A questão é de suma importância para muitos governos europeus que enfrentam o questionamento intenso de políticos de oposição e grupos de direitos humanos sobre até que ponto tinham conhecimento das ações dos EUA.
"Precisamos de transparência total por parte de nosso governo", disse à rádio BBC na quarta-feira o porta-voz de assuntos externos do Partido Liberal Democrata, Menzies Campbell. "Se é fato que pessoas estão sendo transferidas de uma jurisdição em que a tortura é ilegal para outra em que a tortura é permitida, isso me parece ser totalmente contrário às leis internacionais. Se estamos permitindo que aviões realizem essas transferências, estamos no mínimo facilitando-as e podemos até mesmo estar sendo cúmplices."
Um artigo de 2 de novembro no "Washington Post" sobre um sistema de prisões secretas não identificou os países europeus envolvidos, mas a organização Human Rights Watch declarou que seriam Polônia e Romênia.
Os dois países rejeitaram terminantemente as acusações, e autoridades americanas se negaram a comentar o assunto.
Sobre a questão das transferências extraordinárias, suspeita-se que mais de cem prisioneiros tenham sido transferidos dessa maneira desde setembro de 2001. A transferência de maior destaque da qual se suspeita teria acontecido na Itália. Em 17 de fevereiro de 2003 o suposto terrorista islâmico Hassan Mustafa Osama Nasr desapareceu em Milão e reapareceu mais tarde no Egito, onde afirmou ter sido torturado.
No único caso desse tipo que já entrou para o sistema legal, promotores italianos acusaram 22 agentes americanos do seqüestro. Embora o governo italiano negue ter tido qualquer conhecimento da operação, também vem se negando, até agora, a pedir que os EUA extraditem os suspeitos, fato que levanta a desconfiança, na Itália, de que o governo ou sabia da operação ou a teria aprovado.
"Não vejo por que eles não teriam feito um acordo com nossos serviços secretos para uma ação desse tipo", comentou Giuseppe Cucchi, general três estrelas da reserva, representante militar na Otan e conselheiro da oposição de centro-esquerda italiana. "A condição que muitas vezes é imposta a uma ação desse tipo é que, "se alguma notícia vazar, vamos declarar que não sabíamos de nada"." A imprensa de vários países da Europa vem publicando relatos sobre aviões da CIA fazendo escalas no continente. Uma análise feita para o "New York Times" de 26 aviões operados por empresas ligadas à CIA aponta para 307 vôos na Europa desde setembro de 2001. As informações foram colhidas da Administração Federal de Aviação, da indústria da aviação e de uma rede de observadores de aviões que ajuda ONGs de direitos humanos.
A análise constatou que houve 94 vôos na Alemanha, a maior parte deles dentro da Europa (foi aberto um inquérito na Alemanha para apurar se Omar, o suspeito preso na Itália, foi transferido por um avião que decolou de uma base aérea americana em território alemão). Em seguida vêm o Reino Unido, com 76 vôos, a Irlanda, com 33, Portugal, com 16, e Espanha e República Tcheca, com 15 vôos cada. Mais de meia dúzia de investigações está sendo conduzida para apurar vôos em vários países, além de um inquérito do Conselho da Europa que também abrange a questão das prisões secretas no Leste Europeu. Um representante do conselho disse na quarta-feira que o organismo está analisando vôos de quase 40 aviões que seriam operados pela CIA, mas ele disse acreditar que o número de prisioneiros a bordo desses aviões provavelmente fosse pequeno.

Fonte: New York Times
VERMELHO

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