Ao ler a Carta Capital que está
nas bancas neste sábado sinto-me com a alma lavada. Não só pela capa, brilhante,
que coloca a foto de Robert Civita com o título “Nosso Murdoch (vocês vão ver
logo o porquê), mas pela profundidade e pertinência, pela forma inteligente como
coloca o debate sobre a questão da mídia e do jornalismo no
Brasil.
Começo por uma citação de Lorde Puttnam, membro
do Partido Trabalhista inglês e que foi presidente da comissão do Parlamento que
analisou a Lei de Comunicação de 2003. Não vou transcrever todo o artigo,
publicado originalmente no The Observer, sob o título “Pelo bom jornalismo” ,
que merece ser lido por todos os que têm interesse no fortalecimento da
democracia brasileira.
Lorde Puttnam escreve exatamente sobre como os
políticos transformaram-se em reféns de uma mídia que, praticando um tipo de
jornalismo de esgoto, graças à fragilidade da regulação e à tibieza dos próprios
políticos, acabaram facilitando o trabalho de Murdoch e fortalecendo a
direita.
Dois trechos do artigo de Lord
Puttnam
O primeiro, que situa o problema: “Nos últimos 30
anos o império Murdoch tentou minar e desestabilizar governos eleitos e
reguladores independentes, em nome de uma agenda política que, enquanto se
ocultava por trás da cortina de fumaça da ortodoxia do livre-mercado, não é nada
menos que uma tentativa sofisticada de maximizar o poder e a influência da News
Corporation e sua agenda populista de direita”.
O segundo, onde buscar a solução: “Eu afirmaria
que a lei da concorrência, em um setor ágil como a mídia, deve ser capaz de
levar em conta e fazer julgamentos com base em um domínio do mercado “altamente
provável”, assim como “real”. Isso exige uma clara estrutura regulatória que
incentive e na verdade permita o florescimento da pluralidade da mídia. Não
podemos, por exemplo, legislar pelo bom jornalismo, mas podemos legislar pelas
condições sob as quais o melhor jornalismo é nutrido e sustentado. Podemos criar
estruturas em que cada nova tecnologia se torne um incentivo à diversidade, e
não um instrumento de sua erosão”.
Os esgotos, lá e
aqui
O texto de Lord Puttnam é o coroamento da edição
que Carta Capital faz envolvendo os escândalos da mídia lá e aqui. Lá, o assunto
está em andamento. Não adiantou Murdoch fechar seu jornal de fofocas, o News of
the World. Ele foi obrigado a prestar um depoimento de 10 horas devido ao
chamado inquérito Levenson (utilização ilegal de escutas telefônicas). No
depoimento saíram comprometidas figuras como os ex-secretário de estado para a
Cultura, Jeremy Hunt, o ex-primeiro ministro Tony Blair, assim como os atuais
primeiros ministros da Inglaterra, David Cameron, e da Escócia, Alex Salmond.
Não é pouca coisa!
Aqui, em reportagem de Cynara Menezes, com o
título “Os desinformantes”, explica-se, afinal, por que a capa com Roberto
Civita como o “nosso Murdoch”. A reportagem traz à luz as engrenagens de um
sistema em que a revista de maior circulação do país se prestou a promover os
interesses do bicheiro Carlos Cachoeira. Traz, de forma mais esmiuçada, o que já
mostramos aqui: a troca de telefonemas entre o chefe da sucursal da revista em
Brasília e a turma de Cachoeira; como se montaram reportagens de capa como
aquela de 31 de agosto de 2011 em que se pretendeu juntar minha imagem à de um
mafioso, com minha foto e o título “O poderoso chefão”; a entrevista nas páginas
amarelas com o senador Demóstenes Torres, ação dentro da estratégia de
transformá-lo, quem sabe, em ministro do STF (sic); e como Cachoeira era
transformado pela revista em um verdadeiro pauteiro e editor: além de indicar os
conteúdos de notas e reportagens, era consultado também sobre onde deveriam ser
publicadas, se na coluna Radar, ou então na Veja.online ou, quem sabe e outro
espaço mais ‘nobre’...
Um ‘olho’ revelador
Ao lado da reprodução da capa com minha foto e da
abertura da entrevista de Demóstenes Torres, a edição de Carta Capital traz o
seguinte ‘olho’: “Denúncias sem sustentação serviram para acuar os adversários
do esquema criminoso”.
A frase em destaque explica minha alma lavada.
Até agora nenhuma publicação jornalística havia feito a relação. Para mim, que
tenho uma história de militância política de esquerda, que tenho uma vida
pública e um patrimônio moral a defender – minha própria vida –, é importante
que a verdade apareça no ambiente do jornalismo, que tem suas técnicas e sua
ética própria, que só pode prestar o serviço à sociedade quando exercita a busca
pela verdade.
Veja, um caso sério. Mas não
único
Complementa o foco da edição de Carta Capital nos
problemas da mídia e do jornalismo brasileiros os textos do editor especial da
revista publicado sob o título “Veja, um caso sério”,
e o editorial de Mino Carta, que pergunta: “Por que a mídia nativa fecha-se em
copas diante das relações entre Carlinhos Cachoeira e a revista Veja?”
(leia a íntegra)
O próprio Mino responde: porque o jornalismo
brasileiro sempre serviu à casa-grande, mesmo porque seus donos moravam e moram
nela. Quanto a isso, ninguém precisa se perder em explicações mais
detalhadas.
Mas até quando continuará assim? Os parlamentares
que integram a CPMI podem ajudar a jogar luz nos mecanismos de como a mídia e a
direita (que, não por acaso, se confunde com os moradores da casa grande) se
servem do mau jornalismo para esconder a verdade. E podem começar convocando a
direção da Veja para explicar como foi armado o conluio com a turma de Carlos
Cachoeira. Será um bom começo para se pensar sobre o que e como fazer para, a
exemplo do que diz Lorde Puttnam na Grã Bretanha, criar por aqui também “uma
clara estrutura regulatória que incentive e na verdade permita o florescimento
da pluralidade da mídia”.