sexta-feira, março 02, 2012

A China que trate de não contar com a simpatia do ocidente

29/2/2012, Yuan Hui, Global Times, Pequim
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

*Yuan Hu é pós-graduado em Filosofia na Universidade de Tübingen, Alemanha
Aos olhos ocidentais, os chineses não são suficientemente abertos para a história. Morei na Alemanha por vários anos e sei, por experiência direta, que os alemães são perfeitamente bem informados sobre as atrocidades que os japoneses cometeram contra a China nos anos 1930s e 1940s. Mesmo assim, não entendem por que a opinião pública chinesa ainda dá sinais de revolta contra eventos que vitimaram seus avôs e bisavôs.
É compreensível. Afinal, o perdão é ensinado como virtude no Cristianismo e no Confucionismo. A II Guerra Mundial acabou há décadas, e muitos jovens alemães já começam a protestar contra o tempo, que consideram excessivo, que seus livros de história dedicam aos nazistas.
Comparados aos alemães, os japoneses são bem menos autocríticos. Para aspirar ao perdão histórico, é indispensável que os perpetradores de atrocidades mergulhem fundo na autorreflexão. Se, digamos, o prefeito de Stuttgart questionar publicamente a existência de Auschwitz em reunião com visitantes israelenses, em pouco tempo estará desempregado, com a sanidade mental posta sob suspeita. No Japão, o prefeito de Nagoya, Takashi Kawamura[1] , continua prefeito e ninguém o declarou insano, apesar de Kawamura ter negado o Massacre de Nanquim [2].
Alemães e outros ocidentais conhecem bem os eventos do Massacre de Nanquim, quando centenas de milhares de civis chineses foram assassinados e houve atos de estupro em massa. Livros como The Rape of Nanking [O estupro de Nanquim], de Iris Chang; filmes como John Rabe [3] e documentários como Horror in the East [4], de Laurence Rees, foram lidos e assistidos por milhões, nos EUA e na Europa.
Mas mesmo os alemães que conhecem bastante bem a história do Leste da Ásia não entendem os motivos pelos quais os chineses continuam indignados com o que os japoneses fizeram contra a China. Argumentam que, embora para os chineses a autocrítica dos japoneses sobre o que fizeram à China seja confusa e insuficiente, a maioria do público japonês mobilizou corações e mentes e refletiu sobre a guerra contra a China; por isso, palavras ditas ao vento por um ou outro político japonês de modo algum manifestariam o sentimento de todos os japoneses.
Aos olhos dos alemães, os conflitos entre Japão e China estão mais próximos de desentendimentos culturais: os japoneses valorizariam muito a contenção e a impassibilidade de rostos e gestos; enquanto os chineses dariam mais importância às emoções. Muitos alemães dizem que os chineses, quando conseguirem acalmar-se, entenderão que não há ‘o certo’ e ‘o errado’ absolutos e imutáveis; e porão de lado as emoções. Muitos acreditam que os chineses devem aprender a compreender o modo de pensar dos japoneses; para evitar que se repitam e perpetuem-se os mal-entendidos.
Devo dizer que todos os que assim argumentam continuam a ver o mundo pelos olhos dos japoneses. Da perspectiva dos chineses, é muito difícil esquecer os horrores históricos, mas também e sobretudo é difícil compreender algumas emoções que prevalecem hoje na sociedade japonesa. Por que políticos que dizem o que dizem não são criticados pela sociedade? Por essas e outras, boas razões têm os chineses para não aceitar como profunda e sincera a autocrítica dos japoneses. Nação que autenticamente se tivesse arrependido de feitos passados, não admitiria que o passado fosse negado, sequer em nome de apagar os próprios crimes históricos, e mesmo que a negação viesse apenas de alguns poucos.
Muito frequentemente os chineses perguntam-se: por que o ocidente não conhece aquele horrendo capítulo da história humana? É um falso problema. O ocidente sabe de tudo aquilo; apenas não dá àqueles fatos a mesma importância que os chineses lhes damos. Por mais que eventualmente se interesse pelo Massacre de Nanquin, o ocidente, tendo de escolher entre (i) os japoneses que tanto falam das muitas desculpas que pediram ao longo dos anos, e (ii) os chineses, para os quais aquelas desculpas “não são sinceras”, o ocidente escolhe compreender os sentimentos japoneses, não a indignação dos chineses.
Não que os observadores ocidentais não sejam simpáticos à China. Mas sempre que investem suas simpatias, as escolhas ocidentais são afetadas pelo que os mais firmes aliados do ocidente sintam, pensem ou digam, nos campos cultural e político. Na literatura e no cinema ocidentais há muitíssimos livros e filmes sobre a tragédia histórica de 6 milhões de judeus europeus mortos no Holocausto; mas as dezenas de milhões de soviéticos ou de europeus do leste, vítimas também dos nazistas, recebem divulgação sempre muito mais modesta.
Também aos chineses acontece de mudarem de perspectiva conforme o povo que tenha sido massacrado. Algum chinês algum dia realmente se preocupou com os milhões de nativos norte-americanos massacrados no percurso dos europeus que conquistavam o Novo Mundo? Ou com os milhões de africanos arrancados da África e vendidos como escravos na América?
Por tudo isso, por que seria indispensável que os ocidentais se preocupassem com chineses massacrados? Observadores externos sempre ouvem os poderosos, quando manifestam e empenham suas solidariedades; e sempre ignoram o medo e a ira dos fracos. Os chineses devem, isso sim, considerar a história.
Há muita estrada a percorrer, antes que a justiça e a consciência globais aprendam a prestar atenção a todas as vítimas em todos os casos, não apenas a algumas das vítimas, e, entre as vítimas sempre mais prestigiadas, muito mais a algumas, que a outras.

Notas dos tradutores
[1] Dia 20/2/2012, Takashi Kawamura, em solenidade na qual recebia uma delegação oficial da China, disse que “o chamado Massacre de Nanquim provavelmente nunca aconteceu”. A delegação chinesa retirou-se do evento e no dia seguinte, 21/2, os chineses suspenderam formalmente os contatos oficiais entre Nagoya e Nanquim [Leia mais sobre o incidente] .
[2] “O Massacre de Nanquim (Nanjing, em chinês) foi um crime de guerra genocida cometido pelo exército imperial japonês em Nanquim, então capital da República da China, após a cidade ter sucumbido ao ataque japonês no dia 13/12/1937. Não há consenso sobre a duração do massacre, embora a violência tenha perdurado por seis semanas, até o início de fevereiro de 1938. Durante a ocupação de Nanquim o exército japonês cometeu numerosas atrocidades, como estupros, saques, incêndios criminosos e a execução tanto de prisioneiros de guerra quanto de civis. (...)
Em janeiro de 1938, Harold Timperly, jornalista ocidental que estava na China durante a invasão japonesa e baseada em relatórios de testemunhas contemporâneas, noticiou que o número de mortos chegava a 300 mil (...). Em 12/12/2007, documentos recém-liberados pelo governo americano revelaram uma contagem adicional de cerca de 500 mil mortos pelos japoneses, ao redor de Nanquim, antes da ocupação. (...) As informações sobre a duração do massacre de Nanquim diferem, mas, de acordo com relatos de sobreviventes, documentários e manuais de escolas públicas chinesas, acredita-se que tenha durado cerca de dois meses, de dezembro de 1937 a fevereiro de 1938. (...) Os motivos que teriam levado os japoneses aquele nível de violência nunca foram esclarecidos ou questionados por autoridades internacionais – o que tem provocado instabilidade em relações diplomáticas entre os países da Ásia.
[3] John Rabe, filme de 2009 - “Tendo vivido 28 anos em Nanquim, trabalhando na construção e depois na administração de uma gigantesca fábrica da Siemens, em Nanquim, John Rabe, engenheiro alemão, recebe ordens do novo regime nazista para fechar a fábrica. Antes de poder cumprir a ordem, o exército japonês, liderado não oficialmente por um tio do imperador, excepcionalmente violento e sanguinário, sitiou a cidade. Na qualidade de destacado representante na cidade de um dos principais aliados europeus do Japão, Rabe aceita a tarefa de chefiar a organização de uma zona internacional na cidade, como fora feito, com sucesso em Xangai. Mas o projeto pessoal de Rabe é usar todos os meios ao seu alcance para salvar os operários com os quais trabalhava e respectivas famílias (no total, mais de 200 mil chineses) e, para isso, sacrifica seus interesses pessoais”.
[4]Horror in the East, documentário da BBC, de 2000, escrito e produzido por Laurence Rees.
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