Digam os chineses o que disserem sobre 2012 ser ano do dragão, será, mesmo, o ano dos Talibã, no que tenha a ver com os EUA.
O Ano Novo começou com excitante ‘vazamento’ ‘vazado’ por altos funcionários dos EUA em Washington, segundo o qual o governo Barack Obama estaria analisando a possibilidade de entregar à custódia dos afegãos um alto comandante Talibã – Mulá Mohammed Fazl, mantido prisioneiro há nove anos na prisão norte-americana na baía de Guantánamo, Cuba.
Os funcionários disseram que Fazl pode ser libertado (ou transferido para o Qatar), para atender a pedido já antigo de Kabul e como medida para “construir confiança”, que mostraria aos Talibã que os EUA estariam seriamente interessados em ‘engajá-los’.
De fato, o governo Obama mal consegue esperar para ‘engajá-los’. Só restam quatro meses antes da reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Chicago, evento previsto para marcar a liderança de Obama sobre a Aliança ocidental – e mostrar que Obama lidera no front –, integrado, o evento, à campanha eleitoral presidencial nos EUA, de resultado, até agora, imprevisível. Supõe-se que encontro consiga dirigir a atenção do mundo para a situação no Afeganistão.
Com os europeus tomados de profunda angústia existencial, dada a grave crise econômica, Obama terá de usar todo seu charme sobre os colegas da OTAN, para que não o deixem encurralado no Afeganistão. Para isso, terá de convencê-los de que os está liderando rumo à saída daquele túnel escuro. O encontro de Chicago de modo algum pode fracassar como fracassaram os dois eventos preparatórios – em Istambul, dia 2/11; e a Conferência Bonn II, dia 2/12.
Mas a coisa, na região em torno do Afeganistão, está cada dia mais feia. Moscou acertou direto devastador no plexo do jogo traçado pelos EUA e pelo secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen, que haviam idealizado, em termos táticos, fazer da Ásia Central um quintal para operações no Afeganistão, no caso de as relações EUA-Paquistão deteriorarem de vez; e, em termos estratégicos, fazer da Região uma plataforma de lançamento do grande jogo rumo à Rússia, China e Irã.
Num importante movimento no jogo geopolítico, a reunião da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) [ing. Collective Security Treaty Organization (CSTO)] em Moscou, dia 20/12, decidiu que, para que se instalem bases militares estrangeiras no território da OTSC, passa a ser indispensável a aprovação por todos os estados-membros da Aliança liderada por Moscou (Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão). O presidente Nurusultan Nazarbayev do Cazaquistão anunciou, em tom sério:
O Ano Novo começou com excitante ‘vazamento’ ‘vazado’ por altos funcionários dos EUA em Washington, segundo o qual o governo Barack Obama estaria analisando a possibilidade de entregar à custódia dos afegãos um alto comandante Talibã – Mulá Mohammed Fazl, mantido prisioneiro há nove anos na prisão norte-americana na baía de Guantánamo, Cuba.
Os funcionários disseram que Fazl pode ser libertado (ou transferido para o Qatar), para atender a pedido já antigo de Kabul e como medida para “construir confiança”, que mostraria aos Talibã que os EUA estariam seriamente interessados em ‘engajá-los’.
De fato, o governo Obama mal consegue esperar para ‘engajá-los’. Só restam quatro meses antes da reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Chicago, evento previsto para marcar a liderança de Obama sobre a Aliança ocidental – e mostrar que Obama lidera no front –, integrado, o evento, à campanha eleitoral presidencial nos EUA, de resultado, até agora, imprevisível. Supõe-se que encontro consiga dirigir a atenção do mundo para a situação no Afeganistão.
Com os europeus tomados de profunda angústia existencial, dada a grave crise econômica, Obama terá de usar todo seu charme sobre os colegas da OTAN, para que não o deixem encurralado no Afeganistão. Para isso, terá de convencê-los de que os está liderando rumo à saída daquele túnel escuro. O encontro de Chicago de modo algum pode fracassar como fracassaram os dois eventos preparatórios – em Istambul, dia 2/11; e a Conferência Bonn II, dia 2/12.
Mas a coisa, na região em torno do Afeganistão, está cada dia mais feia. Moscou acertou direto devastador no plexo do jogo traçado pelos EUA e pelo secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen, que haviam idealizado, em termos táticos, fazer da Ásia Central um quintal para operações no Afeganistão, no caso de as relações EUA-Paquistão deteriorarem de vez; e, em termos estratégicos, fazer da Região uma plataforma de lançamento do grande jogo rumo à Rússia, China e Irã.
Num importante movimento no jogo geopolítico, a reunião da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) [ing. Collective Security Treaty Organization (CSTO)] em Moscou, dia 20/12, decidiu que, para que se instalem bases militares estrangeiras no território da OTSC, passa a ser indispensável a aprovação por todos os estados-membros da Aliança liderada por Moscou (Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão). O presidente Nurusultan Nazarbayev do Cazaquistão anunciou, em tom sério:
“O mais importante resultado de nossa reunião foi um acordo firmado sobre a coordenação das instalações de infraestrutura militar de estados não membros da OTSC em território de estados membros da OTSC. A partir de agora, para que um terceiro país instale base militar em território de estados-membros da OTSC, terá de obter aprovação oficial de todos os estados membros da OTSC. Parece-me que temos aí sinal claro da unidade da Organização e da absoluta lealdade de todos os membros às relações aliadas.”
A última frase pinga de ironia, porque o governo Obama acaba de anunciar que oferecerá assistência militar ao Uzbequistão, reviravolta política que não esconde a tentativa de capturar aquele país chave na Ásia Central, para minar a unidade da OTSC. Para grande frustração de Washington, o presidente Islam Karimov do Uzbequistão não apenas esteve presente à reunião da OTSC em Moscou, como discursou e expôs com clareza seu apoio à decisão da Aliança de Moscou.
Com isso, Moscou começa a sugerir, na direção de Washington, que o monopólio dos EUA na resolução dos conflitos no Afeganistão tem de acabar.
Os EUA podem, se quiserem, tentar reconquistar as simpatias do Paquistão, para convencer Islamabad a reabrir as rotas de trânsito que permanecem fechadas já há um mês; podem também, se preferirem, voltar a usar a Rede Norte de Abastecimento, como rota de retirada de soldados, equipamentos e armas da OTAN, quando a retirada ganhar urgência, ao longo de 2012.
A decisão da OTSC pende como espada de Dâmocles sobre as bases militares norte-americanas em Manas, próxima de Bishkek, capital do Quirguistão – e centro radial estratégico para o transporte aéreo.
Não há até aqui qualquer sinal de que Rússia e Paquistão tenham começado a trabalhar juntas – mas, na declaração em que apresentou as prioridades da política externa russa para 2012, o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, sim, reservou situação à parte, para o Paquistão.
Mas, seguindo o voo do corvo...
Nesse quadro, a possível libertação de Fazl deve ser vista como jogada esperta, com a qual Washington tenta fazer explodir toda aquela crescente unidade regional em torno do Afeganistão. O plano do governo Obama é soltar uma raposa, dentro do galinheiro.
Fazl é dos mais experientes comandantes Talibã, esteve ao lado de Mullah Omar praticamente desde o primeiro dia e tem homens seus nas posições chaves do exército dos Talibã. É um dos favoritos de Mullah Omar e dos serviços secretos do Paquistão [orig. Inter-Services Intelligence (ISI)], e sua ‘volta ao lar’ encheria todos esses de satisfação.
Mas, por outro lado, Fazl é também responsável pelo massacre de milhares de xiitas hazaras nos anos 1998-2001; e há fortes indícios de que seja também responsável pela execução de oito diplomatas iranianos em Mazer-i-Sharif, no norte do Afeganistão.
Fazl provoca reações viscerais de ódio entre os iranianos e pode facilmente gerar mal-entendidos nas relações Paquistão-Irã (que têm melhorado nos últimos anos) o que geraria grave dilema para Islamabad, nas relações com Mullah Omar.
Fazl também é personalidade conhecida na Ásia Central e dos russos, porque atuava como homem dos Talibã nos contatos com a al-Qaeda e seus grupos afiliados na região, como o Movimento Islâmico do Uzbequistão [orig. Islamic Movement of Uzbekistan (IMU)] e os rebeldes chechenos. Fazl comandou também a região estratégica de Kunduz, na fronteira do “soft underbelly” da Ásia Central, onde mantinha sua base com o chefe Juma Namangani, do Movimento Islâmico do Uzbequistão, ao tempo da intervenção norte-americana, em outubro de 2011.
Fazl é homem da era “pré-Haqqani”. A rede Haqqani – elemento chave da guerrilha comandada pelos Talibã a partir das áreas tribais do Paquistão – aceitará a autoridade de Fazl, decorrência de seus muitos serviços prestados, e abrirá mão da própria autoridade hoje, cedendo o comando a ele? O Paquistão talvez se veja forçado a definir prioridades entre seus “ativos estratégicos”. Nesse quadro, todos se movimentam sobre terreno minado.
E entra em cena o Qatar, que a cada diz mais emerge como o mais próximo aliado dos EUA no Oriente Médio, comparável, só, a Israel. O governo Obama está impressionado pela habilidade que o Qatar demonstrou em teatros tão diversos como Líbia, Egito e Síria, nos contatos com a Fraternidade Muçulmana e outros grupos islamistas aparentemente intratáveis, e com o quanto o Qatar ajudou os EUA a empurrar-se para “o lado certo da história” no Oriente Médio.
O governo Obama está otimista ante a possibilidade de entregar Fazl aos cuidados do Qatar, e espera vê-lo reciclado como político islâmico para tempos democráticos.
Fazl tem as credenciais necessárias para trazer para bordo Mullah Omar, e iniciar conversações formais de paz. Fazl tem credibilidade aos olhos das milícias Talibã e elas se inclinariam na direção de estimular uma reencarnação de Fazl. Seus laços com forças islamistas no Paquistão e com o ISI seriam úteis canais de comunicação com Islamabad, que seria pressionada a cooperar em conversações de paz lideradas pelos EUA, ou, no mínimo, a não boicotá-las.
De fato, Fazl é o antídoto perfeito contra a influência do Irã no Afeganistão. Se o Qatar acertar-se com Fazl, ele passará a ser o parceiro certo para Washington no grande jogo, se a Primavera Árabe aparecer pela Ásia Central, com perspectivas de mudança de regime e o surgimento de “democracias islâmicas” nas estepes. É razoável esperar que Fazl consiga persuadir os Talibã a não fazer muito alarido contra os planos dos EUA de estabelecer bases militares no Afeganistão.
Mas... o plano funcionará? O Paquistão parece já ter usado o primeiro tiro dos fogos de artifício do Ano Novo para demolir o plano dos EUA, quando o porta-voz do ministro das Relações Exteriores, Abdul Basit, disse em Islamabad na 2ª-feira:
É impossível qualquer segurança e estabilidade estáveis no Afeganistão sem o Irã. Para estabelecer segurança e revigorar o Afeganistão, é indispensável dar a devida atenção ao Irã e confiar no Irã, porque é impossível investir em qualquer tendência de paz e estabelecer segurança e estabilidade estáveis é impossível sem a parceria com o Irã.
Basit falava ao som ainda dos ecos do disparo do míssil cruzador iraniano que leva o feroz nome de Qader (Potência, ‘o Todo Poderoso’) disparado de local secreto, e que demonstra, acima de qualquer dúvida, que Teerã pode, se quiser, bloquear o estratégico Estreito de Hormuz.
Diplomata consumado, Basit com certeza sabe que Doha, capital do Qatar, está a apenas 547 km de distância, seguindo o voo do corvo, a partir do Estreito de Hormuz. Em Doha, Fazl não estaria em segurança.