sexta-feira, maio 13, 2011

São Paulo vai se aprimorando na arquitetura e no urbanismo da exclusão


Metrô de Higienópolis: São Paulo continua um burgo murado
Higienópolis não vai ter mais estação de metrô. Após pressão de moradores e empresários do bairro chique da capital paulista, o governo estadual desistiu de construir uma estação de metrô na avenida Angélica – a principal artéria da região. “Prevaleceu o bom senso”, afirmou fofamente o presidente da Associação Defenda Higienópolis, o empresário Pedro Ivanow. A estação integraria a linha 6, que deve ir de Brasilândia ao Centro (deve, porque em se tratando do metrô de São Paulo, tudo é ficção até que a inauguração prove o contrário). De acordo com o UOL Notícias, alguns moradores alegam que o metrô aumentaria o “número de ocorrências indesejáveis” e a área se tornaria “um camelódromo”. Lugar de gente fedida que atazana a vida da gente de bem.
O caso provocou uma onda de reações na internet contra a decisão do governo do Estado de privilegiar uma minoria em detrimento à execução de uma política pública de transporte que beneficiaria milhares de trabalhadores. As manifestações incluem até um churrascão, convocado pelo Facebook, a ser “realizado” na manhã deste sábado (14), em frente ao Shopping Higienópolis para comemorar a decisão bisonha.
Esse tipo de preconceito não é monopólio nosso. Por exemplo, o bairro de Georgetown, localizado em Washington DC, capital dos Estados Unidos, não tem estação de metrô. A despeito de supostas dificuldades técnicas para levar o trem subterrâneo até a endinheirada localidade, onde se encontram lojas de grife e restaurantes famosos, os moradores de lá – como os de Higienópolis – também pressionaram contra a abertura de uma estação. Quem quiser chegar tem que ir por cima ou andar mais de 1,5 quilômetro da estação de metrô mais próxima.
Mas São Paulo vai se aprimorando na arquitetura e no urbanismo da exclusão. O tema não é exatamente novo e ocupou espaço na mídia, por exemplo, quando o ex-prefeito José Serra resolveu implantar no complexo viário da avenida Paulista as chamadas rampas antimendigo, grandes blocos de concreto que impedem o povo de rua de montar sua casinha imaginária para se proteger do tempo e do mundo. E proteger, dessa forma, a gente de bem que estaria sendo assaltada durante as longas pausas dos congestionamentos. A mudança no traçado do metrô teve o objetivo claro de excluir, mais do que aproximar, alimentando mais ainda a ignorância que gera a intolerância, o medo e as cercas eletrificadas que circundam casas e apartamentos de luxo.
Logo após a fundação da vila de São Paulo de Piratininga, José de Anchieta, com a ajuda de índios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mantê-la “segura de todo o embate”, como descreveu o próprio jesuíta. Os indesejados eram índios carijós e tupis, entre outros, que não haviam se convertido à fé cristã e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invasão de 10 de julho de 1562.
Ao longo dos anos, a vila se expandiu para além da cerca de barro, que caiu de velha. Vieram os bandeirantes – hoje considerados heróis paulistas -, que caçaram, mataram e escravizaram milhares de índios sertão adentro. Da África foram trazidos negros, que tiveram de suportar árduos trabalhos nas fazendas do interior ou o açoite de comerciantes e artesãos na capital. No início do século 19, a cidade tornou-se reduto de estudantes de direito, que fizeram poemas sobre a morte e discursos pela liberdade. Depois cheirou a café torrado e a fumaça de chaminé, odores misturados ao suor de imigrantes, camponeses e operários. Mas, apesar da frenética transformação do pequeno burgo quinhentista em uma das maiores e mais populosas metrópoles do mundo, centro financeiro e comercial da América do Sul, o muro ainda existe, agora invisível. E, 457 anos após a fundação de São Paulo, esse mesmo muro impede o acesso dos excluídos ao centro do burgo paulistano. Mesmo que seja apenas para trabalhar para os mesmos senhores que negam a eles o mais básico dos direitos: o direito à livre locomoção.
O muro não é mais feito de taipa, mas de abaixo-assinados que votam por manter o bairro nobre supostamente protegido contra os seres de fora (que devem existir para servir e não para ter liberdade para irem onde quiserem na hora que quiserem). E de políticos que existem para cumprir os desejos de determinadas classes sociais a que eles pertencem ou que financiam suas campanhas.
Tolos. Mal sabem que o futuro de todos na cidade está profundamente conectado. No final, a urbe vai ser para todo mundo – ou não será de ninguém.