Escritor brasileiro narra 'dia mais tenso' dos protestos no Egito
Mamede Jarouche narra frustração da população local com “papo furado” de Mubarak de que deixará o poder após as eleições
Publicado em 02/02/2011, 18:35
Última atualização em 03/02/2011, 17:25
Estrangeiros têm dificuldades para deixar o país; Mamede Jarouche conta como está o clima em Cairo (Foto: Supri/Reuters)
São Paulo – O escritor brasileiro Mamede Jarouche conta que esta quarta-feira (2) foi o dia mais tenso desde que começaram as mobilizações populares no Egito. A ação violenta de manifestantes favoráveis ao ditador Hosni Mubarak pela manhã e a presença de policiais hostis nas ruas fez pesar o clima na capital Cairo.
Responsável pela primeira tradução ao português, diretamente do árabe, do Livro das mil e uma noites, ele chegou ao Egito no dia 22 de janeiro, véspera do início dos protestos contra Mubarak. Desde então, o movimento cresceu e culminou, na terça-feira (1º), em atos que reuniram centenas de milhares de pessoas em todo o país.
A afirmação do ditador de que vai deixar o poder após as eleições de setembro criou um clima de frustração entre a população, que esperava a renúncia imediata, conta Jarouche em entrevista por telefone à Rede Brasil Atual. Por outro lado, não é total a confiança em torno do líder oposicionista Mohammed ElBaradei, que se ofereceu para conduzir o país até a escolha de um novo presidente.
Rede Brasil Atual - Como está o clima?
Mamede Jarouche - Hoje (quarta-feira 2), do meu ponto de vista, foi o pior dia. Ontem (terça-feira 1º), as coisas estavam relativamente tranquilas. Tinha mais coisas abertas. Hoje, a polícia está aí para reprimir, está horrível.
Ontem, acompanhei o pronunciamento do presidente sem nenhum problema, num café. Claro que o pronunciamento em si causou revolta porque se esperava a renúncia do presidente. Mas hoje é mais tenso, teve enfrentamento de manhã, estão agredindo os garotos que organizam as manifestações com esse pessoal contratado pelo governo, entrou em ação a cavalaria, ou melhor, a camelaria, é uma coisa horrorosa.
RBA - O discurso de ontem, então, frustrou expectativas?
Mamede Jarouche - Totalmente. O mínimo que se esperava dele (Mubarak) era renúncia. Tinha gente que gostaria que ele se matasse em pleno ar. Essa história de ficar no poder até setembro é papo furado, se acalmar a coisa ele volta a planejar a continuidade.
RBA - O que o senhor acha que motivou essa onda de movimentações populares?
Mamede Jarouche - A situação social e econômica está em degradação contínua. Venho ao país há dez anos e só vejo as coisas caminhando para trás. Por mais passivo e pacífico que seja o povo do Egito, chega uma hora em que se precisa ter reação. É isso que as pessoas estão tentando fazer. A reivindicação básica é democracia: alternância de poder, um parlamento livre e democraticamente eleito.
RBA - A mediação de ElBaradei é aceita pela população?
Mamede Jarouche - Não por todo mundo. Ele não é essa unanimidade toda. Tem muita gente que não aceita a liderança dele, que acha que outros fariam melhor, mas é um interlocutor. Ontem, foi contatado pela embaixada dos Estados Unidos e, hipocritamente, foi explorado pelos canais de televisão do governo com a intenção de mostrar as relações dele, como se os Estados Unidos não estivessem o tempo todo mandando em Mubarak.
RBA - Como os egípcios veem a interferência dos Estados Unidos na vida política?
Mamede Jarouche - Com hostilidade. E com inconformismo ao mesmo tempo. É aquela coisa, certos cálices a gente bebe com desgosto.
RBA - De toda maneira, apesar da tensão, é um momento de renovação de esperanças?
Mamede Jarouche - Acho que é um momento de esperança, sim, mas também há muito medo, frustração. Imagine só. Eu, que sou estrangeiro, ontem, me senti extremamente frustrado e abatido com o discurso de Mubarak. Aquilo me abateu. Esperava que ele renunciasse. Claro que isso leva a uma revolta muito grande.
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/internacional/2011/02/escritor-brasileiro-descreve-dia-mais-tenso-dos-protestos-no-egito
Responsável pela primeira tradução ao português, diretamente do árabe, do Livro das mil e uma noites, ele chegou ao Egito no dia 22 de janeiro, véspera do início dos protestos contra Mubarak. Desde então, o movimento cresceu e culminou, na terça-feira (1º), em atos que reuniram centenas de milhares de pessoas em todo o país.
A afirmação do ditador de que vai deixar o poder após as eleições de setembro criou um clima de frustração entre a população, que esperava a renúncia imediata, conta Jarouche em entrevista por telefone à Rede Brasil Atual. Por outro lado, não é total a confiança em torno do líder oposicionista Mohammed ElBaradei, que se ofereceu para conduzir o país até a escolha de um novo presidente.
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Com o clima tenso desta quarta, o escritor preferiu não deixar o apartamento em que está, no oitavo andar de um prédio em que o elevador quebrou há alguns dias, e passou o dia sem se alimentar. Mesmo que quisesse correr o risco de ir à rua, conta, dificilmente encontraria algo aberto, já que a maior parte das pessoas preferiu não se expor.Rede Brasil Atual - Como está o clima?
Mamede Jarouche - Hoje (quarta-feira 2), do meu ponto de vista, foi o pior dia. Ontem (terça-feira 1º), as coisas estavam relativamente tranquilas. Tinha mais coisas abertas. Hoje, a polícia está aí para reprimir, está horrível.
Ontem, acompanhei o pronunciamento do presidente sem nenhum problema, num café. Claro que o pronunciamento em si causou revolta porque se esperava a renúncia do presidente. Mas hoje é mais tenso, teve enfrentamento de manhã, estão agredindo os garotos que organizam as manifestações com esse pessoal contratado pelo governo, entrou em ação a cavalaria, ou melhor, a camelaria, é uma coisa horrorosa.
RBA - O discurso de ontem, então, frustrou expectativas?
Mamede Jarouche - Totalmente. O mínimo que se esperava dele (Mubarak) era renúncia. Tinha gente que gostaria que ele se matasse em pleno ar. Essa história de ficar no poder até setembro é papo furado, se acalmar a coisa ele volta a planejar a continuidade.
RBA - O que o senhor acha que motivou essa onda de movimentações populares?
Mamede Jarouche - A situação social e econômica está em degradação contínua. Venho ao país há dez anos e só vejo as coisas caminhando para trás. Por mais passivo e pacífico que seja o povo do Egito, chega uma hora em que se precisa ter reação. É isso que as pessoas estão tentando fazer. A reivindicação básica é democracia: alternância de poder, um parlamento livre e democraticamente eleito.
RBA - A mediação de ElBaradei é aceita pela população?
Mamede Jarouche - Não por todo mundo. Ele não é essa unanimidade toda. Tem muita gente que não aceita a liderança dele, que acha que outros fariam melhor, mas é um interlocutor. Ontem, foi contatado pela embaixada dos Estados Unidos e, hipocritamente, foi explorado pelos canais de televisão do governo com a intenção de mostrar as relações dele, como se os Estados Unidos não estivessem o tempo todo mandando em Mubarak.
RBA - Como os egípcios veem a interferência dos Estados Unidos na vida política?
Mamede Jarouche - Com hostilidade. E com inconformismo ao mesmo tempo. É aquela coisa, certos cálices a gente bebe com desgosto.
RBA - De toda maneira, apesar da tensão, é um momento de renovação de esperanças?
Mamede Jarouche - Acho que é um momento de esperança, sim, mas também há muito medo, frustração. Imagine só. Eu, que sou estrangeiro, ontem, me senti extremamente frustrado e abatido com o discurso de Mubarak. Aquilo me abateu. Esperava que ele renunciasse. Claro que isso leva a uma revolta muito grande.
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/internacional/2011/02/escritor-brasileiro-descreve-dia-mais-tenso-dos-protestos-no-egito