RIO DE JANEIRO:
MAIS UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA
Neste final de semana um amigo de Blumenau relatou que, enfim, começaram a ser construídas as casas para os desabrigados atingidos pelos desmoronamentos que em novembro do ano retrasado vitimou centenas de famílias daquela cidade e de outros municípios das imediações.
Quando o governo federal anunciou a verba a ser destinada para a reconstrução da vida destas vítimas, distribui pela internet um texto intitulado “De Olho na Tragédia”, alertando para a possibilidade de desvios das vultosas somas prometidas não apenas pelo governo brasileiro, mas também pelo da Arábia Saudita e o da Alemanha.
Pouco depois alguns telejornais divulgaram flagrantes de soldados e servidores públicos desviando objetos das doações que chegavam de todo o país, como se fosse o que de mais vergonhoso poderia acontecer. Meros assalariados seguindo, em escala ínfima, o exemplo de seus superiores na hierarquia social e corporativa, estes, sim, responsáveis por roubos e desvios de muito maior monta e total impunidade, a exemplo dos que comentei naquele texto e que presenciei em ocorrências similares de outras cidades.
Mas sobre esses, os meios de comunicação nada comentam porque sempre foram os grandes responsáveis por suas existências. Sempre aliados e beneficiados por grande parte das verbas destinadas a organismos que, ao longo de tantos anos de existência, se demonstraram úteis a promoção de fortunas, mas inúteis aos que anunciavam atender.
Quantos anos e quantas verbas foram enviadas à SUDENE, por exemplo? E por quantos anos os nordestinos se viram obrigados a emigrar em busca de sobrevivência nos conglomerados urbanos do que Henfil chamava de Sul Maravilha?
O sul e sudeste do Brasil foram construídos por gerações destes exércitos de mão de obra barata. E os meios de comunicação a enaltecer pontes, espigões e buracos, como obra de governos que jamais se preocuparam em como alojar aquelas massas de trabalhadores relegadas aos riscos das únicas áreas que restavam isentas aos interesses dos ricos.
Em 1980, durante o Seminário Indigenista do Mato Grosso do Sul, o poeta Afonso Romano de Sant’Anna lançou um seu poema cujo refrão repetia: “Uma coisa é um país, outra coisa é um ajuntamento!”
Naquele verso se anunciava a tragédia que hoje abate o Rio de Janeiro. Mas o que entendiam de tragédias aqueles que poderiam ter feito alguma coisa para que não se repetisse o que já lamentava Sérgio Ricardo ao cantar a sina de Zelão: “Choveu, choveu, e a chuva jogou seu barraco no chão”?
Nunca entenderam de gente e povo, além da contabilidade dos votos e das estratégias para definir currais eleitorais.
A SUDENE foi coisa da ditadura militar apoiada pelos mesmos meios de comunicação que silenciaram sobre os fabulosos desvios das verbas federais por muito mais tempo do que o um minuto que hoje pedem aos mortos no Rio de Janeiro. Silenciaram e enriqueceram junto com seus aliados e associados, como Antônio Carlos Magalhães e tantos outros coronéis da seca.
Assim os sulistas fizeram erigir as maravilhas de seus grandes centros, virando a cara e tapando o nariz para as periferias de suas cidades enquanto continuam elegendo podres políticos formados pelo regime que se instalou no poder há 46 anos atrás, dando início aos grandes amontoamentos populacionais sem o menor senso de responsabilidade com as condições ambientais, a urbanidade, e, sobretudo, a segurança da população brasileira que, como governantes por imposição ou por eleição, tinham a obrigação de zelar.
Durante mais de 3 décadas governar o Brasil se reduziu a promoção de oportunidades de maior enriquecimento para uma minoria privilegiada e promoção de ajuntamento da grande maioria, de forma a não oferecer incômodo às fúteis sensibilidades daqueles poucos.
Além disso, o mais desgastante ao ofício de governar era o recorrer aos organismos financeiros internacionais sempre que a dispersão de recursos públicos e potenciais econômicos da nação, atingisse o fundo do cofre rascado pela corrupção e a rapinagem nacional e estrangeira.
Antes de 1964 éramos um país ainda mais pobre, mas nossas mais constantes tragédias eram a seca do nordeste e os acidentes da linha férrea Central do Brasil. Por que, agora, aqui se reproduz acontecimentos com dimensões similares as das concentrações populacionais da Índia e da China?
A crise climática mundial é a única resposta? Talvez a mais fácil de ser arrolada, mas será mesmo por essa razão que moradores de bairros inteiros de São Paulo sejam mantidos alagados em águas pútridas?
Será realmente por essa razão que tantos morreram no Rio de Janeiro e por tanto tempo estão desabrigados em Blumenau?
Quem haverá de entender a realidade do povo brasileiro? Segundo o Sérgio Ricardo, em seu antigo lamento musical: “Todo o morro entendeu, quando Zelão chorou. Ninguém riu, ninguém brincou, e era carnaval”. Mas o que entendem os que pretendem retornar como nossos governantes ou representantes no Congresso e nos governos dos estados. O que entendem de povo ou qualquer coisa que não seja o carnaval de manobras e mentiras, casuísmos e legislações em causas próprias?
E o classe média, lá do asfalto, é capaz de entender porque é assaltado? Por que seu filho é cooptado pelo tráfico de drogas? Por que sua filha é estuprada? Por que alguém da família é assassinado ou por que rolam casas, morros e barracos dos que vivem longe de seus olhos?
Quantos ainda não entenderam que uma coisa é um país, outra coisa é um ajuntamento? Quantos ainda não se aperceberam que os pais da miséria do norte do Brasil, são os padrastos da violência do sul do Brasil? Quais ainda não se deram conta de quem são os reais responsáveis pelo caos cotidiano vivido nos grandes centros urbanos do país?
Essa é a nossa maior tragédia! Permitirmos que nos confirmem como país de cabeça para baixo onde os morros, que deveriam ser ocupados por poucas residências de proprietários com poder aquisitivo para criar acesso a serviços como fornecimento de água, energia elétrica, coleta de lixo, saneamento, correio postal, etc. (como ocorre nas regiões montanhosas da maioria das cidades norte-americanas e europeias) são destinados ao amontoado de pequenas casas, cada qual perfurando seu sumidouro e amontoando dejetos pela impossibilidade de coleta.
Nas planícies ou declives pouco acentuados, locais de natural facilidade ao acesso de moradores e serviços públicos, é onde, em países de ocupação racional e previdente, se destinam às populações de baixa-renda. No Brasil subverteram a lógica para o rico ficar com o pé na areia da praia, de costas para o país, enquanto a classe média, igualmente soterrada pela inevitável avalanche de uma sociedade solapada, enche-se de preconceitos culpando os emigrantes explorados, sem perceber nos exploradores a causa da degradação da qualidade de vida em cada cidade e todas as classes sociais.
Quantas Blumenaus e São Luís do Paraitinga terão de ser destruídas, até que a orgulhosa população do sul do Brasil perceba que a tragédia do Rio de Janeiro de hoje, provêm de uma sucessão de improficientes governantes escolhidos por imprevidentes eleitores?
Nos entornam de cabeça abaixo há muitas décadas, quase meio século, mas não nos exemplificamos nos fatos e na história, dirigindo-nos pelos preconceitos que nos são incutidos.
O Brasil e o eleitor brasileiro está mudando? Na maior parte do país, sim, mas tomando de exemplo a São Paulo sitiada pelo PCC, alagada e desmoronada por deslizamentos de cidades históricas, fica claro que a composição segue sozinha porque a locomotiva descarrilou há muito tempo.
Uma evidência disso está na Folha de São Paulo: “O lucro líquido das grandes empresas com ações em Bolsa quase triplicou nos três anos e meio de governo de Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao período da segunda gestão de Fernando Henrique Cardoso, de 1999 a 2002” Da edição de 20/08/2006, a matéria foi publicada exatamente no período em que o jornal mais intensamente participava do golpe pelo impeachment do atual governo.
Ainda que este dado beneficie sobretudo a população do sul do país, onde se instalam as maiores indústrias e empresas nacionais, os institutos de pesquisa apontam a região como concentração da maior parte dos 4% de brasileiros que não aprovam o governo Lula. Por que, se ao longo de 8 anos de governo do PSDB o crescimento do setor industrial foi de 1,94% e só no primeiro mandato do atual (4 anos) atingiu 3,77%?
Paradoxo ainda mais difícil de compreender se considerado o consequente maior potencial de consumo da região sul, ao se constatar que enquanto a produção de bens duráveis teve aumento de apenas 2,4% nos 8 anos de PSDB; nos primeiros 4 anos do governo Lula atingiu 11%. Ou a produção de veículos que em 8 anos de PSDB aumentou 1,8%, e nos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula 2,4%.
Por lógica esses números deveriam ser mais estimulantes aos sulistas do que aos de demais regiões, no entanto, a despeito desses resultados e de todas as denúncias de improbidades administrativas, os políticos desses estados têm conseguido se reeleger até mesmo quando aconselham seus eleitores a não mais votar neles mesmos, como ocorreu com Paulo Maluf e José Serra.
São nos estados do sul do país onde se têm eleito e reeleito os políticos mais envolvidos em processos por atentado contra a legislação ambientalista, a exemplo do governador de Santa Catarina e do prefeito de Blumenau onde os atingidos pela tragédia do ano retrasado até hoje se alojam em abrigos improvisados porque, segundo o próprio governo do estado, não há em seu estafe técnicos gabaritados para o desenvolvimento dos programas e projetos exigidos para liberação da verba federal já destinada ao estado no mês da ocorrência da tragédia.
Ora! Não sendo capaz de montar uma equipe de governo integrada por profissionais que ao menos consigam justificar o requerimento de verba já liberada, porque se candidatar? Uma coisa é um desafinado se propor a cantar, ou um perneta se propor a jogar bola, mas se não tem equipe com que governe, porque se propor a governar um estado ou presidir um país?
Mas a pergunta ainda mais candente é: porque reeleger um governo que se comprova incapaz de resolver os problemas mais cruciais do estado ou país que governa?
A tragédia de Blumenau, administrada pelo DEM, ocorre no segundo mandato de um mesmo governador, alinhado a antigo grupo que ocupa o poder do estado desde a ditadura militar, então como ARENA e hoje diluídos em diversas siglas. Os alagamentos de São Paulo são herança de duas décadas de governo de um mesmo partido tradicional aliado ao que administra a capital: o DEM. Apesar do casal que o antecedeu, enquanto no governo, ter se alojado no mesmo partido do atual governador do Rio de Janeiro, foi por divergências com Sérgio Cabral que Garotinho mudou de partido, mas deixou, com contribuição do ex-prefeito César Maia, também do DEM; a tragédia que hoje infelicita cariocas e fluminenses.
Mas os demônios de muitas outras tragédias plantadas nos tempos dos governos da antiga ARENA, poderão germinar por todo o país se nas próximas eleições continuarmos baseando nossos votos em preconceitos e condicionamentos, ao invés de analisarmos o baixo desempenho de nossos políticos regionais com os avanços que nos últimos anos têm destacado o Brasil entre a comunidade das nações.
Infelizmente já se ouve, inclusive em mensagens produzidas para distribuição pela internet, os sussurros do preconceito tentando falar mais alto do que o discernimento da realidade, sugerindo que José Serra teria mais experiência de governo do que Dilma Roussef.
Vamos ver: qual experiência se faz necessária para lançar lei proibindo fumantes em local fechado? Foi o próprio Serra quem divulgou essa realização com um grande feito de seu governo em São Paulo, digno de investimento publicitário para divulgação nacional.
Terá algo mais a apresentar de experiência? Algo de mais efetivo e notável nestas 2 décadas de governo de seu partido no estado de São Paulo?
Se Dilma Roussef não tem a mesma experiência de Serra como governante, muito menos tinha Luís Ignácio Lula da Silva, que apenas havia dirigido um sindicato, em relação a Fernando Henrique Cardoso que ocupou o Ministério da Economia, mas como presidente triplicou nossa dívida externa quebrando o país mais de uma vez e nos outorgando mais de 2 mil pontos negativos no índice de confiabilidade econômica internacional.
E, por falar em economia, já que as baixas condições econômicas da população são a principal causa de edificações e ocupações de áreas de risco que anunciam repetição de tragédias como as que se abateram sobre Blumenau no ano retrasado, sobre o estado de São Paulo no início deste ano e o Rio de Janeiro agora; é muito interessante analisar alguns outros dados comparativos entre os resultados das duas linhas de governo que neste ano novamente se propõem à presidência do futuro dos brasileiros.
- Empréstimos para habitação em 8 anos de governo PSDB = R$ 1,7 bilhões.
4 anos do primeiro mandato do governo Lula = R$ 4,5 bilhões.
- Ganho real do salário mínimo em 8 anos de governo PSDB = 20,6%
Em 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 25,3%
- Valor alcançado pelo salário mínimo em dólares, ao final de 8 anos de governo PSDB = U$ 55
Ao final de 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = U$ 152
- Poder de compra do salário mínimo ao final de 8 anos de governo PSDB = 1,3 cesta
Ao final de 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 2,2 cestas
- Aumento do custo da cesta básica no decorrer dos 8 anos de governo PSDB = 81,6%
No decorrer dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 15,6%
- Índice de desigualdade social ao final dos 8 anos de governo PSDB = 0,573
Ao final dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 0,559
- Participação dos mais pobres na renda nacional ao final dos 8 anos de governo PSDB = 14,4%
Ao final dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 15,2%
- Porcentagem de pobres entre a população brasileira no final dos 8 anos de governo PSDB = 34,34%
Ao final dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 33,37%
- Porcentagem de miseráveis entre a população brasileira no final dos 8 anos de governo PSDB = 26,3%
Ao final dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 25,8%
- Transferência de renda nos 8 anos de governo PSDB = R$ 2,3 bilhões
Nos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = R$ 7,1 bilhões
- Queda no índice da desigualdade social no final do 8 anos de governo PSDB = 0,559
Ao final dos 4 anos do primeiro mandato do governo Lula = 0,573
Ainda não possuo os dados atualizados para este final de 2º mandato deste governo, mas os aqui expostos foram aferidos através de diversas fontes que poderei informar aos interessados. São números que podem ajudar aos eleitores de todas as regiões do país a superar eventuais preconceitos e condicionamentos impostos pelos mesmos meios que nos induziram aos piores erros já cometidos pelo eleitorado brasileiro.
Erros que nos fazem, em alguma parcela, responsáveis pelas tragédias que têm abalado o Brasil, mas poderão ser evitados se atentarmos para dados concretos que demonstrem o caminho por onde continuar acertando e construindo um futuro mais seguro para cada um de nós. Para todos.
Raul Longo
Florianópolis/SC