domingo, janeiro 10, 2010



Rússia, China e Irã redesenham o mapa energético
8/1/2010, M K Bhadrakumar, Asia Times Onlinehttp://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/LA08Ag01.html

A inauguração do gasoduto Dauletabad-Sarakhs-Khangiran anteontem, conectando o norte do Irã, região do mar Cáspio, com os vastos campos de gás do Turcomenistão, talvez passe sem ser noticiada na cacofonia da mídia ocidental, para a qual o regime islâmico de Teerã estaria vivendo momento de “apocalipse now”.

O evento, contudo, é mensagem com poderoso significado para a segurança local. No período de três semanas, o Turcomenistão comprometeu com China, Rússia e Irã, todas as suas exportações de gás. Assim sendo, não há qualquer necessidade urgente dos gasodutos que EUA e União Europeia têm oferecido. Estaremos ouvindo os primeiros acordes de uma sinfonia Rússia-China-Irã?


O gasoduto turcomano de 182 quilômetros começa a bombear modestos 8 bilhões de metros cúbicos (bmc) [ing. billion cubic meters (bcm)] de gás turcomano. Mas tem capacidade para bombear anualmente 20 bmc – com o que serão atendidas todas as necessidades da região do Cáspio iraniano, e Teerã poderá dirigir para a exportação toda a produção dos campos do sul do país.



 Os interesses dos dois lados estão em perfeita harmonia: Ashgabat consegue um mercado cativo, na porta ao lado; o norte do Irã pode consumir sem medo de racionamentos de inverno; Teerã passa a gerar excedentes para exportar; o Turcomenistão pode buscar vias de exportação para o mercado mundial, via Irã; e o Irã pode aspirar a extrair vantagens de sua excelente localização geográfica, como eixo para as exportações turcomanas. 

Estamos assistindo a constituição de um novo padrão de cooperação energética em plano regional que dispensa negócios com ‘as grandes do petróleo’. A Rússia tradicionalmente dá o primeiro passo; China e Irã seguem a trilha já aberta. Rússia, Irã e Turcomenistão são donos, respectivamente, da primeira, segunda e terceira maiores reservas mundiais de gás. E a China, nesse século, será consumi dora par excellence. Todo esse arranjo regional terá profundas consequências sobre a estratégia global dos EUA.

O gasoduto turcomano-iraniano ri-se da política dos EUA para o Irã. Os EUA ameaçam o Irã com novas sanções e bradam que o Irã estaria “cada vez mais isolado”. Mas o jato presidencial de Mahmud Ahmadinejad voa para a Ásia Central, pousa no tapete vermelho de Ashgabat para ser acolhido pelo presidente Gurbanguly Berdymukhammedov do Turcomenistão e... forma-se novo eixo econômico. A diplomacia de coerção e ameaças de Washington não funcionou. O Turcomenistão, com PIB de US$18,3 bilhões, desafiou a única superpotência (PIB de $14,2 trilhões) – e, ainda melhor, fez a coisa parecer rotina.

Há também subtramas. Teerã anuncia negociações com Ancara para transportar o gás turcomano até a Turquia pelos já existentes 2.577 quilômetros de gasoduto que ligam Tabriz, no noroeste do Irã, e Ancara. De fato, a diplomacia turca segue orientação de política exterior independente. A Turquia também aspira a operar como eixo de distribuição para fornecer energia para a Europa. A Europa pode estar perdendo a batalha pelo estabelecimento de acesso direto ao Cáspio.

Em segundo lugar, a Rússia não dá sinais de qualquer incômodo por a China aproveitar-se da energia gerada na Ásia Central. As importações europeias de energia russa caíram, e os produtores de energia na Ásia Central têm batido às portas do mercado consumidor chinês. Do ponto de vista dos russos, as importações chinesas não privarão a Rússia nem da energia de que precisa para consumo, nem da que precisa para exportar. A Rússia já está implantada com suficiente profundidade no setor energético da Ásia Central e do Cáspio, para saber que não enfrentará racionamentos de energia.

O que realmente interessa à Rússia é não comprometer seu papel de maior fornecedor de energia para a Europa. En quanto os países da Ásia Central não precisarem de novos gasodutos transcaspianos financiados pelos EUA, tudo continuará perfeitamente bem do ponto de vista dos russos.

Em recente visita a Ashgabat, o presidente russo Dmitry Medvedev normalizou os contatos energéticos entre Rússia e Turcomenistão. A restauração desses laços é importante conquista política para os dois países. Primeiro, porque depois do reaquecimento dessas relações, o Turcomenistão manterá suprimento anual de 30 bcm de gás para a Rússia. Segundo, nas palavras do presidente Medvedev, "Pela primeira vez na história das relações Rússia-Turcomenistão, o gás será negociado por preços absolutamente alinhados com as condições do mercado europeu.” Analistas russos dizem que a [empresa] Gazprom acabará por descobrir que comprar gás turcomano é mau negócio; e que, se Moscou escolheu pagar preço mais alto, é, sobretudo, porque decidiu não deixar para trás nenhum gás q ue possa ser distribuído para outros  consumidores, sobretudo pelos gasodutos alternativos do Projeto Nabucco (http://www.nabucco-pipeline.com/project/project-description-pipeline-route/project-description.html) financiado pelos EUA







Em terceiro lugar, ao contrário da propaganda ocidental, o Turcomenistão não vê o gasoduto chinês como substituto para a [empresa] Gazprom. A política de preços da Rússia assegura que, do ponto de vista do Turcomenistão, a Gazprom continua a ser consumidor insubstituível. O preço do gás turcomano de exportação para a China ainda está sendo negociado e simplesmente não pode alcançar a oferta russa.
Em quarto, Rússia e Turcomenistão reiteraram seu compromisso com o Gasoduto Cáspio Costeiro [ing. Caspian Coastal Pipeline] (que corre ao longo da costa leste do Cáspio, para a Rússia) com capacidade para 30 bcm. Evidentemente, a Rússia espera obter gás adicional da Ásia Central, do Turcomenistão (e do Cazaquistão).

Em quinto, Moscou e Ashgabat concordaram em construir juntos um gasoduto leste-oeste conectando todos os campos turcomanos de gás a uma única rede, de modo que os gasodutos que andam em direção à Rússia, Irã e China possam receber gás de todos os campos.

De fato, contra o pano de fundo da intensificação dos movimentos dos EUA em direção à Ásia Central, a visita de Medvedev a Ashgabat tem impacto sobre toda a segurança regional. Na conferência conjunta de imprensa com Medvedev, Berdymukhammedov disse que as posições de Turcomenistão e Rússia nos processos regionais, particularmente na região da Ásia Central e do Cáspio, são em geral idênticas. Sublinhou que os dois países entendem que a segurança de um não pode ser obtida à custa do outro. Medvedev concordou que havia semelhança ou unanimidade entre os dois países nas questões relacionadas à segurança, e confirmou a disposição para agirem juntos.

A diplomacia dos EUA para o gasoduto no Cáspio, que visava a passar ao largo da Rússia, deslocar a China e isolar o Irã fracassou. A Rússia planeja agora duplicar o gás importado do Azerbaijão, cortando ainda mais os esforços ocidentais para conquistar Baku como fornecedor para o Projeto Nabucco. Em linha com a Rússia, o Irã também está emergindo como consumidor do gás do Azerbaijão. Em dezembro, o Azerbaijão firmou acordo para fornecer gás ao Irã através dos 1.400 quilômetros do gasoduto de Kazi-Magomed-Astara.

O “grande quadro” mostra que as correntes Sul e Norte Russas – que fornecem gás para o sul e o norte da Europa – estão ganhando força irreversível. Os obstáculos que havia na Corrente do Norte foram superados quando a Dinamarca (em outubro), a Finlândia e a Suécia (em novembro) e a Alemanha (em dezembro) aprovaram o projeto do ponto de vista ambiental. Na próxima primavera, o gasoduto começará a ser construído.

O projeto conjunto para que a Gazprom, a alemã E.ON Ruhrgas e a BASF-Wintershall construam o gasoduto de $12 bilhões, e a empresa de transporte Gasunie evita as rotas de passagem da era soviética via Ucrânia, Polônia e Belarus e parte do porto russo de Vyborg, no noroeste da Rússia, para o porto alemão de Greifswald, em rota de 1.220 km que cruza o Mar Báltico. A primeira perna do projeto, com capacidade para transportar anualmente 27,5 bmc de gás, estará pronta no próximo ano; e até 2012 a capacidade estará duplicada. Essa Corrente Norte afetará profundamente a geopolítica da Eurásia, as equações transatlânticas e os laços que aproximam Rússia e Europa.

Não há dúvidas de que 2009 foi ano de fortes emoções na “guerra da energia”. Com o gasoduto chinês inaugurado pelo presidente Hu Jintao dia 14 de dezembro; co m o terminal petroleiro próximo ao porto de Nakhodka, no extremo oriente da Rússia inaugurado pelo primeiro-ministro Vladimir Putin dia 27 de dezembro (que será alimentado pelo oleoduto-gigante de $22 bilhões, desde os novos campos da Sibéria e alcança os mercados do Pacífico asiático); e com o gasoduto iraniano que Ahmadinejad inaugurou anteontem, dia 6 de janeiro – não há dúvidas de que o mapa energético da Eurásia e do Cáspio foi virtualmente redesenhado.

O ano novo de 2010 começa com uma questão fascinante: Rússia, China e Irã saberão operar em movimentos coordenados ou, pelo menos, saberão harmonizar seus interesses concorrentes?



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