sexta-feira, janeiro 08, 2010

Jato francês não toma banho

Atualizado em 08 de janeiro de 2010 às 00:12 | Publicado em 07 de janeiro de 2010 às 23:02
por Luiz Carlos Azenha
A "crise militar" -- a polêmica envolvendo as decisões do governo Lula referentes à Comissão da Verdade e a compra de caças para a FAB --  interessa a Washington e aos lobistas de Washington. Os lobistas de Washington querem que o Brasil compre aviões fabricados nos Estados Unidos. Ao governo de Washington não interessa que o Brasil "injete" a França na geopolítica do hemisfério, com uma ampla parceria estratégica.
Ao Pentágono interessa que o Brasil compre aviões americanos e, se de fato precisar usá-los, fique sem peças de reposição e sem os softwares de gestão. O Pentágono quer vender ao Brasil uma daquelas impressoras cujo cartucho de impressão custa duas vezes mais que a própria impressora. Se o Brasil decidir imprimir algum texto escrito em Brasília, não em Washington, eles cortam o fornecimento de cartuchos.
Se o Brasil não comprar dos Estados Unidos, que pelo menos compre da Suécia: comprando da Suécia, ficará da mesma maneira dependente da tecnologia dos Estados Unidos.
É impossível determinar exatamente a quem servem os "mentores" da "crise militar". Mas sabemos quem ganha com a "crise": Washington deposita nela as esperanças de, se não fizer negócio com o Brasil agora, pelo menos desfazer o negócio alheio. Adiar o negócio, quem sabe para um futuro governo. Adiar o negócio, ganhar tempo, esperar "novas circunstâncias", quem sabe "facilidades". Tudo isso interessa aos lobistas de Washington. Aos vendedores de avião e aos estrategistas. O Estadão chega a ser explícito:
"Deixar o assunto em banho-maria pode ser, para Lula, a escolha menos onerosa", diz trecho de editorial recente.
Do jeitinho que Washington quer.
Mas há a demanda interna por mais uma crise. "Atritar" o adversário é uma das táticas para desviar a atenção dele, fazer com que ele gaste energia onde não precisaria gastar, perca o foco e faça besteira. Por isso, a assessoria midiática de um certo candidato "fabrica" mais uma crise, assim como fabricou o caos aéreo, a epidemia de febre amarela e a hecatombe da gripe suína. O Brasil, alerta a Folha, pode ficar refém dos humores "dos governantes franceses de turno". Não consta que o jornal tenha manifestado a mesma preocupação acerca dos humores de Washington. Aliás, ficar refém do humor dos franceses soa como uma gigantesca ameaça e estou certo de que foi uma piada involuntária, que escapou ao editorialista do jornal.
[Para quem perdeu a piada, os franceses são conhecidos internacionalmente pelo mau humor]
"Vale lembrar que nem os presidentes militares atropelaram decisões técnicas na compra de material bélico", alertou um ex-porta voz do regime militar, hoje comentarista da TV Globo. O Estadão chuta o balde: simplesmente sugere, por comparação com o presidente Sarkozy, da França -- "ele sim, trabalhando pelo interesse nacional" -- que Lula não representa os interesses brasileiros. É a pista para que os militares -- estes sim, supostamente defendendo o interesse nacional -- acusem Lula de ser apátrida ou de tirar vantagens pessoais do negócio.
Trata-se de uma retórica que tem o objetivo de constranger o presidente da República, com repercussões de médio e longo prazo.
Lula será acusado em qualquer das circunstâncias: será acusado de mudar de ideia diante da pressão de subordinados, se o fizer;  ou de "insistir no erro", "atropelando os subordinados". Lula, aquele que não defende os interesses nacionais, atropelando os militares -- estes sim, patriotas. Trata-se de um discurso irresponsável, de franco desespero.
Entendo que se trata do velho jogo de desgastar o governo, de olho nas eleições. O problema é que a tal "crise militar" não rende um voto sequer. Se a economia estiver bombando em 2010, quem é que vai votar porque o Brasil comprou caças deste ou daquele país? Ou seja, tudo indica que cavar o fosso entre o poder civil e o poder militar não renda votos. É pouco provável que de fato interfira com uma decisão soberana do Estado brasileiro, que cabe ao presidente da República, comandante-em-chefe das Forças Armadas. Assim sendo, a quem realmente interessa desmoralizar o poder civil e reacender as chamas do poder militar? Acima de tudo, àqueles que desconfiam não contar com o poder dos eleitores para chegar ao poder.

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