quinta-feira, setembro 10, 2009

80% da população vive abaixo da linha de pobreza



Tempos difíceis em Gaza

9/9/2009, Saleh Al-Naami, Al-Ahram Weekly, Cairo
http://weekly.ahram.org.eg/2009/963/feature.htm 

Desde as primeiras horas do dia, Marwan Abd Rabbu espera na fila, que a Sociedade Al-Salah abra as portas. Al-Salah é organização de caridade que ajuda os mais pobres – e Marwan, que vive no campo de refugiados de Al-Maghazi em Gaza, precisa desesperadamente de ajuda para sustentar sua família.

A ajuda que recebe de Al-Salah tem permitido que Marwan, 42, atualmente desempregado, alimente sua família (10 pessoas) durante o mês do Ramadan. “Dão-nos pacotes de alimentos e, sem isso, não sei o que teria feito. Não conseguiria alimentar minha família à hora do Iftar [refeição após o por do sol]” – diz Marwan.

Caridade, sobretudo a distribuída por organizações islâmicas e pela UNRWA (Agência das Nações Unidas), tornou-se a principal fonte de alimento em Gaza, onde 80% da população vive abaixo da linha de pobreza.

Algumas famílias dependem de parentes empregados e que recebem salários mensais regulares. Os empregados tentam ajudar a família ampliada. Durante o Ramadan, pode acontecer de um pacote contendo queijo, tâmaras e doces pode percorrer um longo caminho.

As famílias tentam ajudar-se mutuamente do melhor modo possível. No início do mês santificado, Majed Ibrahim, professor meu colega, comprou alimentos, embrulhou-os para presente e distribuiu os presentes entre suas quatro irmãs casadas, por exemplo.

Apesar disso, Gaza vive tempos muitos difíceis nesse Ramadan. As lojas estão praticamente vazias de clientes e os poucos que se atrevem a entrar quase sempre saem de mãos vazias porque praticamente não têm dinheiro para comprar coisa alguma.

Gamal Alyan é proprietário de uma das maiores lojas de alimentos que há no centro de Gaza. Suando profusamente num dia quente de agosto, passa o lenço pela testa e olha em volta. Sua loja é das poucas ainda cheia de compradores, mas ele diz que muitos saem sem comprar, sobretudo por causa dos altos preços.

“Os fregueses têm menos dinheiro hoje do que antes", diz Alyan. “Muitos preferem comprar produtos contrabandeados do Egito, porque os preços são mais baratos do que dos produtos importados de Israel. Altas taxas de impostos também fazem subir os preços dos produtos israelenses e os tornam inacessíveis para os pobres que vivem em Gaza."

Pode haver grande diferença entre os preços de produtos egípcios e israelenses; um quilo de queijo holandês importado via Israel custa quase o dobro do que custa o mesmo queijo contrabandeado do Egito. Além disso, nem todos podem fazer compras. Apenas 20% da população tem emprego fixo e salário regular – e esses, praticamente todos funcionários do governo ou de organizações da sociedade civil, são considerados pessoas de sorte.

O preço das verduras também está nas alturas nesse Ramadan, com os vendedores nos mercados e feiras reclamando do preço da cebola, seis shekels o quilo ($1,7) e tomates, a quatro shekels ($1,2).

Falta eletricidade em Gaza todos os dias, porque Israel não abastece de combustível, na quantidade necessária, a única usina de energia elétrica da região; por causa do racionamento, a direção da usina é obrigada a cortar o fornecimento de energia para vários bairros, alternadamente, várias vezes ao dia.

Abdel-Rahman Oudah, 49, que mora em Birkat Al-Wezz a oste do campo de Al-Maghazi Camp no centro de Gaza, diz que sua mulher agora assa pão de madrugada, antes de a energia elétrica ser cortada. “A eletricidade pode acabar a qualquer momento”, Abdel-Rahman explica. “Pela manhã quase sempre há luz; depois, ninguém sabe.”

Esses cortes de energia afetam o ritmo da vida religiosa durante o Ramadan. Os mais religiosos continuam a ir à mesquita depois do pôr do sol para a tarawih, uma oração longa, rezada só no mês santificado; mas, na escuridão, os imans tendem a resumir a oração e encurtá-la, o que agride a tradição.

A situação econômica em Gaza não afeta apenas o dia-a-dia durante o Ramadan, mas  n também cria problemas para famílias que têm de preparar os filhos para o início do ano letivo. A crianças precisam de roupas, sapatos, mochilas e material escolar – produtos que se tornaram inacessíveis, dados os preços.

Abdel-Karim Rawafaah, 41, andou por todo o mercado no campo de Al-Nuseirat, no centro de Gaza, com os sete filhos, tentando comprar suprimentos. Voltou de mãos vazias para o campo de Al-Maghazi onde vive. As aulas começam dentro de duas semanas, e ele não sabe se conseguirá comprar o material necessário.

Calças custam agora 70 shekels ($20), quase o dobro do que custavam no ano passado ($12), diz ele. Abdel-Karim, que ganha cerca de 1.000 shekels ($300) como funcionário do conselho local, diz que precisaria ganhar o dobro, só para comprar roupas para os filhos. Por enquanto, continuará a procurar roupas mais baratas, em alguma venda de saldos. Sem isso, só restará a alternativa de as crianças usar as roupas do ano passado, já gastas e apertadas – ele lastima.

Muitas pessoas em Gaza enfrentam os mesmos problemas. Por efeito do bloqueio israelense, os produtos de primeira necessidade são vendidos a preços exorbitantes, e os comerciantes sequer contam com a possibilidade de vendê-los. Andando pela rua Omar Al-Mokhtar, principal via de Gaza, veem-se as lojas vazias e os comerciantes reunidos, conversando ou lendo jornais.

Os comerciantes também têm o que lamentar. Segundo Salim Rajab, dono de loja, “essa sempre foi a melhor época do ano para nós, quando os pais compravam roupas para os filhos, no início do ano escolar. Esse ano, o boom que tanto esperamos não aconteceu.”

Outros donos de lojas dizem que os preços das roupas subiram porque há muitos intermediários no processo de conseguir trazer os produtos para a Faixa, contornando o bloqueio israelense. Cada intermediário cobra sua taxa e os preços finais explodem.

Nesse contexto, o governo de Ismail Haniyeh decidiu deduzir 30% (em alguns casos, mais que isso) do salário dos funcionários, para distribuir entre os pobres; e alguns ministros e altos funcionários doaram todo o salário nesse mês santificado. Várias organizações governamentais seguiram o exemplo. O corpo de financiadores da Universidade Islâmica, por exemplo, deduziu 50% do salário dos professores e 100% do salário dos reitores durante o mês do Ramadan e distribuiu o dinheiro entre os pobres.


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