O presidente, a maré e a marola
Estas duas últimas semanas foram dominadas por um reeecontro entre o passado e o presente, carregado de futuro. Nossa imprensa conservadora, é claro, reconheceu o golpe do futuro, mas alguns de seus próceres mais conspícuos voltaram-se, como costumam fazer, para o passado.
Flávio Aguiar
Não deu outra. Após um momento em que se misturaram perplexidade e um misto de encanto e desencanto, na nossa imprensa eurodescentrada começaram a aparecer sinais da semeação de desespero, desprezo e preocupação que provocou o sucesso do presidente Lula no encontro do G-20.
Estas duas últimas semanas foram dominadas por um reeecontro entre o passado e o presente, carregado de futuro. Nossa imprensa conservadora, é claro, reconheceu o golpe do futuro, mas alguns de seus próceres mais conspícuos voltaram-se, como costumam fazer, para o passado.
O presente, carregado de futuro: o encontro do G-20, que pode reabilitar a idéia sempre defendida pela diplomacia brasileira desde os tempos de Rio Branco, de que as soluções internacionais devem ser debatidas e encaminhadas, em fóruns multilaterais. O Brasil nunca teve um Exército mundialmente significativo, apesar da Guerra do Paraguai e da participação na Segunda Guerra Mundial. O exército brasileiro sempre foi a diplomacia, que é das melhores reputadas no mundo. Nossos eurodescentrados nunca conseguirão engolir isso, ainda mais agora que todo esse cabedal está a serviço da soberania e não da serventia nacional.
O passado: o encontro, em Estrasburgo, da Otan. O encontro foi político, mas o problema é militar. Houve muito debate na imprensa européia e mundial sobre o destino da Otan, se é o de ser uma polícia mundial (renegado) ou local (melhor aceito pelo pensamento liberal europeu, temeroso da Rússia), mas o seu destino profundo é militar: cercar a Rússia. Para isso ela nasceu, isso ela continua fazendo, e sem mudanças no plano político profundo, assim será pelas próximas décadas.
Dentro dessa moldura a evidência da liderança do presidente Lula é muito clara, só não reconhece quem não quer. Quais são as razões? Em primeiro lugar, tirante algum ditador sem consulta popular (não estou me referindo, quero deixar muito claro, a Fidel ou Raul Castro, ou Hugo Chávez), Lula é o presidente com o maior índice de popularidade no mundo. É isso que torna Lula um fenômeno internacional, para desespero dos Cassandros nacionais. Em segundo lugar, Lula é reconhecido como porta-voz do terceiro mundo, como várias vezes esta Carta Maior já apontou. Lula fala, os dirigentes do mundo escutam e os burros nacionais levantam as orelhas, atrás de detalhes que possam comprometer o sucesso do nosso presidente, que vai na esteira de um sucesso do Brasil.
Qual é o sucesso do Brasil? É dar, nesse começo do século XXI, uma lição de democracia. Parece mentira, mas é por aí. Houve uma tentativa de golpe em 2006, pela imprensa, como já comentamos largamente na Carta Maior, e em cima da bucha (ver os artigos de Bia Barbosa), que não vingou, felizmente. A partir daí o perfil brasileiro no mundo mudou, e muito. Mais ou menos assim: a direita pode fazer marola, mas o que importa é a maré do povo. Montante, praia acima, como leva a transformar os sertões e as cidades.
Problemas? Temos muitos. Soluções? Começamos a ter algumas, e em escala mundial.
20 milhões de brasileiros atravessaram a linha da miséria em direção à linha da pobreza. E outros 20 milhões se foram desta para a classe média que antigamente dizíamos remediada. É pouco?
E isso que o governo Lula está longe de ser o dos nossos sonhos. 30 milhões eram os miseráveis há dez anos, hoje são 11 milhões.
Resta muito por fazer. Mas muito foi feito. Por aí dá para imaginar o retrocesso que seria uma vitória da direita em 2010 (PSDB + DEM). O retrocesso viria em tudo: no campo social, no da política internacional, no campo econômico também, porque a vocação pessedebista e demo hoje é a de voltar à inserção subalterna no campo do ocidente: é o que conseguem imaginar como lugar-no-mundo, e com a provinciana imprensa do conservadorismo brasileiro a saudá-los como os ós dos borogodós da modernidade.
Fica uma consideração para as extremas esquerdas: sigam a orientação do povo, sem querer orienta-lo assim de cima. Marola não: maré.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior.
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