domingo, maio 21, 2006

IMPRENSA TUCANA CRIMINOSA


Em favela, Rota 'dá dura' até em crianças

LAURA CAPRIGLIONEDA REPORTAGEM LOCAL
MARLENE BERGAMOREPÓRTER-FOTOGRÁFICA

A garotinha de três anos mal sabe falar. Mas a palavra "polícia", pronunciada pela reportagem em uma visita-surpresa à creche improvisada em um barraco na favela dos Pilões (zona sul de São Paulo), faz a menina -olhos negros, grandes e redondos, e penteado maria-chiquinha- ter uma reação surpreendente: ela se aproxima da parede, põe as mãos para trás e abaixa o rosto enquanto repete: "Poliça, poliça".

A mulher que cuida das crianças pede ao menino de cinco anos que explique o que acontece. Ele diz: "A polícia entrou aqui, mandou todas as crianças encostarem na parede desse jeito e falou que levaria todos nós para a Febem se a gente não contasse onde estavam escondidas armas e drogas". O garoto se juntou à menininha, mãos na parede. Mais sete crianças repetiram o ato.

Uma jovem de 12 anos conta que o irmão de dez andava na semana passada por um beco quando um PM ofereceu R$ 1 em troca de informações: "Onde moram os bandidos daqui?", perguntou o policial."Agora, veja a tragédia que podia ter acontecido se o menino resolvesse falar alguma coisa para pegar o R$ 1", diz a avó, que tinha ido à creche, vinda do trabalho como doméstica, para pegar as crianças e levá-las ao barraco da família.Na última quarta-feira, às 23h30, os becos da Pilões mancharam-se de sangue. Uma incursão da temida Rota acabou com três mortos.

Idosos, crianças, mulheres, adolescentes, homens e mulheres, um total de 78 pessoas -contadas uma a uma-, fizeram questão de acompanhar a Folha pelas ruelas escuras e pelos becos da Pilões na tarde e noite de quinta-feira.Queriam mostrar o caminho que os jovens mortos teriam percorrido até o momento em que foram obrigados pelos PMs a se deitar de bruços no chão de uma área com menos de 16 m2, chamada de "campo de futebol", para receber os tiros.

O nome "campo de futebol" é uma relíquia da época em que a Pilões ainda tinha grandes áreas livres. Hoje, o "campo" está ocupado por casas de tijolo baiano, grudadas umas às outras -só sobrou a pequena área onde os rapazes teriam sido chacinados pelos PMs.

Pedido de misericórdia

A moradora de uma casa colada ao "campinho" conta: "Um dos meninos pedia: "Pelamordedeus, não me mata, deixa eu ir embora'". Os quatro filhos dela, pernambucana, doméstica, que ganha dois salários mínimos por mês e acorda às 5h para trabalhar na Vila Mariana, já dormiam. A menorzinha, oito anos, acordou no meio da confusão e se assustou com os pedidos de misericórdia."Eu fiquei com medo de eles matarem minha mãe também", disse a menina. "E chorei na hora em que eles atiraram. Minha mãe falou pra eu não chorar, que, senão, os homens matavam a gente também.""Cuidado aí", advertem a reportagem. Alguém num barraco acima (é um declive) começou a tomar banho -o corregozinho de água e sabão começou a molhar os pés de todos.Os mortos chamam-se Cristiano Augusto Rodrigues, 28, e os irmãos Jefferson do Carmo Pereira, 27, e Rogério do Carmo Pereira, 24.

Um primo de Cristiano dá a ficha: "Ele sofria de epilepsia. Tinha quase 30 anos, mas era como uma criança", diz, referindo-se a um retardo mental. "Tomava remédios e fazia bico em reciclagem de plástico."Jefferson e Rogério eram metalúrgicos desempregados. Nos últimos tempos, atuavam como vigias noturnos em um estacionamento vizinho à favela. Ganhavam R$ 600 por mês, sem carteira assinada. Entravam às 23h30 e saíam às 8h30.

Segundo a mãe dos jovens, 46, foi o patrão quem arcou com os custos do enterro, feito em urnas de padrão "nobre", na classificação do serviço funerário municipal, ao preço de R$ 1.259 cada uma. "A gente não tinha condições", disse a mulher. No velório dos filhos, ela se jogou sobre o caixão de Robson, a janelinha aberta sobre o rosto do rapaz. Soltou um grunhido gutural, antinovela da Globo, o som do desespero.

A dona de um bar na favela disse que, na noite em que morreram, os rapazes passaram pelo estabelecimento dela para tomar cerveja. "Quando saíram para ir trabalhar, deram o azar de cruzar com a Rota."

"Os policiais chegaram à favela pela rua que margeia a linha de transmissão da Eletropaulo. Lá, recolheram o Cristiano. Foram subindo a favela e catando quem encontravam."Os soldados perguntaram aos rapazes quem tinha "passagem". Rogério disse que, sim, teve uma bronca com a polícia. Passou um mês preso, por roubo de dois maços de cigarro em um posto. Segundo vizinhos, os demais nem chegaram a responder. Os PMs descarregaram as armas neles.

"A Rota apaga"

"A mãe dá à luz, a Rota apaga." O dístico, relata um jovem, soldado do Exército e morador da favela de Heliópolis, vizinha à Pilões, é gritado pelos policiais toda vez que invadem a área. Outra frase de efeito moral é "Deus cria, a Rota mata".

Todos os moradores entrevistados, pessoas que estavam nas ruas e vielas durante a visita-surpresa da Folha, ou que foram saindo de suas casas, não precisaram de estímulo para falar. Queriam apenas não ser identificados na reportagem -medo de represálias dos policiais. Todos narraram cenas do terror rotineiro que lhes é imposto pelos soldados da PM."Eu já tive de trocar três vezes a porta de casa. É que os policiais mandam deixar a porta só encostada. Se estiver trancada, eles derrubam a pontapés."

"Minha casa tem dois portões de ferro. Não é contra bandido, aqui ninguém rouba ninguém. É pra proteger da polícia." Três mulheres e uma adolescente acusaram a polícia de abordar as que chegam do trabalho ou da escola, chamando-as de "puta", "vagabunda" ou "vaca". "Já fizeram isso comigo; eram cinco da tarde e eu estava voltando da escola", diz uma menina de 12 anos.

Um operário conta que policiais arrombaram sua casa para pegar uma camisa e, com ela, limpar os sapatos. "Eu fui lá reclamar na delegacia, mas me disseram que eu esquecesse: polícia não faz BO [boletim de ocorrência] de polícia."

"Eles querem fazer todo mundo acreditar que aqui [na favela] só tem bandido, PCC, mas não é assim. Os caminhões das Casas Bahia, da Marabrás, entram sempre aqui e nunca foram roubados."

"Essas lâmpadas da rua: de noite, a gente tem de desligar. Se eles [policiais] entram e encontram as luzes acesas, arrebentam com tiros. Olha só essa luminária [e aponta para uma, esburacada, sem lâmpada]."

No enterro dos irmãos, sexta-feira, às 17h40, uma parente, estudante de direito, reclamou: "A polícia mata uns jovens bestas e sem futuro como eles, enquanto o bonzão do PCC [refere-se ao líder Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola], fica no bem-bom, falando em celular, recebendo visita e dando entrevista -como se fosse cantor popular. As coisas estão de cabeça para baixo, não é?"
__________________________________________________________________

Agora fazem essas matérias, mas é esse governo que eles estão apoiando e blindando todo esse tempo.

A imprensa brasileira é criminosa e oportunista.