Após dez meses de silêncio, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino concedeu uma entrevista, nesta quarta-feira (26), ao jornalista Bob Fernandes, do site Terra Magazine
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Preparando-se para candidatar-se a deputado federal nas próximas eleições, Genoino está empenhado em sua defesa jurídica e política. "Os termos em que a CPI me denuncia, que o Ministério Público denuncia, eu vou provar com fatos e com provas que não têm procedência", diz.
Ele caracteriza esse processo incriminatório como uma "tortura pós-moderna, que atinge a alma, o sentimento, a auto-estima, mexe por dentro violentamente. Nos anos 70 fui torturado no corpo, agora, na alma..."
Leia a íntegra:
Terra Magazine: Ex- deputado, há quanto tempo o senhor está retirado da política, praticamente na sua casa?José Genoino: Dez meses e alguns dias. Eu tô resistindo, sobrevivendo, cuidando da minha vida pessoal, familiar, e sobrevivendo, com bico, com algumas correções de texto, aulas que surgem.
Aulas onde? Nos sindicatos do ABC e outros que me convidam, mas são bicos, não é algo permanente.Faço correção de texto quando surge, além disso eu tenho uma aposentadoria proporcional de deputado, que eu não pretendia usar, mas por questão de sobrevivência eu recorri a essa aposentadoria, o que são seis mil reais líquidos, porque é oito mil bruto... então tenho feito uma reflexão muito grande.
Quantos filhos o senhor tem? Tenho três filhos, a minha filha mais velha tem 25 anos, Miruna, casou-se recentemente e mora em Sevilha, o marido é de lá. Tenho um filho de 22, o Ronaldo, e minha filha mais nova, Mariana, tem 21, mora em Brasília. Nesse período os filhos foram fundamentais pra mim, foram de uma solidariedade, e de uma sustentação fantástica, eles e a minha mulher Rioco Kayano... meus filhos foram corretos, foram muito leais, solidários, Rioco nem se fala. Aliás eu aprendi que nessas horas a família é uma peça fundamental e foi fundamental pra mim...
...como tem sido... ...é um período...é como se eu estivesse atravessando um deserto, com algumas fontes de água, em meio a um tiroteio e armadilhas que ninguém sabe de onde veio. É um processo que eu comparo muito com a experiência que eu vivi nos anos 70, na prisão.
O senhor ficou preso quantos anos? Fiquei cinco anos preso.
E foi torturado por quanto tempo? Fui torturado em vários intervalos, durante um ano em que fiquei incomunicável.
Talvez o processo mais degradante que um ser humano possa viver é a tortura. A pergunta pode soar absurda, mas tenho a curiosidade de saber: há algum paralelo entre aquele processo e o que o senhor vive hoje? Há, há sim, o outro dói no físico, o outro faz você ter medo de morrer fisicamente e às vezes você até tem vontade de morrer. Esse dói na alma, dói no espírito, esse dói por dentro e fica dilacerando, é como bala dum-dum, entra e fica lá escondido, ou uma faca que tem veneno na ponta e fica, é um processo dilacerante, eu acho que...
...é outro tipo de tortura... ...é a tortura pós moderna, que atinge a alma, o sentimento, a auto estima, mexe por dentro violentamente. Nos anos 70 fui torturado no corpo, agora, na alma...
Você teve vontade de morrer também? Olha, eu encontrei energia pra não ter essa vontade, porque é um suplício de outra maneira, é o suplicio pós moderno.
Como é ele? Você tem um espetáculo, a condenação é feita por matérias feitas na onda, o esforço que você faz para se colocar não é entendido... você tem uma onda... você fica com uma sensação de impotência muito grande... você se segura pra resistir.
No caso do rapaz com os 400 mil na cueca... Não adiantou nada eu dizer que nada tinha com aquilo. Eu não tenho nada com aquilo, nada. Meu irmão veio aqui, nem quis me encontrar em casa, fomos nos encontrar num prédio. Eu disse a ele: "aqui nós não somos deputados, somos irmãos. O que foi aquilo?" Ele chorava, e me disse: "Eu também não sei, não tenho nada com aquilo". Eu desisti naquele dia, quando cheguei em casa e vi o Jornal das oito horas. Usaram uma imagem minha entrando naquele prédio, como se fosse encontrar o Guimarães, mas era uma imagem de outro dia, uma montagem. Ali eu vi que não adiantava mais nada naquela hora, a onda era muito grande, a impotência...
O senhor não se arrepende, individualmente ou em nome do coletivo, pelo seu partido ter agido de forma igual em outras situações, em outras CPIs, também promovendo a condenação de pessoas eventualmente não culpadas? Em primeiro lugar, eu como deputado nunca fiz isso. Não tem representação, não tem ação que eu tenha feito contra um deputado naqueles momentos de CPIs. Mas eu acho que esse processo de hoje é cinco vezes mais duro. Tem um vale tudo, um cerco, uma má vontade. Por revanchismo, por decepção, por ressentimento, por tudo isso, que gera uma explosão muito grande, então eu acho que esse é um processo...
O senhor não tem nenhum arrependimento? Não sei se essa seria a expressão correta, mas eu entendo que o PT precisa fazer reformulações profundas, meditar sobre as lições disso tudo, reformular-se principalmente no relacionamento e financiamento de campanhas...
O senhor mora num bairro... Eu moro aqui há 23 anos, nesse bairro, que é um bairro popular.
Classe média, média. Qual é o nome dessa rua? Rua Maestro Carlos Cruz, 154, Vila Indiana, Butantã. O único bem que eu tenho é essa casa, de cento e vinte e cinco mil reais, eu tenho ela há 23 anos, comprei quando podia sacar o dinheiro preso pela Zélia. Tem essa sala grande, uma cozinha e três quartos, e o quarto da empregada que eu transformei em um escritório de trabalho, aonde eu leio, que minha paixão nesse período foi também ler.
Ler o quê? Sobre política, Bobbio, Hannah Arendt, trechos de Marx, procuro entender melhor tudo isso. E me concentro muito, estou muito empenhado na minha defesa jurídica e política, juntamente com meu advogado, porque os termos em que a CPI me denuncia, que o ministério público denuncia, eu vou provar com fatos e com provas que não tem procedência.
O senhor foi acusado de... ... de integrar uma organização criminosa chamada de quadrilha; nunca o PT organizou quadrilha, nem eu participei de qualquer organização criminosa, e os fatos que estão arrolados aí não comprovam isto e eu vou mostrar, seja quando em 2002 eu era candidato a governador licenciado do partido, diferente do que está na denúncia, seja quando João Paulo foi eleito presidente da Câmara, que era o candidato natural e eu era candidato a governador no segundo turno. Seja, também, na relação com os aliados: eu nunca tratei de repasses financeiros, tratava de alianças políticas. E seja ainda em relação aos bancos. Eu assinei, como avalista, dois empréstimos.
Com os bancos... Com o Banco Rural um de três milhões e meio e, para o banco BMG, de dois milhões e meio, e esses empréstimos estão na prestação de contas do PT. Nunca visitei esses bancos, nunca fiz reuniões com esses bancos, assinei os empréstimos. Só conheci o Marcos Valério no segundo semestre de 2003, os empréstimos eram de fevereiro e março de 2003, eu não tinha relação com as empresas do Marcos Valério, não tem um telefonema meu com as empresas e nem com a direção dos bancos. Com os aliados eu discutia acordos políticos eleitorais legítimos, portanto eu não tive qualquer participação em qualquer atividade criminosa...
Como é que o Marcos Valério se aproximou do PT? Isso aí o próprio Delúbio, e ele já explicou isso. Foi uma relação direta com o Delúbio. Eu o conheci em relações apenas eventuais, na sede do partido, eu disse isso no meu depoimento, na comissão da CPI do chamado mensalão, na Polícia Federal, no Conselho de Ética. Eu não tinha essa relação financeira e nem funcional com o Marcos Valério e vou mostrar que não tive qualquer participação com qualquer ato ilegal na administração pública, até porque eu não me envolvia com estatal e nem com administração pública, eu defendia o governo e era legítimo que o partido indicasse seus nomes, para representar, isso faz parte de qualquer governo democrático.
Quando a gente começou a conversar, há pouco, primeiro eu gravei sem câmera, só no gravador. O senhor não quis a câmera ligada. Por quê? Porque eu tenho, me ficou, uma imagem muito ruim. Me lembra como se eu tivesse nos anos 70, uma imagem de interrogatório dos anos 70, quando eu era torturado e interrogado. Só que naquela época, era parede de isopor, luz muito forte para você não ter dor de cabeça e o teu grito não era ouvido fora daquela sala vedada com isopor. Agora, ao contrário, a câmera, a claridade da câmera me causa medo devido ao processo vivido... foi muito violento, matérias que eu insisti para que ouvissem a minha verdade...
O senhor hoje teme as câmeras? Por incrível que pareça, lamentavelmente, dada a minha experiência de tanta exposição, eu temo, eu tenho medo, porque me lembra um processo de dilaceramento interno, pela maneira como algumas matérias foram feitas, a maneira como o "Pânico" (NR: O programa da redê TV) veio em minha casa, ficou aí em frente durante duas horas, com provocação, com coisas absurdas. Depois de minha experiência anterior de tanta visibilidade, nesse período eu passei a ver câmara de televisão, gravador, entrevista, como se fosse uma tortura.
Como é que é ser chamado de ladrão em publico, diante dos filhos? ...o pior é quando você tem consciência que não tem nada com isso, não é nada disso. Pela sua vida, pelo que você é, pelo que você tem. Meus filhos foram demais e os amigos de dentro e fora do PT, que eu não vou nem citar nomes, mas amigos do peito de fora do PT.
Decepções? Dentro do PT algumas pessoas eu quero até esquecer...eu mantenho aquela minha idéia de que as amizades não são apenas pelo vínculo político e ideológico, então, isso me sustenta, sustenta a gente explicar para as pessoas. Já fui perguntado na rua e eu explico às pessoas, agora você tem um espírito, uma onda que cria um julgamento, uma condenação, você é condenado depois você vai provar...
E qual a sensação de ficar em casa trancado? A sensação é que primeiro você tem que viver em casa com a sua vida interna, interior , com suas plantas, seus livros, suas músicas, seus amigos e não perder a esperança de recomeçar, eu acho que é essa a idéia: eu quero ter uma militância de esquerda, socialista, democrática, republicana, com os meus amigos, com a base do partido, conversar...
Verificar se vai ser candidato ou não... Não, isso pra mim não é o decisivo agora, o decisivo agora é a minha defesa, conversar com a militância, conversar quando sou perguntado, falar com as pessoas, porque eu quero reconstituir a minha militância e a minha história de 40 anos de política, eu quero reconstituir isso porque eu tenho minha história e tenho as minhas verdades, e eu vou provar isso em relação a essas denúncias.
O senhor tinha muitos amigos na mídia, como é que está a sua relação? O senhor se sentiu abandonado? Eu vivi os dois lados da mídia, o lado de quando se é a unanimidade, e eu me beneficiei com isso...
O senhor se beneficiou com isso? Claro, porque eu fiquei conhecido, minhas eleições eram fáceis, e eu tinha espaço. Já houve uma certa mudança quando fui candidato a govenador e a presidente do PT e agora eu conheci o outro lado, o da condenação. A gente não pode ter nem arrependimento, nem ódio, nem raiva, porque isso mata. A gente tem que ter a serenidade do indignado que quer justiça, e é isso que me move hoje, eu quero justiça para me defender das acusações, eu quero justiça para me defender perante os meus amigos de dentro e fora do PT e quero justiça para me defender na sociedade, é isso que eu quero...
O senhor, especialmente em Brasília, sempre andou cercado de jornalistas. Quando ¿a onda¿ veio o que o senhor teve dessa sua longa história com os companheiros jornalistas? Uma percepção que eu tinha ilusão, uma percepção que aquilo era uma ficção, uma percepção que aquilo havia sido uma ingenuidade, ou um erro, de eu não compreender que a mídia é isso mesmo. Na política você conhece a poesia e o sangue.
É possível o presidente não saber o que estava se passando no setor financeiro do partido, é possível o presidente da república não saber o que se passava? O presidente da republica não tinha relação de conversa, de debate ou de qualquer coisa relacionada com a vida interna do PT. A nossa relação, a partir da eleição dele, era uma relação política com uma agenda muito grande, uma agenda pesada, de relação com um partido que sempre teve divergência e crise, divergência em nossa base, nas bancadas, era isso que ocupava a agenda, nós não discutíamos assuntos internos do funcionamento do PT e nem dos aliados, não tinha nem espaço, a gente nem conversava sobre isso.
O senhor teve quantos votos para governador e quantos votos, antes, para deputado federal? Fui mais votado em 98 com 398 mil votos e para governador tive oito milhões e meio de votos no segundo turno.
Apesar do senhor ter dito ter medo da câmera, o senhor poderia olhar para a câmera? O que o senhor teria a dizer para esses oito milhões de pessoas que votaram no senhor? Que a dor me move para resgatar a minha história de militância política, me move para me defender, e eu tenho consciência, e é isso que me sustenta, que a minha verdade vai ser provada. Eu tenho consciência e digo para vocês que em vários momentos confiaram em mim: eu não fiz nada para mim, para minha família, eu não tive nenhum benefício e eu vou provar isso.